postado em 12/11/2009 08:00
O fundo do mar desperta a atenção da ciência por ser um dos ambientes do planeta menos conhecidos pelo homem e, por isso, guardar muitas surpresas. Prova disso é uma descoberta feita recentemente por uma equipe do Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas (Projeto Tamar)(1) durante uma expedição pelo litoral baiano. Os pesquisadores se depararam com duas espécies de peixe até então desconhecidas. Tudo indica que uma delas seja integrante da família Jellynose, conhecida no Brasil como cabeça de geleia, apesar de a tradução literal para a expressão ser nariz de geleia. A outra se assemelha bastante a uma moreia. Os animais foram capturados durante os testes feitos com anzóis circulares, material considerado ambientalmente correto por evitar a morte de tartarugas marinhas e outras espécies que precisam ser preservadas.As descobertas ocorreram entre setembro e outubro deste ano, na Praia do Forte. Os dois exemplares são mantidos em formol para estudo. A aparência do primeiro peixe encontrado, o cabeça de geleia, é bastante peculiar. Ele não apresenta escamas e tem aspecto gelatinoso, fator que logo chama a atenção. De acordo com o oceanógrafo Guy Marcovaldi, do Tamar, o animal tem o esqueleto largamente cartilaginoso, focinho bulboso e quase 2m de comprimento. ;Ele foi capturado a aproximadamente 10km da costa, numa profundidade de mil metros. Uma semana depois, encontramos um filhote da mesma espécie;, diz.
Uma ;mistura; de moreia com enguia também despertou a atenção dos pesquisadores um mês depois do aparecimento do cabeça de geleia. Conforme Marcovaldi, a criatura marinha mede cerca de 1,2m e pesa 3,5 kg. ;Ela apresenta uma coloração negra. Porém, ainda sabemos pouco sobre essa espécie;, salienta. Desde 2001, quando o projeto deu início aos testes com os anzóis circulares, foram registradas 10 novas espécies, bem como novas famílias e gêneros de peixes brasileiros.
Para serem reconhecidos como espécies ainda desconhecidas, os animais precisam receber um tipo de certidão de nascimento. ;São necessárias a análise de especialistas e a publicação da pesquisa em alguma revista científica de alcance internacional;, afirma Marcovaldi. O processo está sendo providenciado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). ;Às vezes, algumas espécies são confundidas com outras. Por isso, a necessidade de estudos sistemáticos;, explica o oceanógrafo e professor da UFBA Cláudio Sampaio.
Para ele, os animais encontrados são verdadeiras preciosidades. ;O cabeça de geleia tem uma pele delicada e faz parte de uma família bastante curiosa. O esqueleto dele é cartilaginoso, acredito que seja uma estratégia para habitar águas mais profundas;, teoriza. O animal, segundo ele, também é predador de pequenos peixes e estrelas-do-mar, ajudando a controlar a população desses organismos. Em função dos recentes achados, o Tamar criou um espaço para exibir animais que vivem em áreas mais profundas, batizado de Vidas da Luz da Lua. A atração fica no Centro de Visitantes da Praia do Forte.
Proteção
O objetivo principal da expedição não era a descoberta de espécies, mas a realização de testes com o anzol circular(2). A ideia é comprovar a eficácia do instrumento e convencer os pesquisadores a utilizá-lo. Os convencionais, que têm o formato da letra ;J;, são, em grande parte das vezes, letais às tartarugas marinhas, que devem ser devolvidas ao mar quando pescadas acidentalmente na região. ;Os peixes que chamamos de furtivos mordem a isca e, em seguida, dão uma volta de 180 graus para fugir, sendo fisgados logo pela boca. Já as tartarugas não, elas simplesmente não reagem. Dessa forma, o estômago pode ser atingido e perfurado. A tartaruga acaba morrendo;, explica Marcovaldi. Segundo o pesquisador, o anzol circular cumpre o mesmo papel do convencional, sem machucar as tartarugas e outros animais ameaçados.
Para chegar às áreas de testes e onde as novas espécies marinhas foram encontradas, a cerca de 10km da costa, os pesquisadores utilizam uma pequena lancha com capacidade para quatro pessoas. ;A proximidade da sede do Tamar nos beneficia bastante. Não necessitamos de grandes estruturas, como navios oceanográficos e equipamentos de última geração à bordo da embarcação;, explica o oceanógrafo. As expedições em alto-mar também não costumam ser demoradas. Em geral, os cientistas saem da sede do Tamar na hora do almoço e, no fim da tarde, já estão de volta.
Segundo o professor Sampaio, a descoberta das duas espécies mostra o quanto ainda há para ser investigado no fundo do mar e reforça a necessidade de uso dos anzóis circulares. ;O material consegue reduzir a captura da fauna acompanhante em mais de 90%, dependendo do tipo da pescaria. Todos saem ganhando, pois a pesca se torna produtiva e o restante dos animais não é prejudicado;, destaca.
1- Origem do nome
O nome Tamar foi criado a partir da contração de tartaruga marinha para designar o projeto de estudo, preservação e monitoramento da espécie. A abreviação se mostrou necessária ainda no início dos anos 1980, para a confecção das pequenas placas de metal utilizadas na identificação dos animais. Projeto Tamar é a forma mais comum de se referir ao programa.
2- Duas versões
Existem duas versões sobre a origem do anzol circular. A primeira delas afirma que a criação é dos norte-americanos, que teriam sido obrigados a inventar uma forma de reduzir a captura de tartarugas no Havaí. Porém, os japoneses também dizem ser os responsáveis pelo invento. Segundo eles, era necessária a criação de um instrumento de pesca que não fisgasse o estômago ou esôfago do atum, a fim de não estragar a carne do pescado.