postado em 02/09/2009 08:00
A reutilização de esgoto doméstico na agricultura já é realidade em lugares como Israel e Austrália. Enquanto isso, no Brasil, a técnica vem sendo testada no meio acadêmico, pois seu uso comercial exige legislação específica ainda não consolidada no país. Os resultados das últimas pesquisas na área, porém, têm surpreendido os especialistas. Um desses estudos, desenvolvido pela Escola Superior de Agricultura (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), constatou o aumento em torno de 50% na produtividade de uma cultura experimental de cana-de-açúcar, próximo ao município de Lins (SP). Além disso, a partir da irrigação monitorada, foi possível economizar água, fornecer nutrientes essenciais para a plantação e reduzir impactos ambientais provocados pela deposição de efluentes de esgotos nas águas dos rios.O pesquisador responsável pelo estudo, Rafael Leal, explica que o líquido resultante das estações de tratamento urbanas, a chamada água residuária, contém elementos que são importantes para a planta como, por exemplo, o nitrogênio. Ele contribui para a formação das proteínas, que são a base de crescimento dos vegetais. ;Alguns desses nutrientes, quando lançados nos cursos d;água, podem ocasionar uma proliferação excessiva de algas. Essas plantas podem consumir muito oxigênio, reduzindo a quantidade suficiente para a sobrevivência dos peixes. Já na agricultura, o efeito é benéfico;, compara o engenheiro agrônomo. Leal esclarece ainda que, ao contrário do esgoto industrial, o doméstico tem reduzida contaminação por metais pesados, o que possibilita seu uso em plantações.
No estudo em Lins, a reutilização de efluentes reduziu também os custos da produção da cultura experimental de cana da Esalq. Porém, de acordo com o agrônomo, essa redução varia de 30% a 50%, e vai depender do tipo de cultura na qual o método for aplicado.
Praticamente 100% do esgoto do município paulista é tratado por um sistema biológico. Porém, antes do destino final, a água residuária passa por um filtro de areia localizado num patamar mais baixo, que tem o objetivo de conter o excesso de materiais orgânicos. ;O intuito é evitar o entupimento do sistema de irrigação com excesso de algas mortas, por exemplo;, afirma. Um sistema de bombeamento também foi implementado para conduzir o líquido até a plantação. Para auxiliar no monitoramento da cultura de cana, os pesquisadores ainda contaram com o auxílio de equipamentos como tensiômetros, que servem para avaliar a necessidade de irrigação da área.
Regras
Experimentos baseados em irrigação de culturas com água residuária vêm sendo desenvolvidos pela Esalq desde 2000. Além da cana-de-açúcar, plantações de milho e girassol já foram testadas. Neste momento, a expectativa gira em torno da aprovação de uma legislação específica que libere o uso comercial do método. De acordo com Célia Regina Montes, professora da Esalq e membro do Grupo Técnico de Reuso de Água não Potável, em 2005 foi aprovada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), do governo federal, a resolução n; 54, que estabelece modalidades, diretrizes e critérios gerais para a prática.
Conforme a pesquisadora, cada uma das modalidades (cinco, no total), entre elas a agrícola e a florestal, precisa de regras próprias. ;Desde 2006, colaboramos com o grupo de trabalho da Câmara Técnica de Ciência e Tecnologia (CTC), ligada ao CNRH, para a elaboração da resolução específica para utilização agrícola e florestal. A minuta já está preparada e atualmente tramita nos órgãos competentes, em Brasília, para avaliação;, explica. O professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Adriel da Fonseca, também reconhece a importância de uma legislação própria. ;A técnica é liberada para uso em diversos países. A pesquisa no Brasil, porém, está tão avançada que recentemente recebi um convite de Israel para expor alguns trabalhos;, diz.
Fonseca, que acompanha de perto os resultados dos testes feitos em Lins, propôs a irrigação de capim com água residuária e afirma ter conseguido resultados superiores ao da técnica convencional. ;A produção chegou a ter uma melhora de 30%. A economia é de até 80% em relação à adubação nitrogenada. Isso significa cerca de US$ 400 por hectare, dependendo de fatores como tipo do solo e planos de manejo;, afirma.