Ciência e Saúde

Tratamento inusitado

Pesquisa brasileira feita com ratos mostra que as larvas de mosca varejeira podem ser usadas com sucesso na cicatrização de ferimentos graves. Intenção da coordenadora do estudo é começar a testar a técnica em humanos no próximo ano

postado em 18/11/2009 07:00
Pesquisa brasileira feita com ratos mostra que as larvas de mosca varejeira podem ser usadas com sucesso na cicatrização de ferimentos graves. Intenção da coordenadora do estudo é começar a testar a técnica em humanos no próximo anoO uso de larvas de moscas varejeiras no tratamento de ferimentos necrosados pode se tornar, no futuro, uma prática médica comum no Brasil. É esse, pelo menos, o caminho apontado por uma pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

A técnica, testada recentemente em ratos, poderá ser aplicada em humanos dentro de um ano. O objetivo é amenizar o sofrimento de pacientes que apresentam feridas graves, em que parte do tecido morre, o que é comum em pacientes com o diabetes fora de controle.

O procedimento mostra-se promissor. De acordo com o estudo, as larvas se alimentam do tecido em fase de decomposição sem atacar a parte saudável. Nos testes de laboratório com as cobaias, o uso das larvas diminuiu o tempo médio de cicatrização de 35 para 10 dias. Também estudada em outros países, como os Estados Unidos, a terapia larval ainda é inédita no Brasil, ao contrário da entomologia forense ; ciência que busca explicar a causa da morte a partir da análise da fauna cadavérica (que inclui as larvas de moscas).

De acordo com a autora da pesquisa da Unesp, a enfermeira Maria José Trevizani, antes que as larvas entrem em contato com a pele das cobaias, é necessário tomar uma série de cuidados. Uma das medidas tomadas é a esterilização dos ovos, para que nenhuma contaminação externa entre em contato com as feridas (veja arte). Para isso, são usados produtos como o hipoclorito de sódio e equipamentos como a capela de fluxo laminar ; equipamento que cria ambientes limpos em pequenas áreas de trabalho.

As espécies de moscas escolhidas para a pesquisa foram a Chrysomya megacephala (Fabricius) e a Chrysomya putoria (Wiedemann), facilmente encontradas na região de Botucatu (SP). Os ratos que receberam o tratamento apresentaram uma melhora visível do estado de saúde. ;Já aqueles que não foram tratados continuaram bastante debilitados. Além disso, tiveram perda de peso e piora das condições das feridas;, destaca Maria José.

Segundo a enfermeira, o processo ocorrido no organismo dos animais que se submeteram ao tratamento é uma reorganização celular. ;O organismo dos ratos conseguiu responder satisfatoriamente, ocorrendo a evolução, a cicatrização e o fechamento (do ferimento) como esperado;, descreve a pesquisadora.

Durante sua tese de doutorado, Maria José contou com o trabalho do Laboratório de Pesquisa Experimental da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, para testar a técnica nas cobaias. Já a criação das moscas e larvas em ambiente, temperatura, umidade e claridade controlados ficou sob a responsabilidade do Laboratório de Ecologia Populacional, localizado na mesma cidade.

Custos
O fato de utilizar soluções de custo baixo para a esterilização das moscas acaba tornando a técnica mais acessível do que as convencionais, que chegam a envolver cirurgias nos casos mais graves. No momento, segundo a pesquisadora, o trabalho proposto aguarda autorização para testes em humanos. ;Para isso, é necessária a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e do Conselho Nacional de Saúde (Conep);, informa a cientista.

De acordo com o professor titular José Roberto Pujol, responsável pelo Núcleo de Entomologia Urbana e Forense da Universidade de Brasília (UnB), as espécies escolhidas pela pesquisa são nativas da África. ;Elas invadiram o meio urbano e acabaram expulsando as moscas nativas para o interior;, explica. Ele acredita que a terapia larval tenha surgido em meados de 1861, na época da Guerra Civil dos Estados Unidos. ;Relatos da história mostram que os amputados com bicheiras viviam mais tempo por conta das larvas que se alimentavam dos tecidos necrosados;, explica.

O biólogo diz que a Colômbia é o país da América do Sul que mais se destaca em pesquisas voltadas para a terapia larval. ;Acompanhei de perto o trabalho feito na Colômbia. Laboratórios ingleses também prepararam larvas para esse fim. No exterior, a técnica já é testada em humanos há algum tempo e bastante usada no tratamento de queimaduras;, conta. Pujol também reforça a questão da esterilização adequada antes do uso das larvas. ;Além disso, elas precisam ser bem alimentadas. Ao meu ver, a segunda geração de cepas já pode ser trabalhada com segurança;, opina.

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