Ciência e Saúde

Sobrinho do ex-presidente norte-americano John F. Kennedy lança, no Pará, livro sobre a hepatite C

Ex-viciado em heroína, Christopher Kennedy Lawford alerta que muita gente desconhece ter a doença. A falta de diagnóstico pode ser fatal

postado em 04/12/2009 08:00
Belém - Não existem sintomas, nenhum sinal para avisar o que ainda está por vir. Quando o diagnóstico for descoberto, pode ser tarde demais. Aproximadamente 170 milhões de pessoas no mundo sofrem dessa doença silenciosa e perigosa, a hepatite C. Para Christopher Kennedy Lawford, membro de uma das mais tradicionais famílias americanas, sobrinho de John F. Kennedy, a notícia de que estava contaminado com o vírus foi arrebatadora, mas transformou sua vida. Na última quarta-feira, ele esteve no Brasil para lançar o livro C sua vida mudasse (Ed. Manole) e conhecer um projeto-piloto de atendimento e tratamento na pequena cidade de Ananindeua (1), no Pará, região amazônica com altos índices de pacientes contaminados. "Em 2001, meu médico me passou exames de rotina, depois me ligou e disse: 'Tenho uma boa e uma má notícias'. A boa era que eu não tinha o vírus do HIV. A má, que estava com hepatite C", conta Chris Kennedy. O escritor, advogado e ator não tinha sintomas, nenhum problema físico, mas um histórico perturbador. Tinha sido viciado em heroína durante nove anos. A hepatite é a inflamação das células do fígado causada por um vírus. A contaminação pode ser causada por transfusão de sangue, pelo compartilhamento de seringas ou de agulhas ou, em alguns casos raros, por relações sexuais. "Nunca pensei que o comportamento que eu tinha deixado para trás pudesse voltar a me assombrar. Fiquei com medo, pois sabia que eu teria um enorme problema para resolver. Na época, tínhamos pouca informação, porque era uma doença relativamente nova", diz o norte-americano. Ex-viciado em heroína, Christopher Kennedy Lawford alerta que muita gente desconhece ter a doença. A falta de diagnóstico pode ser fatalA existência da hepatite C foi descoberta pelos médicos em 1975, quando testes detectaram um vírus com as mesmas características dos outros tipos de hepatite, mas que não era nem do tipo A, nem do B. Apenas em 1992 foi desenvolvido um teste para detectar formalmente a doença. Quando Chris Kennedy recebeu o diagnóstico, já estava com o fígado debilitado. "Meu pai (o ator Peter Lawford) morreu de cirrose, não foi uma morte tranquila. Não queria isso pra mim. Comecei o tratamento imediatamente", conta. O escritor tinha o genótipo 2 do vírus, que tem a maior porcentagem de cura - chega a 90%. O mais comum, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é o de genótipo 1, que tem um índice de 50% de sucesso no tratamento. Crise Em 2004, Chris passava por um turbilhão de insucessos. Estava se divorciando e tomando injeções diárias para o tratamento. Com isso, ficou deprimido e viveu de favor na casa da prima Maria Shiver, mulher do ator e governador da California, Arnold Schwarzenegger. Durante os 11 meses de tratamento, resolveu escrever sua biografia. O livro Symptons of Withdrawal (em tradução livre, Sintomas de retirada) se tornou um best-seller. Na divulgação, ele conheceu pessoas com a história parecida, e resolveu se envolver em campanhas contra a hepatite C. "Eu sei que sou sortudo, porque fui curado com um único tratamento, enquanto outras pessoas não vão ter uma chance. Eu não sabia que seria especialista no assunto. Eu só queria ser um escritor. Não tinha ideia de que tantas pessoas sofriam o mesmo que eu. Muitos não sabem que têm a doença. Ela foi negligenciada durante muito tempo, e é hora de mudar isso", avalia. Para Chris, foi um desafio. Nos Estados Unidos, 5 milhões de pessoas têm o vírus. A maioria tem baixo poder aquisitivo - prisoneiros ou ex-viciados. "É uma doença difícil de trazer à tona. O orçamento do governo é baixo, são apenas US$ 5 milhões. Muita gente ainda tem preconceito, pois existe um estigma de que as pessoas têm essa doença porque merecem. E isso é errado", aponta. Para os especialistas, o número de mortes por conta da doença deve aumentar nos próximos 10 anos. Tudo por causa da falta de diagnóstico do vírus, que, aos poucos, consome o fígado e enfraquece o corpo. Ao contrário da hepatite B, não existe vacina ou forma eficaz de prevenção, além de evitar as causas da doença. No Brasil, das estimadas 3 milhões de pessoas com hepatite C, menos de 10% sabem que têm o vírus. Diagnóstico é a palavra-chave para a cura. O acesso para os exames na rede pública ainda é muito difícil, mas o governo federal promete o acesso a um teste rápido, cujo resultado demora poucos segundos. O projeto piloto Ananin vai trabalhar com agentes comunitários e exames rápidos nos postos de saúde de Ananindeua, mas deve