Ciência e Saúde

Entrevista - Saulo Rodrigues, pesquisador em mudanças climáticas

postado em 19/09/2009 08:31
Como o senhor explica os último eventos climáticos que veem acomentendo o mundo, em especial a seca na Amazônia, os tornados no sul do Brasil e a chuva fora de época no Centro-Oeste?

As mudanças climáticas são um dos mais eloqüentes alertas de que a sociedade estará, ao longo deste século XXI, cada vez mais vulnerável frente aos impactos ambientais que ela mesma provocou.
A mudança global do clima vem se manifestando de diversas formas, destacando-se o aquecimento global e a maior freqüência ou intensidade de fenômenos climáticos extremos. A temperatura média do planeta vem se elevando desde a Revolução Industrial e a comunidade cientifica não tem mais dúvidas de que a ;ampliação do efeito estufa natural; é causada pelo aumento da concentração de alguns gases na atmosfera terrestre, principalmente o CO2 (dióxido de carbono), o CH4 (metano) e o N2O (óxido nitroso).

[SAIBAMAIS]Sabe-se já que as mudanças climáticas estão em curso e que suas causas são majoritariamente associadas às emissões de gases de efeito estufa promovidas pela humanidade. Isso quer dizer que existem causas naturais e antrópicas (causadas pela humanidade), sendo essas últimas majoritárias. Para entendermos os eventos extremos que tem ocorrido no Brasil de forma mais intensa nos últimos anos é preciso considerar tanto os fatores naturais como os antrópicos. Dentre as causas naturais destacam-se no Brasil os fenômenos climatológicos conhecidos com El Nino e La Nina, que são ocasionados por variações no regime de circulação de correntes marítimas no Oceano Pacífico, que afetam intensamente o clima no Brasil. Dentre as causas antrópicas, há o desmatamento da Amazônia e a queima de combustíveis fósseis.

O desafio de atribuir a responsabilidade pelos eventos climáticos recentes no Brasil a esse ou aquele fator (natural ou antrópico) é enorme, tamanha a complexidade envolvida nas relações entre os mais diversos elementos do sistema climático. Sabe-se, entretanto, que o efeito estufa incrementado pela humanidade está intensificando esses fenômenos naturais.

A grande questão para entendermos o papel das causas naturais na mudança do clima em contraposição às alterações promovidas pela humanidade está justamente na escala de tempo que consideramos em nossa análise. Se observarmos os registros de reconstrução das temperaturas na Terra desde uma perspectiva de longo prazo, isto é, em termos de centenas de milhares de anos, há evidências de que estamos vivendo um lento processo de resfriamento. Por outro lado, se observarmos os registros numa escala de tempo de décadas, há, da mesma forma, evidências de um rápido processo de aquecimento que simplesmente reverte a tendência natural do processo anterior.

Em 2007, o relatório do Painel Intergovernamental para Mudança Climática da ONU (IPCC, na sigla em inglês) já alertava que um aumento na "frequência de ;eventos de forte precipitação;" era "muito provável", ou seja, mais de 90% provável. O senhor acha que esses eventos que esses eventos serão mais contínuos, aumentarão? Em que escala e por que?

O Quarto Relatório do IPCC, de 2007, concluiu que as recentes mudanças climáticas já estão afetando os sistemas físicos (clima, recursos hídricos) e biológicos (ecossistemas, saúde humana, cidades, indústrias). Alguns sistemas humanos já têm sido afetados pela seca ou enchentes, como exemplo, a Amazônia e o Semi-árido com secas e o sudeste do Brasil, com enchentes. Os sistemas naturais são vulneráveis às mudanças climáticas, e alguns serão prejudicados irreversivelmente, onde os mais pobres terão menor capacidade de adaptar-se e são os mais vulneráveis à mudança do clima.

No Brasil, a mudança do clima e as vulnerabilidades existentes implicam num aumento na freqüência de secas e enchentes, impactando na agricultura e na biodiversidade; mudança no regime hidrológico e na estabilidade de encostas; e vulnerabilidade de zonas costeiras com a elevação do nível do mar, principalmente em grande regiões metropolitanas litorâneas, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

A mudança do clima já se faz sentir, no Brasil, com a ocorrência de eventos extremos como inundações, acompanhadas de deslizamentos de encostas, como ocorridos no final do ano de 2008, em Santa Catarina, que provocaram dezenas de vítimas fatais e o desalojamento de aproximadamente 42 mil pessoas, segundo dados da defesa civil.

No Brasil, as enchentes que atingiram mais de 200 municípios em sete estados do Nordeste, no primeiro semestre de 2009, causaram prejuízos de mais de 1 bilhão de reais, afetando 800 mil pessoas, segundo a Defesa Civil. Enchentes de grandes proporções ocorreram ainda no vale do Itajaí em Santa Catarina e no estado Amazonas, também em 2009, com severos impactos sobre a saúde das populações, prejuízos econômicos na área de infra-estrutura e um grande número de vitimas fatais. Em contraste, estiagens atípicas atingiram o sul do país nesse mesmo ano, comprometendo safras e a saúde financeira dos agricultores.

O que pode ser feito para que as cidades possam se adaptar à essas alterações do clima?

O semi-árido Nordestino, poderia, num clima mais quente no futuro, transformar-se em região árida. Isto pode afetar a agricultura de subsistência regional, a disponibilidade de água e a saúde da população, obrigando as populações a migrarem, e gerando ondas de "refugiados do clima" para as grandes cidades da região ou para outras regiões, aumentando os problemas sociais já presentes nas grandes cidades.
O Brasil é, sem dúvida, um dos países que podem ser duramente atingidos pelos efeitos adversos das mudanças climáticas futuras, já que tem uma economia fortemente dependente dos recursos naturais diretamente ligados ao clima na agricultura e na geração de energia hidroelétrica. Também a variabilidade climática afeta vastos setores das populações de menor renda, como os habitantes do semi-árido nordestino ou as populações vivendo em área de risco de deslizamentos de encostas e inundações nos grandes centros urbanos. A questão da mudança do clima deve considerar a vulnerabilidade a que os biomas globais estão expostos, face aos impactos decorrentes da mudança do clima, e a conseqüente necessidade de se definir estratégias de adaptação a esses impactos.

O que o senhor pode prever (se pode), em termos climáticos, para daqui há cinco anos para o Brasil?

Não as projeções de impactos climáticos não possuem esse grau de precisão no tempo. Elas são projetadas em termos de décadas até o final deste século.

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