Ciência e Saúde

Pesquisadores da UFMG desenvolvem terapia que até impede os sintomas da dengue

postado em 13/11/2009 08:15
Vistorias: ação da Vigilância Sanitária tenta impedir disseminação do vírusUma pesquisa desenvolvida por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) propõe uma estratégia terapêutica contra a dengue que, além de tratar a doença, não deixa que ela evolua para um quadro clínico mais grave. A comprovação foi feita em ensaios pré-clínicos iniciados há dois anos em camundongos. Com o novo tratamento, 70% das cobaias infectadas pelo vírus tipo 2, o mesmo da recente epidemia no Rio de Janeiro, não desenvolveram a doença. O restante contraiu a modalidade branda da dengue e, quando houve morte, ela foi tardia.

A terapia desenvolvida não impede que haja a infecção pelo vírus; ela apenas atua como antidoença, revertendo os sintomas e evitando a evolução do quadro clínico típico. ;O que propomos é o bloqueio da ação da molécula produzida pelo sistema imune, cujo papel consiste em recrutar leucócitos durante processos inflamatórios;, informa Mauro Martins Teixeira, coordenador dos estudos. Apesar de existirem diversos estudos sobre a dengue, o trabalho é pioneiro no Brasil e considerado por especialistas a mais eficaz proposta já surgida no meio científico para combater a doença, já que ela não tem um tratamento específico. ;Essa é uma pesquisa de grande importância para a comunidade científica, uma vez que fornece dados consistentes para que se aprofunde o conhecimento sobre os mecanismos de doença disparados na infecção pelo vírus da dengue;, afirmou o chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Hugo Caire.

Apesar de trazer dados específicos sobre testes pré-clínicos, o trabalho mostra fortes evidências da aplicabilidade da terapia em curto prazo para humanos. Um dos aspectos é o fato de que existe um fármaco desenvolvido para a asma já testado clinicamente, o que adianta muito o estudo e, consequentemente, sua aplicação em humanos. Esse medicamento foi formulado nos anos 1980 e não apresentou eficácia contra a asma, ;porém ele precisa ser novamente testado para o contexto da dengue, e isso levará pelo menos dois anos para ocorrer, pois temos que executá-lo dentro das normas de biossegurança;, pondera Teixeira.

De acordo com o pesquisador, esse fármaco, administrado por via oral, é capaz de inibir a ação do receptor do Fator Ativador de Plaqueta (PAF, sigla em inglês). Em decorrência de lesões sofridas pelo organismo, como aquelas causadas pelo vírus da dengue, o PAF é rapidamente produzido pelo sistema imune. Sua tarefa é atuar como mediador químico responsável pelo recrutamento de leucócitos nas respostas inflamatórias de defesa do corpo. O estudo sugere que uma resposta inflamatória exacerbada parece explicar a gravidade da dengue em camundongos (leia arte). Extrapolando também para seres humanos, parece que a resposta inflamatória que se segue à infecção é importante para a existência de vários sintomas e a morte causada pela dengue grave. ;Por inferência, é possível que possa se tratar a dengue grave ao se impedir o desenvolvimento dessa resposta inflamatória grave. O PAFr (sigla do receptor) pode ser um dos alvos (pelo menos, experimentalmente), o que precisa ser confirmado em seres humanos;, explica Teixeira.

O pesquisador compara a ação desse medicamento na molécula (PAF) da seguinte forma: ;Imagine colocar um chiclete na entrada da fechadura; a chave, que é o PAF, não entra. E, se ela não entra, o receptor (PAFr), representado pela fechadura, não é ativado. Assim, nenhum sinal é enviado para dentro da célula;. No caso da dengue, as manifestações clínicas da infecção não se desenvolvem.

O PAF possui um efeito potente nas plaquetas, células sanguíneas importantes no controle do sangramento, que são grandemente afetadas nos quadros de dengue (principalmente a dengue grave), fazendo dessa molécula um alvo especialmente relevante no caso deste agravo. ;Isso por si só aumenta as chances da estratégia proposta no estudo em questão funcionar como sugerido;, sentencia Hugo Caire.

O próximo passo dos cientistas é fazer a síntese de um antagonista do PAFr em condições especiais para uso em seres humanos. ;Estamos aguardando a aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde do ensaio clínico, para avaliar a segurança de seu uso em seres humanos e realizar estudos iniciais de eficácia;, diz Teixeira.



Duas perguntas para Hugo Caire, Chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)


O senhor acredita que o bloqueio dessa molécula produzida pelo sistema imune pode se tornar uma estratégia terapêutica contra a dengue, como afirmam os cientistas que realizaram o estudo?
O Fator de Ativação Plaquetária (PAF) é uma molécula conhecida desde o final dos anos 1970, e seus potentes efeitos pró-inflamatórios estão bem documentados na literatura especializada. Essa molécula é considerada um mediador importante em doenças como a asma e a sepse (infecção), mas até o presente momento estratégias de bloqueio do PAF, apesar de terem sido eficazes em laboratório, não apresentaram resultados positivos em diversos estudos clínicos realizados. As razões para essas falhas não são totalmente conhecidas e são, provavelmente, multifatoriais. Talvez a dengue seja uma doença na qual a maior homogeneidade do quadro fisiopatológico ofereça a condição ideal para a identificação dos efeitos benéficos dos antagonistas de PAF no tratamento da doença em humanos. Para finalizar, os bloqueadores de PAF já foram testados em humanos, e apresentaram baixa toxicidade e poucos efeitos colaterais, o que facilita o caminho para a utilização desses fármacos no tratamento da dengue um humanos.

O senhor acha que inibir a ação dessa molécula (PAF) pode ser a proposta mais eficaz no tratamento da doença?
Em teoria, a melhor estratégia seria aquela que levaria a eliminação rápida e eficiente do agente causal (no caso, o vírus da dengue). Entretanto, tal fármaco ainda não está disponível. No momento, acredito que a proposta dos pesquisadores é uma das melhores em estudo, e tem boas chances de levar ao desenvolvimento de uma estratégia eficaz para melhorar os sintomas e as complicações da dengue.

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