Ciência e Saúde

Entrevista - Connie Hedegaard: É hora de agir

A ministra de Clima e Energia da Dinamarca - que presidirá a conferência da ONU sobre mudança climática em dezembro - afirma que os governantes mundiais precisam ter coragem política e tomar as decisões necessárias para combater o aquecimento global

Paloma Oliveto
postado em 31/08/2009 10:32

Para a ministra, os EUA têm tido disposição para negociar, mas ainda precisam mostrar quanto investirão no combate ao aquecimentoAmbientalistas e governos de todo o mundo aguardam, ansiosamente, pelo resultado da 15; Conferência das Partes (COP-15) das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima, que será realizada em dezembro em Copenhague (Dinamarca). Do encontro, espera-se a produção de um documento no qual os países se comprometam a adotar metas ambiciosas de redução das emissões de carbono na atmosfera.

O tempo está passando e a ciência já deixou claro que não é possível mais esperar. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), a concentração do gás carbônico (CO2), principal causador do efeito estufa, aumentou 0,5% em apenas um ano. Desde 1990, o crescimento foi de 24%. As consequências do aquecimento global já são sentidas, com o derretimento de calotas polares, aumento do nível do mar e eventos climáticos atípicos.

Os blocos dos países menos desenvolvidos e estados-ilhas são os que mais temem a devastação provocada principalmente pelas nações industrializadas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os mais pobres, especialmente no Pacífico Ocidental, serão atingidos com maior gravidade por doenças como a malária e a dengue, provocadas por mosquitos que, devido às mudanças climáticas, alteram suas rotas. No Brasil, a desertificação de áreas como a caatinga poderá resultar em um grande número de desabrigados, assim como pode aumentar a quantidade de vítimas de enchentes atípicas, como as que vêm ocorrendo nos últimos anos.

Antes do encontro na Dinamarca, delegados de mais de 180 países fizeram reuniões informais em Bonn e Bangcoc. Em agosto, na Alemanha, a demora nas negociações preocuparam o secretário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, Yvo de Boer. ;Só temos mais 15 dias para discutir antes de Copenhague. E, nesse ritmo, não vamos conseguir;, alertou, referindo-se à reunião que ocorrerá na Tailândia um mês antes da COP-15.

A ONU defende que os países industrializados financiem pesquisas tecnológicas para as nações em desenvolvimento evitarem cometer os mesmos erros que resultaram no aumento da concentração de gases na atmosfera. É um ponto polêmico, sobre o qual ainda não há perspectivas de acordo. Nas negociações internacionais, o Brasil tem cobrado enfaticamente mais ações e menos discursos por parte dos países ricos. Não apenas quanto ao financiamento, mas também às metas de redução de emissões.

Por outro lado, os negociadores brasileiros não concordam com um ponto polêmico que estará na pauta da COP-15: a entrada do mecanismo Redd (Redução de Emissões para Desmatamento e Degradação) no mercado de carbono. Por meio de financiamento de ações que ajudem a manter as florestas dos países em desenvolvimento de pé, os desenvolvidos poderiam compensar suas emissões. No entendimento do Itamaraty, isso vai fazer com que os ricos continuem a emitir carbono, passando suas responsabilidades para os menos industrializados.

À frente das negociações de uma pauta extensa, polêmica e sobre a qual há poucas concordâncias, estará a ministra de Clima e Energia da Dinamarca, Connie Hedegaard. Em entrevista ao Correio, ela diz que é preciso agilizar o ritmo das reuniões e garantir que, na COP-15, seja assinado o acordo sobre o financiamento dos países em desenvolvimento: ;O custo político de não fazer isso é muito alto;, avisa.

A senhora acha que houve avanços substanciais em Bonn? O senhor Yvo de Boer mostrou preocupação com o ritmo das reuniões.
Não tenha dúvidas de que eu teria mais prazer em ver uma negociação mais rápida. Nós passamos muito tempo discutindo o que discutir e em qual ordem fazê-lo. Para assegurar o progresso, nós, os políticos, temos de agilizar as negociações com um comprometimento maior, antes que o prazo acabe.

