Paloma Oliveto
postado em 28/11/2009 07:00
No Brasil de 24,6 milhões de tabagistas, 81,4% dos fumantes não pretendem largar o vício ; pelo menos nos próximos 12 meses. Isso mesmo sabendo, em sua grande maioria (93%), que o cigarro faz mal à saúde. Trinta e três por cento até pensam em parar um dia, mas sem data marcada no calendário pessoal. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, pela primeira vez, fez um estudo aprofundado sobre o perfil do tabagismo no país. A pesquisa inédita confirma que os homens fumam mais que as mulheres, e aponta que os maiores consumidores de cigarro têm entre 25 a 44 anos, seguidos por aqueles na faixa dos 45 aos 64. O percentual de jovens entre 15 e 25 anos não é baixo: quase 15% dos fumantes brasileiros estão nessa idade. A Região Sul lidera o ranking do vício, com 19% dos tabagistas de todo o país. Mas a unidade da Federação que mais consome cigarro está bem mais acima, no Norte: são os acreanos que estão no topo, seguidos pelos gaúchos. Sergipe e Distrito Federal (leia abaixo) aparecem no fim da fila, concentrando, respectivamente, 13,1% e 13,4% dos fumantes.
Os brasileiros fumam muito: 33,9% consomem entre 15 e 24 cigarros por dia ; um maço contém 20 unidades. Além disso, começam cedo. Na população de 20 a 34 anos que ainda é refém do vício ou já foi fumante um dia, quase 20% deu a primeira tragada antes dos 15 anos de idade. A maioria começou entre 17 e 19. O preço é alto: em média, são gastos R$ 78,43 mensais. No Sul, a Pesquisa Especial de Tabagismo (Petab) mostrou que o desembolso é maior, e chega a praticamente R$ 100 por mês.
Apesar de comprometer 17% de um salário mínimo com o cigarro, o brasileiro que mais fuma está entre os de menor rendimento médio mensal per capita. As classes mais baixas concentram o maior percentual de viciados em tabaco, sendo que quase 40% ou não têm renda alguma ou ganham até meio salário mínimo por mês. ;Para uma família que sobrevive com um salário mínimo, o impacto no orçamento é bastante significativo. Esses dados apontam para a necessidade de fortalecer ações para públicos específicos;, observa Tânia Cavalcante, chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Ela também se mostrou preocupada com o fato de a maioria dos fumantes saber que o cigarro faz mal à saúde e, mesmo assim, não planejar parar de fumar: ;Os especialistas têm de se debruçar sobre isso;, observou. Para Tânia, trata-se de um indicativo que uma parcela da população está com um alto grau de dependência. ;É preocupante. Nesse grupo, provavelmente vamos ter pacientes com comorbidades com outras drogas, ou depressão e outros problemas psíquicos. É o grupo mais difícil de tratar, um grande desafio, que precisa envolver todas as áreas que lidam com dependência química;, diz.
Dado positivo
A pesquisa, porém, revelou um dado positivo, na avaliação da chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do Inca: as propagandas antitabaco surtem efeito. Sessenta e cinco por cento dos entrevistados disseram que já pensaram em abandonar o vício por causa das fotos e advertências estampadas nas embalagens. O motorista de ônibus Lindomar Sousa, 41 anos, diz que só compra cigarro quando a foto é de uma criancinha tapando o nariz para a fumaça. ;Os outros são horríveis, assustadores, nem gosto de olhar. Se não tem a da menina, não compro;, diz o fumante, que acendeu o primeiro cigarro aos 14 anos. ;Mas estou pensando em parar. No ano que vem, já não fumo mais;, garante.
O goiano de Catalão conta que começou a fumar por curiosidade e acabou viciado. ;Consegui até parar, por quatro anos, mas namorei uma mulher que fumava, aí voltei;, diz. Ele faz parte dos 39,3% de fumantes brasileiros que acendem o primeiro cigarro entre seis e 30 minutos depois de acordar. ;Levanto, tomo um cafezinho e aí não tem jeito. Eu sei que faz muito mal para a saúde. Mas é difícil. Quando estou nervoso, acendo um cigarrinho e já fico legal;, conta.
No DF, número de fumantes é menor
Depois de Sergipe, o Distrito Federal é a unidade da Federação com menor percentual de fumantes. De todos os brasileiros usuários do tabaco, 13,4% estão na capital, o que significa 254 mil pessoas com mais de 15 anos. Desses, 33 mil não fumam todos os dias ; são os chamados fumantes ocasionais. Brasília tem um percentual maior de ex-fumantes comparado à média nacional. Em todo o país, 14,1% dos não fumantes já tiveram o vício um dia. Já no DF, o índice é de 22,2%.
A capital também está acima da média do Brasil quanto à quantidade de pessoas que já tentaram parar de fumar: 52,6% dos entrevistados afirmaram ter feito pelo menos uma tentativa, ou já haviam parado em algum momento nos 12 meses anteriores à data da pesquisa. No restante do país, o percentual é de 45%. Para 93% dos moradores de Brasília, o uso do tabaco pode causar doenças graves, como derrames, ataques cardíacos ou câncer de pulmão.
O aposentado Manuel de Araújo Costa, 74 anos, conhece bem os danos provocados pelo tabaco. Ele fumou por 55 anos, e há 13 decidiu parar. ;Tive problemas pulmonares, não conseguia dar um passo. Na época, fumava três maços de cigarro por dia. Ainda tenho sequelas, mas melhorei muito;, conta. Manuel lembra que, na época em que começou a fumar, não havia alertas sobre os perigos do cigarro. ;Hoje, as pessoas já sabem. Eu aconselho que os jovens joguem fora o cigarro o quanto antes;, diz.
Ontem pela manhã, Manuel estava na Rodoviária do Plano Piloto para fazer o exame de espirometria ; medição da capacidade inspiratória e expiratória do indivíduo, além de análise bucal. Uma equipe de profissionais da área médica ficou no local das 7h às 13h, durante a campanha contra o tabagismo do Dia Nacional de Combate ao Câncer. Mais de 400 pessoas fizeram o teste respiratório e da mucosa da boca.
Os resultados, segundo o coordenador do Programa de Controle ao Tabagismo no Distrito Federal , Celso Rodrigues, são assustadores. Dos 113 usuários de cigarro que tiveram a boca examinada, sete apresentaram lesões suspeitas de serem cancerígenas. ;Essas pessoas vão fazer a biópsia, mas as chances dessas manchas serem cancerígenas são muito altas, porque elas fazem uso do cigarro há pelo menos 20 anos;, explica Rodrigues. Outros 331 usuários do tabaco assopraram o aparelho de espirometria. Deles, 89% mostraram estar com a capacidade respiratória comprometida. ;A maioria está com mais de 40% do sistema respiratório prejudicado pelo cigarro. Os números são mais um motivo para as pessoas entenderem dos riscos provocados pelo cigarro e abandonarem o vício;, conclui. (Naira Trindade e Paloma Oliveto)