Ciência e Saúde

Surge o "G-2 do clima"

Apoio dos EUA à proposta de adiar acordo sobre aquecimento global e mudança de discurso por parte do governo chinês fazem crescer temor de fracasso na COP-15 e evidencia a importância dos dois países no debate sobre o documento que substituirá o Protocolo de Kyoto

Paloma Oliveto
postado em 17/11/2009 07:00
Pegaram mal para os Estados Unidos e para a China as manifestações de simpatia à proposta feita pelo primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, de deixar para 2010 a assinatura de um acordo legal para substituir a primeira fase do Protocolo de Kyoto, cujo prazo expira em 2012.

Nesta segunda (16/11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a cobrar que os norte-americanos apresentem propostas na 15; Conferência das Partes (COP-15), marcada para daqui a 19 dias na capital dinamarquesa, e afirmou que o destino do planeta não pode ficar nas mãos de apenas dois países. ;Eu espero que em Copenhague eles consigam avançar para, no mínimo, assumir alguns princípios básicos para que a gente consiga diminuir os gases de efeito estufa;, afirmou em seu programa de rádio semanal Café com o presidente.

Para a organização não governamental Greenpeace, os EUA assumiram a figura de ;vilão do clima;, pois o adiamento se deve ao fato de o Congresso não ter votado ; nem mostrado intenção de fazê-lo ; o pacote de medidas de redução das emissões de carbono na atmosfera. Já o governo chinês surpreendeu ontem ao dizer que está analisando o adiamento, pois o discurso anterior era de que se chegasse a um tratado legal já na Dinamarca.

As posições norte-americana e chinesa vão na contramão dos demais países que, na última reunião preparatória para a COP-15, no início deste mês, em Barcelona, colocaram metas mensuráveis e objetivos concretos nas mesas de negociação. Na Dinamarca, o governo e a representação das Nações Unidas no país não chegaram a uma conclusão sobre a data final para se bater o martelo sobre as negociações climáticas. Enquanto o primeiro-ministro disse que isso pode ocorrer até o fim do ano que vem, a ONU defende que o prazo seja estendido para, no máximo, mais seis meses.

Um semestre é o que admite o secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, Yvo de Boer. Na reunião realizada na Espanha, ele cansou de avisar que o tempo estava passando e que era necessário assumir compromissos ousados ainda na capital catalunha, para se chegar a um acordo legal em Copenhague. Ontem, disse à agência de notícias Reuters que seis meses é o único atraso possível. ;Se você tiver metas claras de redução de emissões, engajamento dos países em desenvolvimento e financiamento em Copenhague, o que tenho confiança que irá ocorrer, então você pode fechar o tratado daqui a um semestre;, afirmou De Boer.

Já a ministra de Clima e Energia dinamarquesa, Connie Hedegaard, admitiu que será necessário mais tempo. ;Talvez um deadline realístico seja o México (país onde ocorrerá, em dezembro de 2010, uma reunião sobre o clima), mas isso depende de como as partes se comportarão quanto aos assuntos fundamentais;, declarou à imprensa. De acordo com ela, o governo da Dinamarca espera que as duas semanas de encontro em Copenhague permitam ao menos a assinatura de um ;acordo político;, de cinco a oito páginas.

Barcelona
As discussões sobre acordo político ou legal começaram em Barcelona. Apesar de dizer que desconhecia os termos, Yvo de Boer sabia bem o que era colocado em jogo. Quem primeiro tocou no assunto foi Jonathan Pershing, chefe da delegação norte-americana. Ele afirmou que havia grande interesse dos Estados Unidos em assinar um tratado político. Já os representantes do G-77 mais a China, grupo que inclui o Brasil, insistiram na necessidade de fechar em Copenhague um acordo com bases legais vinculantes pois, atualmente, o único instrumento com força de lei existente é o Protocolo de Kyoto. Assinar apenas um acordo político significa colocar no papel um pacote de boas intenções que não necessariamente precisam ser cumpridas.

