Ciência e Saúde

Brasil é pioneiro na América Latina em desenvolver células-tronco pluripotentes

Elas capazes de se adaptar a qualquer tipo de órgão ou tecido do corpo, sem a necessidade de usar embriões

postado em 15/10/2009 11:40
Euforia é a reação imediata ao anúncio de avanços nas pesquisas brasileiras sobre células-tronco. Os cientistas, porém, pedem calma: o desenvolvimento dos estudos pode levar décadas e é muito cedo para prometer curas de doenças. Eles investigam, por exemplo, a formação de tumores em pacientes depois de tratamentos com as células-tronco. Encontrar a solução para patologias neurológicas, como os males de Parkinson e Alzheimer, e reconstituir rapidamente tecidos lesionados são sonhos antigos, que ganharam força com a divulgação de laboratórios do país, no início do ano, de que eram capazes de produzir linhagens de células-tronco pluripotentes (iPS, em inglês). Idênticas às cobiçadas células-tronco embrionárias, elas são a aposta de pesquisadores do mundo inteiro para compreender doenças ainda misteriosas ; com a vantagem de não necessitar de embriões para sua obtenção.

Elas capazes de se adaptar a qualquer tipo de órgão ou tecido do corpo, sem a necessidade de usar embriõesEm vez disso, a capacidade de se transformar em qualquer tecido do organismo ; característica que dá o nome pluripotente à célula ; é recriada artificialmente em uma célula adulta, como a da pele, por meio da reprogramação de seu DNA. Até pouco tempo atrás, extrair células de embriões humanos era a única forma de obter as iPS, o que despertava uma série de restrições éticas aos estudos. O Brasil é o primeiro país da América Latina a viabilizar a reprogramação. Antes, só Japão, Estados Unidos, Alemanha e China dominavam a técnica.

A descoberta não diminui a importância das pesquisas com células embrionárias originais, mas reduz a necessidade de destruir embriões para gerar as pluripotentes, justamente o motivo alegado para tentar barrar os estudos: eticamente, seria incorreto fabricar ou clonar um embrião. Os pioneiros na técnica de reprogramação foram os japoneses. Em 2006, eles desenvolveram as células em camundongo e, em 2007, reproduziram o feito em células humanas.

No Brasil, a façanha foi realizada nos laboratórios do neurocientista Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do biomédico Martin Bonamino, da Divisão de Medicina Experimental do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O processo de reprogramação é realizado com a introdução de genes que despertam as células para a condição de pluripotência. ;É como se fosse um programa de computador que diz à célula o que fazer;, explica Bonamino.

Riscos
A inserção desses genes é o elemento fundamental da reprogramação, mas também o calcanhar de Aquiles da técnica. Por enquanto, a única maneira conhecida de modificar as iPS é inserir quatro genes no DNA das células adultas, os chamados Oct-4, Sox-2, Klf-4 e c-Myc. Os vírus, construídos em laboratório, conduzem os genes até o genoma nuclear da célula. Missão cumprida, os vírus, usados como vetores para transformar as células, morrem sem se reproduzir.

A dificuldade é que o local de inserção dos genes no genoma é aleatório, podendo interferir em funções vitais da célula. Se um dos genes agir no sistema de controle da divisão celular, há o risco de a célula se tornar cancerígena. ;Precisamos dominar o caminho desses genes para ter segurança em experiência com doentes;, diz Bonamino. A expectativa é de que as descobertas possibilitem a produção de tecidos de reposição geneticamente que seriam usados no tratamento de doenças, na recuperação de lesões ou em testes de medicamentos. ;Não haveria problema de rejeição, porque as células seriam do próprio paciente;, esclarece o biomédico do Inca.

O caminho de todos os grupos de pesquisa, inclusive os estrangeiros, é aprimorar a reprogramação, introduzindo os genes sem usar vetores. ;A tentativa hoje é descobrir como reativar o programa que já se encontra dentro das células. Isso evitaria a cópia de um novo ;programa; para dentro da célula, o que é perigoso. Sabemos o que o programa faz, mas não sabemos exatamente como e nem como controlá-lo completamente;, completa Bonamino. O biomédico alerta que as pesquisas ainda estão em curso, e que as pessoas não devem se arriscar em tratamentos prometidos por laboratórios.

Na Rússia, um menino israelense recebeu um tratamento à base de células-tronco fetais para uma rara doença genética e desenvolveu tumores, gerando desconfiança sobre os avanços das pesquisas. Em 2001, o garoto, que tem 17 anos hoje, recebeu o tratamento, em um hospital em Moscou, com a promessa de cura para uma doença genética que ataca a região do cérebro responsável pelo movimento e fala. Ele recebeu injeções de células-tronco fetais no cérebro.

Quatro anos depois, ele começou a se queixar de dores de cabeça e médicos israelenses encontraram dois tumores benignos nos mesmos lugares que receberam as injeções com células-tronco. Os médicos alegaram que o tumor, removido da espinha, continha células que não poderiam ter surgido dos tecidos do próprio paciente. ;Justamente por isso, precisamos de segurança para realizar testes em humanos. A ciência caminha em ritmo mais lento que a expectativa dos homens. É preciso ter paciência e aguardar o desenvolvimento dos estudos;, certifica Bonamino.

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