Ciência e Saúde

Pesquisadores da UnB descobrem que a suspensão do uso de uma substância pode provocar até a morte dos pacientes cardíacos

postado em 15/09/2009 08:00

Com alunos da UnB, Andrei Spósito transformou o atendimento de emergência a infartadosUm grupo de pesquisas ligado à Universidade de Brasília (UnB) e ao Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) divulgou recentemente um estudo inédito que sinaliza para uma reviravolta no tratamento emergencial de vítimas do infarto agudo do miocárdio (IAM). Os pesquisadores do Coorte Brasília descobriram que a suspensão de uso de uma substância chamada estatina durante a fase crítica do infarto provoca um efeito inflamatório ;rebote; capaz de aumentar em muitas vezes as chances de complicação e até de morte para os pacientes.

O cardiologista e coordenador do Coorte Brasília, Andrei Spósito, explica que o estudo buscava respostas que elucidassem números de um levantamento feito nos Estados Unidos. ;Os especialistas norte-americanos acompanharam 150 mil pacientes e constataram grande mortalidade em infartados que deixaram de tomar a estatina durante o socorro nas primeiras horas do infarto. No entanto, ninguém entendia a razão das complicações. Essa lacuna aguçou a nossa curiosidade e foi o ponto de partida para os estudos com pacientes atendidos no Hospital de Base;, conta o médico e pesquisador.

Por três anos, o cardiologista e a equipe de alunos da Faculdade de Medicina da UnB acumularam conhecimentos e acabaram encontrando a peça que faltava no quebra-cabeças. A estatina impede a formação de radicais isoprenil ; elementos que atuam nas células ancorando proteínas para que elas sejam ativadas quando há um estímulo inflamatório. ;Com esse bloqueio, a proteína fica solta e não funciona como deveria funcionar, impedindo a atividade inflamatória. Se o paciente usuário de estatina tem um infarto e o médico da emergência suspende a droga, o organismo volta a produzir os radicais e é vítima de uma saturação de proteínas, antes inibidas pela ação do medicamento. Elas, então, respondem de forma exacerbada ao processo de inflamação. Esse processo aumenta a atividade inflamatória em 35 vezes;, revela Spósito.

A descoberta do grupo foi divulgada há poucos meses na comunidade científica, mas já trouxe reflexos para o atendimento no HBDF. ;Como durante o infarto ocorre uma forte resposta inflamatória do organismo, por conta da lesão sofrida pelo músculo cardíaco, os médicos emergencistas se preocupam em salvar a vida da vítima, priorizando exames e procedimentos e suspendendo o que parece supérfluo. Por não ser um medicamento usado no tratamento do infarto, e sim na prevenção dele, a estatina era vista assim. Depois da nossa descoberta, essa droga nunca mais foi suspensa no HBDF e várias vidas foram poupadas;, observa o coordenador do estudo.

Reconhecimento
O trabalho do Coorte Brasília foi publicado em uma das principais revistas internacionais da área médica e científica, a Atherosclerosis. O feito do grupo também foi reconhecido no 12; Congresso Brasileiro de Aterosclerose, realizado no mês passado. No evento, ganhou o prêmio de melhor estudo na área de aterotrombose, mesmo diante de trabalhos de instituições tão conceituadas quanto a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o que surpreendeu os próprios integrantes da pesquisa.

[SAIBAMAIS]A equipe de Andrei Spósito monitora o atendimento de emergência feito no hospital e a internação dos infartados que chegam ao pronto-socorro antes que o início dos sintomas complete 24 horas, sempre com a autorização dos doentes. Quando o paciente tem alta, o grupo acompanha a recuperação por dois anos, período considerado crítico pelos especialistas por conta do risco de um novo ataque cardíaco. ;Nessa fase, os pacientes recebem orientações e passam por avaliações psicológica, nutricional e clínica completa. Periodicamente, são realizados exames como ressonância magnética, tomografia, eletrocardiogramas e muitos outros em laboratórios parceiros do estudo;, conta o aluno do 11; semestre de medicina André Hideo Ono. ;Para os estudantes, é uma oportunidade única. Aprendemos a lidar com os pacientes e com as particularidades de cada caso. Não encontramos essa chance em livros ou em sala de aula;, acrescenta.

Gratidão
Para os que são atendidos pelo grupo, o Coorte Brasília representa uma garantia. ;Aceitar fazer parte dessa pesquisa foi a melhor coisa que fiz. Sou técnico em enfermagem e sei das dificuldades para se ter um acompanhamento adequado em hospitais públicos. Tive o infarto há um ano. Desde então, tenho acesso a todos os exames necessários para monitorar a minha situação sem qualquer impedimento;, garante Crispiniano Souza Coelho, 47 anos. Ele é um dos 300 pacientes acompanhados pela equipe da UnB.

Resistência de alguns médicos e desconfiança dos que estavam se tratando foram obstáculos no começo. ;Hoje, a situação é outra. Temos um colaborador dentro do próprio Hospital de Base, o cardiologista José Carlos Quináglia, médico que também coordena os estudantes, e compartilhamos conhecimentos com os profissionais da emergência. Também trocamos informações com cientistas da USP, da Universidade de Parma, na Itália, da Harvard University, nos Estados Unidos, e do Royal College, em Londres. As dificuldades ainda existem, não temos incentivo financeiro para as pesquisas. Mas o grupo tem cumprido as finalidades educacional, científica e assistencial a que se propôs;, conclui o cardiologista Andrei Spósito.

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