Ciência e Saúde

No Dia Mundial da Doença de Alzheimer, pessoas que sofrem com o problema podem se permitir ter esperanças com uma pesquisa feita nos EUA

Profissionais de duas universidades identificaram três novos genes ligados ao mal. Descoberta é considerada a maior em 15 anos

postado em 21/09/2009 11:12

- Yone, cadê você, minha filha?
- Estou sentada aqui ao seu lado, mãe. A senhora não está me vendo?
- Ah, fala sério! Estou procurando a minha filha e não você.
- Sou a Yone, mãe. A senhora não me reconhece?

Yone Beraldo (d) com a mãe, Adelaide, e o marido, Paulo Roberto: doença atinge não apenas os pacientes, mas também os familiaresSão Paulo ; É com muita tristeza que a aposentada paulista Yone de Moura Beraldo, 67 anos, relembra os últimos diálogos que teve com a mãe, Adelaide Menezes de Moura, morta em 2007, aos 87 anos, vítima do mal de Alzheimer(1). Hoje, Yone é referência nacional para familiares que têm parentes com a doença e não sabem como lidar com a situação. ;É uma das coisas mais duras que enfrentei na vida. Ninguém está preparado para olhar uma pessoa que te ama, tentar conversar e ela sequer te reconhecer;, relata. Na segunda-feira, o mundo celebra o Dia Mundial da Doença de Alzheimer com um avanço que traz grandes esperanças para os pacientes acometidos pelo mal: no início do mês, duas equipes de cientistas, uma do Reino Unido e outra da França, conseguiram um grande avanço nas pesquisas que buscam a cura. Eles identificaram três novos genes relacionados à doença e que podem reduzir em até 20% seus índices de incidência. Segundo o pesquisador Julie Williams, que liderou os estudos no Reino Unido, a descoberta é o maior avanço conseguido em 15 anos de pesquisas com o objetivo de descobrir a cura da doença. O feito foi publicado na semana passada pela revista científica Nature Genetics.

De acordo com a publicação, os pesquisadores provaram que, se as atividades dos genes descobertos forem neutralizadas, pode-se prevenir, em uma área como a do Reino Unido, que possui uma população de 61 milhões de pessoas, cerca de 100 mil novos casos por ano da doença no estágio mais avançado. A identificação destes três genes é a primeira desde 1993, quando uma forma mutante de um gene foi responsabilizada por 25% dos casos diagnosticados da doença.

Ainda segundo os pesquisadores, a inflamação cerebral pode ter um papel muito mais importante no desenvolvimento do mal de Alzheimer do que se imaginava. ;Interagir com esses genes abre as portas para tratamentos novos e mais eficazes;, registra o texto. Atualmente, não há um tratamento eficaz para a doença, que é neurodegenerativa e se manifesta através de uma deterioração cognitiva e de transtorno de conduta, problemas causados pela morte dos neurônios e por atrofia cerebral.

De acordo com a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), pelo menos 1 milhão de brasileiros têm a doença, mas apenas 5% deles vão ao médico. No Brasil, ela é tratada desde 1998 com cinco substâncias, que são vendidas em farmácias comuns a preços que variam entre R$ 200 e R$ 300 cada uma. O governo também distribui todas as drogas para pacientes sem recursos. Hoje, Dia Mundial da Doença de Alzheimer (leia mais ao lado), pessoas de organizações não governamentais e do poder público tentarão, em vários estados da Federação, conscientizar a população sobre a doença.

O Alzheimer é uma doença tão devastadora que não se limita a matar aos poucos apenas o paciente. Familiares também costumam adoecer com depressão e outras doenças relacionadas a noites mal dormidas. Yone conta que seu pai, Norberto Martinez de Moura, morreu em 2005, aos 90 anos. Segundo ela, de tristeza. ;Ele teve depressão profunda, porque não suportou ver a mulher que ele tanto amou não sabendo mais quem era ele;, conta.

O neurologista Ivan Okamoto, diretor do Instituto da Memória da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), admite que a doença ainda é uma incógnita para a medicina, apesar de ela ter sido identificada em 1906. ;Ela não tem cura, mas é possível retardar o seu avanço, caso seja diagnosticada cedo;, diz o médico, que também é vice-coordenador do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da ABN.

O maior problema que ainda é enfrentado quando se fala em Alzheimer é justamente a falta de conhecimento que envolve médicos e familiares de pacientes. No caso da mãe de Yone, por exemplo, foram necessárias 10 consultas com os mais diferentes médicos, entre neurologistas e psiquiatras, para um profissional de saúde dizer que se tratava ;provavelmente; de Alzheimer. ;Não existe um exame que ateste com 100% de certeza que se trata da doença;, ressalta Vera Caovilla, uma das fundadoras da Associação Brasileira de Alzheimer. Ela conta que perdeu o pai em 1992 em decorrência do mal.

Sobrevida
Geralmente, o Alzheimer começa a se manifestar depois dos 60 anos, Como a mulher vive mais do que os homens no Brasil, elas acabam sendo as maiores vítimas. ;O maior problema é que os familiares se recusam a admitir que alguém tem a doença. Eu mesma custei a admitir que meu pai era portador;, admite Vera. Pelo o que se sabe até hoje, a doença não escolhe classe social, raça nem cor. Atacou gente famosa(2), o que acabou chamando atenção de pessoas comuns.

