Ciência e Saúde

Pacientes com mal de Parkinson ganham esperança com a neurocirurgia funcional

Procedimento tenta recriar a transmissão de sinais nos circuitos nervosos. Operação prevê a instalação de eletrodos no cérebro

Paloma Oliveto
postado em 10/09/2009 08:15

Procedimento tenta recriar a transmissão de sinais nos circuitos nervosos. Operação prevê a instalação de eletrodos no cérebroPara 20% dos pacientes com mal de Parkinson, os medicamentos que controlam a doença tornam-se cada vez mais ineficazes ou trazem efeitos colaterais piores que os sintomas do distúrbio neurológico. Essas pessoas estariam condenadas a perder o controle sobre todos os movimentos do corpo e acabarem acamadas, mas existe uma alternativa com alto índice de sucesso: a neurocirurgia funcional.

A enfermidade, cuja causa exata continua sendo um mistério para a ciência, caracteriza-se pela degeneração das células cerebrais produtoras de dopamina (1), substância responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos. Sem o neurotransmissor, a pessoa tem dificuldades para coordenar e controlar os movimentos. Na cirurgia, um aparelho semelhante a um marca-passo é implantado sob a pele, na região do tórax. Ele é conectado por um fio a um eletrodo ; dependendo do tipo de Parkinson, podem ser dois ; de 1mm, afixado na região cerebral do núcleo subtalâmico. Associado às funções motoras, o local passa a ser estimulado pelas conexões elétricas, permitindo que o paciente recupere o controle dos movimentos.

Segundo o neurocirugião do Hospital de Base e do Hospital Santa Luzia Cláudio Modesto, a chance de sucesso é de 80%. ;Aos 60 anos, uma pessoa demora entre 15 e 20 segundos para escrever cinco vezes seu nome numa folha de papel. Quem tem Parkinson nos estágios 3 a 4, leva até três minutos para fazer a mesma coisa. Com a operação, ele vai demorar apenas um minuto. Continua lento, mas é bem mais rápido do que antes;, exemplifica. ;A pessoa fica muito feliz, porque se aproxima bastante do normal.;

Para Modesto, o ideal é fazer a cirurgia na transição do estágio 3 para o 4. Embora se manifeste de maneiras diferentes em cada paciente, o Parkinson evolui em cinco fases, sendo que, na última, o doente fica acamado e completamente dependente de outras pessoas. No estágio 1, os sintomas são tão leves que ninguém os percebe, somente o neurologista. Na segunda fase, o paciente começa a andar com dificuldade, tem tremores mais visíveis e uma clara rigidez muscular. Ainda assim, a pessoa continua independente.

Quando atinge o nível 3, o paciente já não consegue mais fazer coisas simples, como usar chaves de fendas e tem maior dificuldade para andar. No 4, precisa de ajuda para executar tarefas. Na transição entre esses dois estágios, é comum que o medicamento se torne menos eficaz ou apresente muitos efeitos colaterais. Caso a pessoa não possua outras doenças neurológicas, como derrames, e esteja em boas condições físicas, é uma candidata potencial a se submeter ao procedimento. O neurologista Nilton Lara, do Hospital do Coração de São Paulo, lembra que outra exigência é que o paciente não tenha comprometimentos cognitivos. Em alguns tipos de Parkinson, há deterioração intelectual e, nesses casos, o aparelho pode piorar o quadro.

Mais 20 anos
Há dois anos, o piloto da Força Aérea Brasileira Carlos Aníbal Pyles Patto, 62 anos, decidiu se submeter à cirurgia. Com um condicionamento físico excelente e sem outras doenças coexistentes, ele era o paciente ideal para a neurocirurgia funcional. Patto, que já sofria com o encurtamento dos efeitos benéficos do remédio, assim como com o aumento das reações adversas, já não sofre com os tremores e a rigidez facial. ;Estou ativo graças à neurocirurgia, aos medicamentos e aos procedimentos (ele faz dieta e exercícios regulares). Pretendo ganhar mais 20 anos com a operação. Esse é meu desafio;, conta.