A senhora afirmou recentemente que, sem dinheiro, não há acordo. A questão do financiamento, por parte dos países industrializados, de novas tecnologias voltadas às nações em desenvolvimento, porém, é uma das mais controversas. A senhora teme que não se chegue a um acordo em Copenhague?
Espero e acredito que chegar a um acordo em Copenhague ainda é possível. O custo político de não fazer isso é muito alto de se pagar. Desse modo, os ambiciosos compromissos esperados por parte dos países desenvolvidos em relação ao financiamento e às metas de mitigação continuam em foco.

Nos bastidores, alguns diplomatas afirmaram, em Bonn, que, caso não se chegue a um acordo durante a COP-15, a convenção pode ser adiada por seis meses. A senhora teme que isso ocorra? Quais seriam as consequências?
Adiar decisões difíceis é sempre uma possibilidade, mas não necessariamente significa o melhor caminho. Temos uma oportunidade única na vida de garantir a segurança do planeta para as futuras gerações. Temo que esse momento seja perdido se nos reunirmos seis meses depois, para discutir um acordo menos ambicioso. E nós conhecemos os problemas. Nós, inclusive, conhecemos as respostas potenciais para eles. O que nós precisamos é de coragem política para tomar as decisões necessárias. Acredito que as pessoas ao redor do mundo esperam que cumpramos nossa responsabilidade. E agora.

O interesse de países ricos na compra de créditos de carbono pode prejudicar, de alguma forma, as nações em desenvolvimento?
Não vejo dessa forma. O mercado de carbono pode ser visto como uma forma de assegurar o desenvolvimento sustentável e a transferência de tecnologia para o mundo em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que os países industrializados conseguem reduções de emissões por um preço mais baixo. As duas partes saem ganhando.

O mundo criou muitas expectativas em relação à eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. Na prática, a senhora acredita que houve avanços em relação à preocupação norte-americana com as mudanças climáticas?
Os Estados Unidos têm demonstrado significativas mudanças de atitude no último ano, engajando-se ativamente no processo de negociação. Entretanto, eu ainda continuo numa posição de espera e ainda não está claro como os Estados Unidos, exatamente, responderão em termos de financiamento e mitigação como parte de um novo acordo.

Quais os impactos econômicos experimentados pela Dinamarca, que adotou o conceito de desenvolvimento sustentável?
Depois da crise energética dos anos 1970, a Dinamarca investiu pesado em fontes energéticas renováveis, como a energia eólica, transformando-se, hoje, no líder mundial nessa área. Atualmente, somos o país com maior eficácia energética da Comunidade Europeia, nossa taxa de desemprego está abaixo da média da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos, da qual o Brasil faz parte) e nosso crescimento econômico está acima da média. O exemplo dinamarquês mostra que crescimento e desenvolvimento sustentável não são incompatíveis. Mas depende de cada governo dar prioridade a isso e agir.

Qual sua opinião sobre a resistência do governo brasileiro em incluir as florestas no mercado de carbono regulado por Kyoto? O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilberto Câmara, declarou recentemente que os recursos por meio do Redd são ;dinheiro sujo;. A senhora concorda?
Se o Redd entrar no acordo de Copenhague, e estou confiante em relação a isso, a integridade ambiental estará assegurada.

Como avalia a posição do Brasil na negociação?
Todo país almeja assegurar seus interesses nacionais. O resultado de Copenhague vai considerar as circunstâncias nacionais das partes. Mas, como um acordo internacional, ele será um compromisso, o que significa que cada país terá de ceder em algum ponto.

Costumamos atribuir aos governos a responsabilidade pela redução do aquecimento global. O que, individualmente, as pessoas podem fazer?
Pequenas mudanças de hábito podem ajudar bastante. Fechar as janelas quando ligar o ar-condicionado, comprar madeira produzida de forma sustentável ou desligar a luz ao sair do quarto são formas viáveis de contribuir com o meio ambiente no dia a dia.


"Temos uma oportunidade única na vida de garantir a segurança do planeta para as futuras gerações.

Precisamos é de coragem política para tomar as decisões necessárias. Acredito que as pessoas ao redor do mundo esperam que cumpramos nossa responsabilidade. E agora.

O exemplo dinamarquês mostra que crescimento e desenvolvimento sustentável não são incompatíveis. Mas depende de cada governo dar prioridade a isso e agir."

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