Quando o infectologista norte-americano Thomas Briese debruçou-se sobre amostras das biópsias dos fígados de um paramédico e de um enfermeiro, sabia que estava diante de um vírus potencialmente letal. No entanto, não imaginava que dentro das lâminas havia um micro-organismo até então desconhecido da ciência e diferente de qualquer outro. Nos laboratórios do Centro para Infecção e Imunidade da Columbia University, em Nova York, Briese completou o sequenciamento genético do agente biológico assassino. Conhecido como Lujo, o vírus tinha sido isolado, por meio do cultivo em cultura, nas instalações de nível 4 de biossegurança do Centro para Prevenção e Controle de Doenças, em Atlanta (Estados Unidos) ; os cientistas tiveram de obedecer a normas como banhos para desinfecção e uso de trajes herméticos. Mas foi do outro lado do mundo, no sul da África, que Lujo mostrou sua face mortífera.
Em setembro de 2008, um surto de febre hemorrágica foi registrado na África do Sul, depois de um jogador de polo ser transferido às pressas de Lusaka (Zâmbia) para Sandton, município na região norte de Johannesburgo, no dia 12. Com febre, dores musculares, erupções na pele, diarreia e falência de órgãos, ele morreu 48 horas depois. O paramédico que acompanhou o atleta no traslado aéreo, o enfermeiro que o monitorou no hospital de Sandton e um faxineiro da unidade de tratamento intensivo desenvolveram os mesmos sintomas e também não resistiram à doença. Outra enfermeira que ajudou a cuidar do paramédico infectou-se e, após receber ribavirina ; medicamento usado no tratamento da hepatite C ;, conseguiu se recuperar.
Em entrevista ao Correio, por e-mail, Briese afirmou que o Lujo mata cerca de 80% dos infectados e é quase tão virulento quanto o Ebola(1), cuja letalidade gira em torno dos 90%. ;O vírus Lujo é fora do comum em muitos aspectos. Sua composição genética é bastante diferente de qualquer tipo conhecido de arenavírus;, disse o cientista. Compostos de RNA, os arenavírus estão relacionados à febre hemorrágica e geralmente são transmitido pelos ratos. ;O Lujo é o primeiro associado a esse sintoma já identificado desde o isolamento do vírus Lassa, em 1969, e o primeiro detectado no sul da África;, acrescentou o pesquisador.
Mistério
De acordo com o epidemiologista W. Ian Lipkin, diretor do Centro para Infecção e Imunidade da Columbia University, a fonte e a forma de contaminação do primeiro paciente ainda permanecem um mistério. ;Essas infecções são compatíveis com um agente altamente contagioso, supostamente disseminado por meio do contato direto com fluidos corporais do doente. Provavelmente, o vírus permanece ativo por várias horas em superfícies;, explicou ao Correio. O tempo de incubação do Lujo ; intervalo entre a exposição e a manifestação dos primeiros sintomas ; varia de uma a duas semanas apenas. ;Os sintomas iniciais incluíram febre, acompanhada de dor de cabeça e mialgia. Mais tarde, a diarreia foi um sintoma comum reportado;, afirmou Briese.
O sul-africano Nivesh Sewlall, médico da Universidade de Witwatersrand (Johannesburgo) e responsável pelo isolamento do novo arenavírus, considerou marcantes os fatos de a doença ser muito mais letal que a febre Lassa, cujo grau de letalidade varia de 2% a 50%, e de ela ter ocorrido em um sistema de saúde sofisticado. ;Esperamos que novas pesquisas levem à compreensão e ao tratamento desta e de outras febres hemorrágicas. O estudo também demonstra que novas infecções continuam surgindo, com ameaças em potencial de danos biológicos;, comentou. Enquanto o comportamento do Lujo permanece um enigma, Lipkin admite que os pacientes infectados precisam ser imediatamente isolados em unidades de tratamento intensivo especialmente desenhadas para agentes altamente contagioso. ;A adesão a medidas de segurança da equipe médica, como limpeza e desinfecção, preveniu a disseminação do vírus em uma epidemia que se alastraria por toda a África do Sul;, concluiu o norte-americano.
1 - Morte rápida
Ano: 1976. Local: Yambuku. Um total de 280 de 318 infectados morreram na região de Yambuku, no antigo Zaire (atual República Democrática do Congo). O vírus Ebola se espalhou por meio do contato íntimo e do uso de seringas e agulhas contaminadas. No mesmo ano, chegou ao Sudão, onde matou 151 dos 284 contaminados. O surto recente mais devastador na África voltou a ocorrer no país de origem: em 2007, de 264 doentes, 187 morreram. O período de incubação é de 2 a 21 dias e os primeiros sintomas de infecção são febre; dores de cabeça, musculares e nas articulações; fraqueza; diarreia e vômito. Pouco depois, o doente apresenta feridas, sangramento pelos olhos e hemorragia interna e externa.