Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

O valor do trabalho para as mulheres

Pesquisa da USP indica que elas colocam cada vez mais o sucesso profissional como uma das prioridades em suas vidas


Que as mulheres estão conquistando mais espaço em todas as áreas do mercado de trabalho ninguém duvida. Porém, o que uma recente pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) trouxe de novidade é que o trabalho vem ganhando uma importância cada vez maior na vida das mulheres, ao mesmo tempo em que algumas realizações mais tradicionais, como o casamento, estão sendo menos valorizadas.

De acordo com Sérgio Kubo, mestre em administração e autor do estudo(1), no passado, pesquisas desse tipo apontavam que, mesmo as mulheres que trabalhavam fora davam mais importância à família do que à carreira e consideravam o trabalho uma questão secundária. Essa tendência, ele diz, está em processo de inversão. ;Esse foi o resultado mais expressivo do estudo. Verificamos um comportamento que pesquisas feitas há 30 anos não apontavam;, explica.

Apesar de não poder determinar com números exatos, a pesquisa, desenvolvida no âmbito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), mostrou que, de maneira geral, cresceu entre o sexo feminino a importância dada ao trabalho, enquanto para os homens essa questão permaneceu pouco alterada. Para Kubo, que entrevistou 173 homens e 131 mulheres, a análise pode ajudar os empregadores a entender melhor as prioridades de seus funcionários. ;O gestor, baseado nessas informações, pode criar sistemas de incentivo e de motivação voltados para os itens mais valorizados para que os empregados trabalhem mais satisfeitos;, conta.

Transformações
A tendência apontada pela pesquisa vem ganhando força com a valorização da mulher no mercado e a diminuição de pressões sociais muito comuns no passado, como a questão do casamento ser tida como fundamental para as mulheres e a possibilidade de se engravidar mais tarde. ;A sociedade passou por transformações que resultaram em uma nova forma de elas enxergarem o mercado de trabalho;, completa.

A produtora Tatiana Miura, 33 anos, faz parte do time que defende a importância do trabalho feminino. Segundo suas impressões, as mulheres têm conquistado maior destaque nas empresas. ;Nas reuniões de trabalho das quais participo, é cada vez maior a quantidade de mulheres;, conta. ;Nós temos mais compromisso, mais persistência do que os homens;, acredita a produtora.

Entretanto, ela conta que, por causa da atenção que dá ao próprio trabalho, acaba tento que se esforçar para cumprir outras tarefas, tradicionalmente femininas. ;Muitas vezes, eu tenho que me desdobrar para arrumar tempo para ir ao salão, cuidar da minha casa, ou para curtir meus hobbies, como a jardinagem;, lamenta.

De acordo com a diretora da Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais de São Paulo (BPW-SP), Márcia Bachin, essa valorização da carreira é resultado de uma nova mentalidade das mulheres. ;Hoje as mulheres se divorciam, vivem sozinhas. E, mesmo casadas, querem ser independentes, o que é garantido pelo sucesso profissional;. Ela lembra que as mulheres têm um papel cada vez maior na manutenção financeira da família. ;É crescente o número de mulheres responsáveis pela maior parte do orçamento doméstico, e isso também contribui para elas valorizarem suas carreiras;, conclui.

Mesmo com essa nova realidade, Márcia afirma que ainda há preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho. Para ela, muitos homens ainda temem confiar cargos de grande responsabilidade a elas. ;Existe uma certa desconfiança que, embora tenha diminuído nos últimos anos, ainda permanece forte. Muitos acham que nos dedicamos menos, ou que damos menos importância ao trabalho;, conta.

Para ela, aspectos relacionados à maternidade, como a legislação que garante o afastamento do trabalho durante a gravidez e nos primeiros meses de vida dos filhos, criaram uma imagem de que elas não priorizam o trabalho. ;Esses foram mitos que prejudicaram muito a nossa penetração no mercado. O que as pessoas precisam enxergar é que somos todos profissionais;, completa.

Motivação
A estudante de turismo Suelen Siqueira, 22 anos, ingressou no mercado há cerca de seis meses e, embora valorize o trabalho, não o vê como a questão central de sua vida. ;Ele é muito importante, ainda mais porque estou começando a minha carreira, mas, pelo menos hoje, eu não acho que ele seja uma questão central;, conta. No entanto, quando pensa no futuro, a importância do trabalho para Suelen muda. ;Acho que, quando eu descobrir o que realmente quero fazer pelo resto da minha vida, passarei a ver o trabalho como algo mais central. Acho que é uma questão de motivação;, conclui.

Karinne Vasconcelos Dias sabe bem o que é colocar o trabalho no centro de todas as atividades. Desde os 16 anos, trabalhou com varejo de moda. A rotina de trabalho chegava a 16 horas por dia. ;Eu achava naquela época que o trabalho me bastava e realmente eu era feliz daquela forma, dedicando praticamente todas as minhas energias ao trabalho;, conta.

Depois de 12 anos nesse ritmo, o trabalho passou a pesar, e ela percebeu que era hora de diminuir o ritmo. ;Cheguei a um ponto que eu não aguentei mais, aí eu vi que era hora de diminuir a carga.; Hoje, aos 33 anos e trabalhando como supervisora de vendas corporativas de uma editora, ela acredita que encontrou a medida certa. ;Ainda trabalho muito, oito ou nove horas por dia, mas eu tenho tempo para descansar, férias e fins de semana livres. Aquela foi uma fase muito boa, mas que já passou. Hoje, além do trabalho, tenho outras prioridades;, diz.

1 - Público X Privado
A pesquisa da Universidade de São Paulo também comparou a importância do trabalho para servidores públicos e empregados da iniciativa privada. Enquanto no serviço público, 21% dos entrevistados declararam que o trabalho está no centro de suas vidas, na iniciativa privada esse índice sobe para 29%. Outro aspecto descrito na pesquisa foi a família. Para os dois grupos, a família representa a questão central da vida dos entrevistados, tanto para servidores públicos (55%) quando para trabalhadores do setor privado (53%). O pesquisador Sérgio Kubo pôde concluir também que o objetivo do trabalho para os dois grupos é diferente. Enquanto no setor público, os trabalhadores veem mais o trabalho como sentido da vida, os do setor privado valorizam mais seus objetivos e resultados.



"A sociedade passou por transformações que resultaram em uma nova forma de elas enxergarem o mercado de trabalho;
Sérgio Kubo, mestre em administração




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