Ciência e Saúde

Ganhador do Prêmio Nobel fala sobre suas pesquisas e as perguntas que a ciência ainda tenta responder

postado em 01/09/2009 08:00
Atualmente, Gross trabalha com a Teoria das Cordas, que tenta unir física quântica e relatividadeO ganhador do Prêmio Nobel de física em 2004 David Gross está no Brasil especialmente para a semana de comemoração dos 20 anos do Centro Internacional de Física da Matéria Condensada da Universidade de Brasília (UnB). O cientista, reconhecido com a honraria depois de mais de 30 anos da publicação do estudo que trouxe à tona a descoberta da liberdade assimptótica, falou com exclusividade ao Correio sobre os desafios da ciência no século 21, a importância da pesquisa em sua área de atuação (teoria de partículas) e a paixão pela física.

O prêmio de Gross foi compartilhado com mais dois pesquisadores americanos, David Politzer e Frank Wilczek. Os três mostraram teoricamente como os quarks e os glúons ; partículas elementares que compõem os prótons e os nêutrons ; agem e se interligam para formar os núcleos dos átomos, que por sua vez se combinam em moléculas para dar forma a tudo ao nosso redor.

A pesquisa do trio começou nos anos 60 e foi expressa cientificamente em 1973. O resultado da investigação culminou na Teoria da Cromodinâmica Quântica (QCD, na sigla em inglês). A Real Academia Sueca de Ciências, que concede o Nobel anualmente, considerou que a descoberta aproxima a física de um grande sonho: formular uma teoria unificada que englobe a gravidade e ajude a desvendar os mistérios da matéria e do próprio universo.

Gross nasceu em 1941 em Washington DC, graduou-se e fez mestrado em física pela Universidade Hebraica de Jerusalém e é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley), além de professor e diretor do Instituto Kavli de Física Teórica, em Santa Bárbara. Bem humorado e otimista, o físico confessa que, embora tenha sonhado com o Nobel durante muitos anos, demorou a acreditar que havia sido contemplado com o prêmio. Para ele, o entendimento da natureza ainda é, e provavelmente sempre será, o maior desafio dos cientistas.

Como o senhor define a física e qual a importância dela para a ciência?

A física é a mais importante de todas as ciências. É assim que os físicos gostam de defini-la, e esse entendimento é realmente verdadeiro. Ela lida e trata com as questões mais fundamentais do universo e dá instrumentos para explorar qualquer aspecto da natureza. Como o nome sugere, essa ciência investiga fenômenos físicos, que são a base de tudo que observamos, incluindo a vida e o funcionamento do nosso cérebro. Eu entendo que a física é o melhor conhecimento que os jovens podem adquirir, pois ela é a base para lidar com problemas complexos, sejam eles abstratos, matemáticos ou referentes às leis da natureza.

Como a física pode ajudar efetivamente nos problemas do mundo?

Temos problemas em todas as áreas. Muitos demandam novas tecnologias, o que, é claro, não é possível sem as estruturas da física, química, matemática e outras ciências. Juntas, elas são essenciais para resolver grandes questões da atualidade, como (fontes de ) energia, poluição e o aquecimento global. No entanto, elas não podem, sozinhas, darem respostas para tudo. Em geral, políticos acham que assuntos relacionados a essas mazelas podem ser remediados pelos cientistas, bastando bancar as pesquisas para que toda a bagunça feita por eles seja consertada. Não é tão simples assim. É importante ter um programa científico que fortaleça a ciência aplicada e que não seja usado apenas para ganhar eleições.

Qual a mais importante contribuição da física até hoje?

Essa é uma pergunta difícil. A física pretende entender como o universo foi criado. Por isso, acho que a explicação de como as partículas formam e agem sobre a matéria representou o avanço mais significativo até agora.

Qual a maior preocupação dos físicos atualmente?

No meu campo de atuação, a física das partículas elementares, que investiga a estrutura da matéria nas forças básicas da natureza, nós somos levados a trabalhar com grandes e caríssimos equipamentos para a exploração do átomo. Com o avanço das pesquisas, os estudos vão ficando mais complexos e isso demanda investimentos na casa dos bilhões de dólares. Máquinas necessárias para experimentos e testes nem sempre podem ser adquiridas com a rapidez que desejamos. Além do dinheiro, elas envolvem o trabalho de milhares de pessoas e demandam muitos anos para serem desenvolvidas.

É muito mais fácil trabalhar como cientista em países desenvolvidos?