Yone lembra que a doença da mãe começou com uma piada dentro de casa contada pelo pai. Os dois sempre tiveram temperamentos opostos. Norberto era introvertido e caseiro. Adelaide era expansiva e adorava passear. Certo dia, ela foi à padaria e demorou a voltar para casa. Bem mais tarde, ela chegou em casa dizendo que havia se perdido no caminho de volta. ;A padaria era tão perto que era impossível alguém se perder. Ela simplesmente não sabia onde morava, apesar de ter passado pela frente do lar inúmeras vezes naquele dia;, conta Yone.

A doença avançou de tal maneira que foi preciso amar muito a paciente para aturá-la. Ela ia escondida à cozinha e acendia todas as bocas do fogão. Acordava no meio da madrugada e acendia todas as luzes da casa ; quando não abria a porta da rua de madrugada e voltava para deitar, pondo em risco toda a família. ;Se uma pessoa guardar a capa dos óculos em determinada gaveta e não se lembrar depois, é natural. Assim que ela achar a capa, ela vai se lembrar que pôs lá. No caso do doente, ele não se lembra nem depois que encontrar;, explica Yone, que estudou a fundo a doença para poder cuidar da mãe.

Emoção
As duas cenas mais tristes de que se lembra quando fala da mãe são a morte do pai e as tentativas de conversar com dona Adelaide. ;Lembro que meu pai simplesmente desistiu de viver ao perceber que a minha mãe não sabia mais quem era ele. Certo dia, ele sentou à mesa e não comeu nada. Começou a chorar. Passou no quarto onde ela estava deitada, se despediu e em seguida foi internado com depressão. Só deixou o hospital morto;, recorda-se emocionada.

Yone desafia os médicos quando eles dizem que o doente de Alzheimer perde completamente a memória na fase acentuada da doença. ;Minha mãe já não falava mais quando deixávamos sentada numa cadeira na sala. Uma vez, o meu pai chegou em casa e ela o reconheceu antes mesmo de vê-lo na sua frente. Eu vi os olhinhos dela brilhando e vagando de um lado para o outro, como se estivesse procurando por ele;, conta. Hoje, por incrível que pareça, Yone agradece a Deus tudo o que passou com a mãe. ;Sou uma outra pessoa. Poucas pessoas sabem como eu o quanto é importante valorizar um simples olhar e até mesmo um sorriso de cumprimento;, diz.


1 - Psiquiatra alemão
A doença foi descoberta pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer, de quem herdou o nome. Trata-se da forma mais comum de demência. Apesar de a maioria das vítimas ter mais de 60 anos, há registros de casos em pacientes com pouco mais de 40 anos.


2 - Ricos e poderosos
O homem que um dia foi o mais poderoso do mundo, Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1988, anunciou em uma carta aberta que tinha o mal em 1994. Morreu 10 anos depois. A atriz norte-americana Rita Hayworth tinha a doença desde a década de 1960, mas só foi diagnosticada em 1980. Morreu em 1987. O ex-jogador Didi, bicampeão mundial com a seleção brasileira nas Copas de 1958 e 1962, também morreu com Alzheimer, em 2001.


OS NÚMEROS

5 - Número de drogas usadas para retardar o avanço da doença, que ainda não tem cura

95% - É o percentual de pacientes que não tomam medicamentos adequadamente para conter o avanço da doença, segundo a Associação Brasileira de Neurologia

Perfil do paciente
A doença ataca pessoas acima de 60 anos, é mais recorrente em mulheres e não escolhe classe social

>>Principais sintomas
Perda progressiva da memória
Dificuldade para se expressar
Falta de noção de tempo e espaço
Falta de senso crítico
Depressão
Apatia
Ansiedade
Agitação
Agressividade comum no fim do dia
Insônia
Sensação de perseguição
Perda do controle das necessidades fisiológicas

>>Primeiros sinais de alerta
Quando o problema de memória chega a afetar as atividades e o trabalho
Dificuldade para realizar tarefas habituais
Falta de raciocínio
Falta de noção da hora e do dia da semana
Colocar coisas no lugar errado com frequência
Alterações frequentes do humor e de comportamento
Mudanças repentinas de personalidade
Falta de estímulo para fazer atividades que eram feitas antes

>>Os estágios da doença

Inicial
A pessoa consegue viver de forma relativamente independente, apesar de haver um pequeno prejuízo nas atividades profissionais. Nessa fase, a perda de memória é leve e a capacidade de raciocínio fica relativamente preservada

Intermediário
Nessa fase, a doença ainda é moderada, mas já há comprometimento na vida independente do paciente, o que demanda ajuda de familiares. A perda da memória é moderada e já há prejuízo no raciocínio. Nesse estágio, é comum o paciente não ter noção de tempo e enfrentar dificuldades para expressar uma ideia e contar uma história

Avançado
Fase mais crítica, na qual o paciente já não consegue mais ter vida independente e a supervisão dos familiares deve ser contínua. Não se consegue mais realizar tarefas cotidianas e nem mesmo tomar banho e alimentar-se sozinho. O paciente sequer consegue comunicar-se.
A partir daí, a doença progride continuamente

Fonte: Associação Brasileira de Alzheimer e Academia Brasileira de Neurologia

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