Uma pesquisa do Laboratório de Neuroanatomia Química do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) fez descobertas que ajudam a entender melhor um dos sentimentos mais primitivos do ser humano: o medo. O estudo, feito em camundongos, confirmou que existem mesmo dois tipos de medo e, ao contrário do que se imaginava, eles trilham caminhos diferentes no cérebro dos animais.
De acordo com os pesquisadores, as situações que causam medo podem ser inatas ou apreendidas ao longo do tempo. O primeiro tipo existe independentemente das experiências vividas. Assim, mesmo sem nunca ter entrado em contato com um predador, um animal nasce ;sabendo; que ele é perigoso. Ou, então, mesmo sem nunca termos despencado de uma grande altura, sentimos receio quando estamos em lugares muito altos.
Já o medo apreendido, ou adquirido, ocorre de outra forma. Ele só existe quando passamos por uma situação traumática. É o sentimento que se manifesta quando, após sermos assaltados, passamos a sentir receio de andar sozinhos, ou quando um animal se sente acuado na presença de seu dono, depois de ter sido vítima de violência por parte dele. Esse tipo de medo é variável de indivíduo para indivíduo e depende das experiências de vida.
Até agora, a ciência acreditava que esses dois tipos de medo percorriam caminhos iguais no cérebro. Entretanto, depois de estudar o cérebro e analisar o comportamento de ratos expostos a diversos tipos de situações, os pesquisadores concluíram que as áreas do cérebro ativadas pelas diferentes modalidades de medo são diferentes. Apesar de o hipotálamo ser ativado nos dois casos, os pesquisadores viram que há regiões específicas ativadas em diferentes situações.
Para isso, eles submeteram os animais a situações em que o medo inato ; no caso, a presença de gatos ; e o adquirido ; camundongos maiores e violentos ; se manifestariam. O temor aprendido é percebido numa área cerebral chamada amígdala, que envia o estímulo para o hipotálamo, mais especificamente para uma região conhecida como porção ventral do núcleo premamilar. Após lesionarem essa área e repetirem o experimento, a sensação de medo nos animais desapareceu, comprovando que a ativação da região é essencial para o sentimento (ver arte).
Quando expostas à situação de medo inato, as cobaias tiveram outra área do hipotálamo ativada: a região dorsal do núcleo premamilar. Da mesma forma, quando tiveram essa parte do cérebro desativada, os camundongos pararam de sentir medo. ;Diante de uma situação de perigo iminente, o animal normalmente se mantém imóvel para se proteger. Com a lesão cerebral, os ratos perderam o medo e exploraram normalmente o ambiente em que estavam inseridos, perdendo o componente que chamamos de defesa passiva;, explica o coordenador do projeto, Newton Canteras.
O próximo passo da pesquisa é estudar como a sensação age no cérebro de humanos. Atualmente, o grupo está estudando a matéria cinzenta periaquedutal, região que fica no mesencéfalo, entre os dois lados do cérebro, e o início da coluna vertebral.;Quando essa estrutura está muito mobilizada, a pessoa relata sensação de pânico, medo iminente;, conta o cientista.
Os pesquisadores do Laboratório de Neuroanatomia Química do ICB acreditam que os caminhos percorridos pelo medo no cérebro humano sejam diferentes dos descobertos nos camundongos, já que nosso cérebro é bem mais complexo. Entretanto, a descoberta pode, no futuro, ajudar no tratamento de síndromes relacionadas ao medo. ;Uma aplicação direta que esse tipo de estudo pode gerar, ainda que a longo prazo, é a compreensão das causas do estresse pós-traumático, por exemplo;, conta o coordenador da pesquisa.
Proteção
De acordo com a psicóloga Neuza Corassa, do Centro de Psicologia Especializado em Medos, em Curitiba, o medo, dentro de certos limites, é essencial para o sucesso das atividades que executamos no dia a dia. ;Ele funciona como uma espécie de alerta, que nos obriga a fazer as coisas com mais atenção. É o medo de bater o carro, por exemplo, que nos faz ter atenção no trânsito;, explica.
A sensação passa a ser prejudicial quando, ao invés de ajudar, ela nos imobiliza. ;Um bom exemplo é o medo de falar em público. Quando ele nos paralisa ao ponto de não conseguirmos agir, é preciso atenção, pois pode se tratar de uma fobia;, explica.
Quando o medo se torna desmedido, é hora de procurar ajuda. ;Muitas vezes, o próprio paciente pode se conscientizar do problema e controlá-lo;, conta Neuza. Entretanto, se isso não for possível, é preciso procurar ajuda psicológica.
Metabolismo regulado
O hipotálamo é uma região do cérebro dos mamíferos, do tamanho aproximado de uma amêndoa, localizado sob o tálamo, na região central do cérebro. Sua função é regular o metabolismo e as atividades involuntárias do organismo, como a respiração, a circulação do sangue, o controle de temperatura e a digestão.
; Confira dicas da psicóloga da Neuza Corassa, do Centro de Psicologia Especializado em Medos, sobre como agir quando o medo se torna algo prejudicial e negativo
Respeite o medo
Não tente ignorar a sensação, isso pode ajudá-la a crescer. É importante ter consciência do que se está sentindo para tentar superar.
Nunca use ;terapias de choque;
Provocar situações como jogar alguém quem tem medo de água em uma piscina, ou obrigar alguém que tem medo de altura a subir em um lugar alto pode causar traumas ainda maiores. É importante respeitar os limites de cada um, ainda mais se tratando de uma patologia.
Procure as causas do medo
Muitas vezes o medo pode ser um sintoma de algum problema pior. Descobrir a raiz do trauma pode ser a chave para resolvê-lo.
Tente resolver
Quando perceber que o medo está passando dos limites tente controlá-lo. Se policiar para que ele não te impeça de desenvolver nenhuma atividade do seu cotidiano é uma boa saída.
Procure ajuda
Caso não consiga resolver sozinho procure ajuda psicológica e médica. Um especialista pode indicar o melhor tratamento, que pode incluir medicamentos e psicoterapia, para controlar os sintomas do medo desmedido.