;Isso mostra que eles não entenderam o problema que têm nas mãos e não estão comprometidos. Estão gastando um tempo precioso e, em vez de trabalhar para aumentar as expectativas sobre Copenhague, estão fazendo o contrário;, avalia João Talocchi, coordenador de campanha de clima do Greenpeace, sobre os norte-americanos. ;Os Estados Unidos se mostraram o vilão do clima;, diz.

;Mais uma vez o mundo fica dependendo do Congresso norte-americano, que vem discutindo o tema de forma muito lenta. E o presidente Barack Obama não poderá prometer em Copenhague algo que não depende só do Executivo;, diz Milton Nogueira, consultor internacional e secretário-executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas. De acordo com a legislação dos Estados Unidos, o presidente não pode assinar um tratado internacional sem a chancela do Congresso. E o pacote de medidas sobre redução de carbono dificilmente será votado antes das férias parlamentares.

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"Se você tiver metas claras de redução de emissões, engajamento dos países em desenvolvimento e financiamento, então você pode fechar o tratado daqui a um semestre"
Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas




Nova postura preocupa
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a posição da China em aceitar o adiamento do acordo com força legal é preocupante. ;A China tomou conhecimento do interesse de muitos países em estabelecer um acordo político e agora está analisando a questão;, disse à agência Reuters um representante do governo chinês. ;Nosso país acredita que não importa o tipo de documento que se acordará em Copenhague. Apenas esperamos que sejam consolidados e expandidos o consenso e o progresso já conquistado em discussões sobre adaptação, financiamento, transferência de tecnologia e outros aspectos relacionados à questão climática;, completou.

O problema é que a postura da China não era essa em Barcelona. ;O discurso da China ficou dúbio;, acredita o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, Carlos Rittl, para quem o anúncio feito pelo primeiro-ministro da Dinamarca ;jogou um balde de água fria nas pessoas que acreditam ser possível chegar a um acordo justo, com força de lei, em Copenhague;. Para João Talocchi, do Greenpeace, o risco é que, ao se aproximar dos Estados Unidos, de onde poderá obter transferência de tecnologia para uma economia de baixo carbono, a China acabe ajudando na formação de um ;G-2;, quando, em questões climáticas, não há espaço para acordos bilaterais. ;Caso eles (EUA e China) queiram negociar somente entre eles, vão deixar o resto do mundo de fora e isso não pode acontecer, já que as mudanças climáticas afetam todos os países;, argumenta. Carlos Rittl tem esperança que, pressionada, a China volte a defender os interesses do G-77, de fechar um acordo legal na Dinamarca.

Ainda assim, as organizações não governamentais acreditam que Copenhague não está fadada ao fracasso. ;Acreditamos que todos os países que têm interessem vão fazer pressão para que a discussão seja séria, no sentido de estabelecer bases mínimas, como metas de redução e o fundo de financiamento para os países em desenvolvimento;, diz Rittl. ;Não é porque os Estados Unidos e o primeiro-ministro da Dinamarca querem adiar que isso se torna verdade absoluta. Muitos países estão dispostos a chegar a um acordo ambicioso, político e legal, como o Brasil, o grupo do G-77 e os africanos;, diz Talocchi.

Para Milton Nogueira, as expectativas em torno de Copenhague continuam as mesmas. ;Há um consenso de que os países terão obrigações;, diz. ;Pode haver um atraso no anúncio (das metas de redução), mas não nas medidas, que já começam agora;, afirma. Na avaliação do ex-funcionário das Nações Unidas, se ficar acordado um percentual, os países terão de correr atrás porque o tratado terá força legal. Caso a cúpula fixe 40% da redução das emissões até 2020, por exemplo, os Estados Unidos terão de chegar a esse patamar e, se deixarem para fazer isso somente no início de 2011, perderão um tempo precioso.

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