postado em 10/11/2009 08:00
Ser destro ou canhoto pode ser apenas uma questão de prática, não sendo a genética tão determinante assim na definição de qual mão utilizamos para escrever ou que pé usamos para chutar uma bola, por exemplo. A afirmação pode parecer estranha, mas é o que sugerem trabalhos realizados pelo Laboratório de Sistemas Motores Humanos da Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (EEFE/USP), que deram origem à pesquisa Lateralidade e comportamento motor. Os resultados do estudo demonstram que essa preferência é provocada pelo processo do desenvolvimento motor. ;Nossa suposição é que as experiências motoras com cada uma das mãos têm importância muito maior no desenvolvimento da lateralidade do que se imagina;, alega Luis Augusto Teixeira, coordenador da pesquisa.De forma geral, acredita-se que a lateralidade de uma pessoa seja provocada pelos genes. Por esse ponto de vista, um dos hemisférios cerebrais seria mais apto a controlar os movimentos voluntários e, em função dessa predisposição inata, a pessoa se tornaria destra ou canhota. No entanto, Teixeira observou que tanto a preferência pelo uso de uma das mãos quanto o desempenho motor relativo entre as mãos direita e esquerda podem ser facilmente modificados por experiências práticas. Isso tem implicações diretas na formação da lateralidade nos primeiros anos de vida, quando se estabelece a preferência. ;O simples fato de a mãe colocar uma colher ou brinquedo sempre em uma das mãos de seu bebê poderia influir na formação de sua lateralidade;, pontua.
Os estudos têm mostrado que, para a grande maioria das ações motoras, a capacidade de aprendizagem é equivalente entre os lados direito e esquerdo do corpo. Por isso, uma vez que alguém se empenhe em praticar alguma atividade usando o lado não dominante pode, após algum tempo, desempenhar as ações praticadas alcançando a mesma eficiência com ambas as mãos.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores pediram a voluntários que fizessem exercícios que consistiam em realizar uma sequência de toques entre os dedos. Um grupo de pessoas fez o exercício com a mão preferida e o outro, com a mão não preferida. ;Aqueles que começavam com a mão não dominante achavam que não conseguiriam realizar as tarefas;, conta Teixeira. Porém, a taxa de sucesso entre os dois grupos foi similar. A medição feita no final dos testes mostrou que o desempenho de ambos os grupos dependia muito mais da mão com que praticaram o exercício do que do fato de terem usado a mão preferida ou não.
Outro fator observado foi que uma certa prática leva aos mesmos resultados com os lados dominante e não dominante. Isso significa que, se uma ação é praticada com a mão não preferida, depois de pouco tempo o desempenho se torna melhor com esta mão do que com a mão dominante. ;Assim, fica evidente que a plasticidade neural é capaz de, rapidamente, levar a uma vantagem de desempenho com a mão usada durante a prática;, analisa Teixeira. Não existe uma forma especial de prática com o lado não preferido em comparação ao praticado com o lado preferido. É preciso haver uma quantidade mínima de repetições com o propósito de melhorar o desempenho.
Circuitos
No domínio motor, porém, são poucas as ações em que há uma vantagem consistente de desempenho com um dos lados do corpo desde fases iniciais do desenvolvimento. Algo que os cientistas já sabem é que experiências com uma das mãos levam a modificações nos circuitos cerebrais. ;Uma parte importante dessas modificações é específica ao hemisfério cerebral contralateral à mão utilizada. Assim, a especialização hemisférica é algo dinâmico, que se altera com as experiências do dia a dia;, explica o coordenador da pesquisa.
É aí que Teixeira sugere que a escolha do lado dominante do corpo pode ser feita por conta de acontecimentos na vida do indivíduo, ou mesmo por influência dos pais. ;A criança se espelha nos pais. Se eles são destros oferecem tudo ao bebê com a mão direita. Com isso, a criança acaba tendendo a ser destra também.; Segundo o coordenador, a preferência manual é bastante variável até os 2 anos de idade, sendo bastante suscetível de ser afetada por fatores ambientais.
Então, como explicar os ambidestros? Alex Ribeiro Garcia, 29 anos, jogador do Universo e da Seleção Brasileira de Basquete, é um desses casos raros. Ele chuta com o pé esquerdo e arremessa com a mão esquerda, mas controla melhor a bola com a direita, a preferida também na hora de escrever. ;Minha precisão é com a esquerda, mas sou mais confiante com meu lado direito;, diz o jogador, que se considera canhoto.
Para a ciência, no entanto, ele tem o que se chama lateralidade cruzada. ;Por algum motivo, ele desenvolveu essa preferência cruzada. O que demonstra que elementos como prática ou algum acontecimento durante a vida tenha definido a ambidestralidade, mesmo que cruzada;, explica Luis Augusto Teixeira. Alex puxa pela memória, mas não sabe dizer o que pode ter definido suas escolhas. ;Sou assim desde criança. Mas confesso que o esporte me ajudou a desenvolver essas habilidades que chamam de cruzadas.; Os estudos podem servir de estímulo para atletas treinarem os dois lados do corpo, buscando melhorar sua performance. ;O difícil é convencer a pessoa a se empenhar e fazer com que os lados fiquem equiparados;, comenta Teixeira.
Domínio do cérebro
A lateralidade é a capacidade de controlar os dois lados do corpo juntos ou separadamente. Quem comanda essa atividade é o cérebro. Cada um de seus dois lados controla os movimentos da parte oposta do corpo. Assim, a mão e o pé esquerdos, por exemplo, são acionados pelo hemisfério cerebral direito, e vice-versa
A prática
O estudo traz resultados de vários trabalhos e elabora a tese de que a preferência pelo lado direito ou esquerdo não seria um fator genético pré-determinado, mas algo esculpido pelo processo de desenvolvimento motor. Portanto, os dois lados do corpo têm o mesmo potencial nesse desenvolvimento.
Os testes
Uma sequência de toque entre os dedos (movimento de pinça) foi proposta a voluntários. Um grupo fez o exercício com a mão preferida e um outro com a mão não preferida
Resultados
A taxa de sucesso nos dois grupos foi similar. A medição sugeriu que o desempenho dos grupos dependia muito mais da mão com que praticaram o exercício do que do fato de terem usado a mão preferida ou não. A prática foi determinante
Surpresa
Os voluntários que utilizaram a mão não preferida afirmaram que se sentiram mais confiantes fazendo o exercício com aquela mão depois de tentarem com a mão preferida
Fonte: Luis Augusto Teixeira, coordenador do Laboratório de Sistemas Motores Humanos da Escola de Educação Física e Esportes da USP