A não ser por pequenos lapsos de memória e um ou outro movimento menos controlado, Patto não aparenta ser portador de Parkinson, doença com a qual convive há 19 anos. Ele, inclusive, dirige. Porém, não conduz mais à noite e viaja sempre acompanhado. Fora isso, escreve livros, faz esculturas e ajuda outros pacientes a aceitarem o distúrbio, como presidente da Associação Parkinson Brasília. ;Os médicos falam de 80% de melhora. No meu caso, foi impressionante. A melhora do tremor e da rigidez foi de 100%;, conta. Empolgado, ele escreveu, há dois anos, para pacientes de todo o país, contando sua experiência. ;Pode ser coincidência mas, desde então, parece que o número de cirurgias aumentou bastante.;

O grande entrave do procedimento, porém, é o preço. A cirurgia de Carlos Patto, feita em Goiânia, custou R$ 130 mil, que foram custeados pela FAB. Porém, entre os associados, ele vê muitos casos de pessoas que não têm como pagar e precisam entrar na Justiça para conseguir realizar a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde. É, porém, uma longa espera. Um dos doentes que frequentam a associação entrou com uma ação em 2000 e só conseguiu uma autorização no ano passado. Para o neurocirurgião do Hospital do Coração Nilton Lara, um dos pioneiros da técnica no Brasil, o fato de uma única empresa fabricar o marca-passo encarece bastante o processo. ;O problema é o monopólio. Mas estão para chegar outros fabricantes, e a esperança é que a competição barateie a cirurgia;, diz.


1 - Nobel de Medicina
Arvid Carlsson foi um dos três ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2001 por mostrar que a dopamina é um importante neurotransmissor no cérebro, possibilitando que sinais sejam transmitidos de uma célula nervosa para a outra. Em 1950, os cientistas acreditavam que a dopamina era apenas uma substância química utilizada na fabricação de outro neurotransmissor, a noradrenalina (também chamada de noroepinefrina). Carlsson provou que a dopamina em si é neurotransmissora.





; Companheira de jornada

Quando se conversa com o piloto Carlos Aníbal Pyles Patto, 62 anos, é difícil acreditar que ele sofre de mal de Parkinson há 19 anos. Bem-humorado, ele brinca com os sintomas da doença, inventa alguns só para fazer piada e dá uma verdadeira aula sobre como superar a enfermidade. Além da cirurgia e dos medicamentos, ele lança mão de duas receitas fundamentais para conviver tão bem com o Parkinson: nunca pensar mal dos outros e ajudar a quem precisa.

A fala tranquila é reflexo do modo como Patto encara a vida: ;Sou a pessoa menos estressada do mundo;, diz o piloto, que, há oito anos, ainda comandava helicópteros, mesmo já sendo portador da doença. Na sala de estar do apartamento onde mora com a mulher, ele exibe uma série de esculturas feitas no quarto transformado em oficina. De lá, também saem gatos de concreto e madeira e outras obras que ele eventualmente leiloa para angariar fundos para a Associação Parkinson Brasília.

Presidente da associação, Patto está orgulhoso com o recém-formado coral. ;Podemos começar a ensaiar numa semana e nos apresentar em outra. Se todo mundo cantar mal, é só dizer que a culpa é do Parkinson;, brinca. Nas reuniões com os 80 associados, ele orienta os pacientes com informações sobre alimentação e exercícios apropriados, além de dar lições de vida.

O piloto conta que passou por todas as fases enfrentadas pelos parkinsonianos. ;Começa com a negação ; fui a seis neurologistas para acreditar no diagnóstico ;, passa pela revolta, a depressão e termina com a aceitação;, conta. Ajudar outras pessoas que, como ele, tinham a doença, foi fundamental para combater a depressão. ;Você para de pensar só em você mesmo;, ensina. Autor dos livros de crônica O rabo do macaco e outras histórias e O peru de Natal e outras histórias, Carlos Patto decidiu escrever uma carta para a doença de Parkinson: ;Hoje sei que, para te entender, preciso estar livre dos preconceitos e totalmente aberto ao diálogo. Hoje te respeito, te admiro e te considero uma amiga. Uma amiga e companheira de jornada;.

As reuniões da associação acontecem aos sábados, das 14 às 16h, na Famatec (Sia Trecho 1/2, lotes 1510/1540). Mais informações: 3433-3039.

Carlos Patto, 62 anos, da FAB, mostra sua oficina: 19 anos convivendo com a doença e enorme alívio com a neurocirurgia funcional, que estancou os tremores e a rigidez muscular

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