Sim, claro, sem dúvida. Temos muito mais suporte, podemos planejar o desenvolvimento das pesquisas com mais tranquilidade. Nações pobres também perdem seus recursos humanos. Países ricos acabam levando os pesquisadores mais promissores para conduzirem as pesquisas e atuarem nos mais diversos campos.

O senhor conhece as condições que os pesquisadores trabalham aqui no Brasil?

Sim, é muito difícil para eles conseguirem suporte adequado enquanto conduzem seus trabalhos. A excelência científica requer vários ingredientes, alguns são difíceis para se conquistar e manter, mas fáceis de perder. O investimento é apenas um deles.

Como os cientistas brasileiros são vistos fora do Brasil?

Apesar das dificuldades e da lentidão com que tudo acontece, estamos notando mudanças. O caminho percorrido pela ciência brasileira parece estar correto. O governo tem se mostrado mais interessado, mas ainda há um caminho longo e árduo para vocês serem referência na ciência.

Como o seu trabalho, que acabou rendendo ao senhor o Prêmio Nobel, pode influenciar na vida das pessoas?

Nosso trabalho tem a ver com o entendimento do funcionamento dos quarks. Os quarks são as partículas que, unidas por uma forte interação, formam os prótons e os nêutrons dos núcleos atômicos. Os átomos se unem entre si para formar as moléculas e estas, por sua vez, constroem estruturas mais complexas. Tudo é feito a partir dessas partículas. Na verdade, buscamos achar o caminho para o funcionamento das forças da natureza e isso, de alguma forma, um dia, poderá nos ajudar a entender muitas coisas que ainda são um mistério.

Quando o senhor descobriu que queria ser um físico?

Aos 13 anos. Lia muitos livros de ciência e decidi que queria ser um físico teórico como Albert Einstein. Brincadeiras à parte, sempre busquei entender como funcionam as coisas na natureza.

Qual foi a importância de ganhar o Prêmio Nobel?

É claro que, de certa forma, eu esperei por essa conquista. Levou muitos anos, pois tivemos que provar que a nossa linha de pensamento estava correta. Cientistas têm ideias maravilhosas que levam anos e anos para serem verificadas e experimentadas. Algumas são excepcionais e se mostram verdadeiras, outras, nem tanto. A natureza é a única sempre certa. Nós apenas supomos as respostas. Às vezes, acertamos, às vezes erramos. Para confirmar que estamos certos, muitos testes são feitos. O Nobel é um reconhecimento à dedicação incansável dos cientistas. Fiquei muito feliz em conquistá-lo.

O que o intriga nesse momento?

Estou trabalhando na Teoria das Cordas, que é um estudo muito ambicioso que especula e propõe unificar a física, as forças da natureza, ligando a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica numa única estrutura matemática. Já temos muito conhecimento acumulado, precisamos avançar para os experimentos, mas dependemos de máquinas absurdamente caras. Esperamos, em breve, usar um acelerador de partículas construído em Genebra que custou aproximadamente US$ 10 bilhões e envolveu o trabalho de centenas de pessoas. Ele será fundamental para confirmar ou não algumas das nossas suposições. Embora não esteja totalmente consolidada, a teoria mostra sinais promissores. Acho que o próximo ano será bem animado para mim.

O que faz o Instituto Kavli de Física Teórica da Universidade da Califórnia (KITP)?

Trata-se de uma instituição referência com 30 anos de atuação. O objetivo dela é contribuir para o progresso da física teórica, principalmente em áreas menos tradicionais desse campo de estudo. O KITP tem um ambiente propício para pesquisa e conta com cientistas seniores residentes e visitantes, assim como pós-doutores recém-titulados. Pode ser definido como um local para investigação e interação entre físicos teóricos do mundo todo. O Centro Internacional de Física da Matéria Condensada da UnB foi inspirado no Kavli e realiza o mesmo trabalho de interação, fomento e realização de pesquisas, workshops, conferências e seminários.

Como é o ambiente nesse tipo de instituição?

Ao contrário do que muita gente pensa, os físicos e cientistas teóricos interagem entre si. Eles não são estudiosos solitários e lunáticos que não sabem conversar. Profissionalmente, somos incrivelmente interativos e colaborativos. Teóricos geralmente não têm laboratórios próprios. Nossos instrumentos são o lápis, a caneta e a lousa. Essa liberdade e mobilidade proporcionam conversas e troca de experiências.

O senhor ainda leciona?

Depois que assumi a direção do KITP, leciono pouco. Mas adoro ensinar e tenho contato com prováveis futuros ganhadores do Nobel. Costumo dizer a eles para pensarem em questões que realmente importam. É preciso prestar atenção no que a natureza está tentando nos dizer.

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