ser levado a outras áreas da região. Christopher fala com funcionárias da Unidade de Saúde de Ananindeua (PA): região tem altos índices de contaminados com a hepatite C Exigência aos médicos Segundo Carlos Varaldo, da organização não governamental Grupo Otimismo de Apoio a Portadores de Hepatite, fazer o teste é o primeiro passo para mudar essa realidade. "É preciso pedir para o médico o exame de sangue que detecta o vírus. Cerca de 90% dos infectados não sabem que têm a doença, e isso é muito grave. Aquele que descobre a doença logo, tem mais chances de cura", explica o ativista, que também teve a doença e está curado há 12 anos. Para Chris, o trabalho feito no Brasil é significativo, mas ainda há muito a fazer. O norte-americano defende uma extensa campanha educacional e mais investimento no tratamento, que é feito com ribavirina e um medicamento que estimula o sistema imunológico do paciente. "Se o Brasil tratasse essa epidemia do mesmo jeito que trata o HIV, seria muito bom. O governo brasileiro tem bons tratamentos para o genótipo 1, mas, para o genótipo 2, ainda tem falhas. O exame também deveria ser mais acessível. A hepatite é uma doença séria, que causa muitas mortes, mas tem cura. Devemos tirar proveito disso", afirma. 1- Estímulo ao diagnóstico A estimativa é de que o estado do Pará tenha, aproximadamente, 170 mil infectados com o vírus, mas apenas cerca de 10 mil sabem que têm a doença. Um dos objetivos do projeto em Ananindeua é conseguir que, até o fim de 2010, pelo menos 70% da população tenha acesso às medidas preventivas e de diagnóstico. Agentes comunitários vão trabalhar com questionários para tentar identificar pacientes de risco e incentivar as pessoas a irem até o posto de saúde fazer o teste. O município também vai trabalhar no atendimento depois do teste e indicar quais tratamentos disponíveis para a hepatite C HEPATITE C Confira um guia de perguntas e respostas sobre a hepatite C: O que é hepatite C? Doença infecciosa viral, contagiosa, causada pelo vírus da hepatite C (HCV), conhecido anteriormente por %u201Chepatite Não A Não B%u201D, quan-do era responsável por 90% dos casos de hepatite transmitida por transfusão de sangue sem agente etiológico reconhecido. O agente elimietiológico é um vírus RNA, da família Flaviviridae-tar-se como uma infecção assintomática ou sintomática. Em média, -ná-lo dentro de um período de seis meses do início da infecção. Qual o período de incubação da hepatite C? O período de incubação, intervalo entre a exposição efetiva do hos-pedeiro suscetível a um agente biológico e o início dos sinais e sin-tomas clínicos da doença neste hospedeiro, varia de 15 a 150 dias. O que é uma hepatite C aguda? A manifestação de sintomas da hepatite C em sua fase aguda é ex-tremamente rara. Entretanto, quando presente, ela segue um qua-dro semelhante ao das outras hepatites. O que é uma hepatite C crônica? Quando a reação inflamatória nos casos agudos persiste sem melhoras por mais de seis meses, considera-se que a infecção está evoluindo para a forma crônica. Os sintomas, quando presentes, são inespecíficos, predominando fadiga, mal-estar geral e sintomas digestivos. Uma parcela das formas crônicas pode evoluir para cirrose, com aparecimento de icterícia, edema, ascite, varizes de esôfago e alterações hematológicas. O hepatocarcinoma também faz parte de uma porcentagem do quadro crônico de evolução desfavorável. Como a hepatite C é transmitida? Em cerca de 10 a 30% dos casos dessa infecção, não é possível definir qual o mecanismo de transmissão envolvido. Os mecanismos conhecidos para a transmissão dessa infecção são os seguintes:
  • Transfusão de sangue e uso de drogas injetáveis: o mecanismo mais eficiente para transmissão desse vírus é pelo contato com sangue contaminado. Desta forma, as pessoas com maior risco de terem sido infectadas são: a) que receberam transfusão de sangue e/ou derivados, sobretudo para aqueles que utilizaram estes produtos antes do ano de 1993, época em que foram instituídos os testes de triagem obrigatórios para o vírus C nos bancos de sangue em nosso meio; b) que compartilharam ou compartilham agulhas ou seringas contaminadas por esse vírus como usuários de drogas injetáveis.
  • Hemodiálise: alguns fatores aumentam o risco de aquisição de hepatite C por meio de hemodiálise, tais como utilização de heparina de uso coletivo e ausência de limpeza e desinfecção de todos os instrumentos e superfícies ambientais.
  • Acupuntura, piercings, tatuagem, droga inalada, manicures, barbearia, instrumentos cirúrgicos: qualquer procedimento que envolva sangue pode servir de mecanismo de transmissão desse vírus, quando os instrumentos utilizados não forem devidamente limpos e esterilizados. Isto é válido para tratamentos odontológicos, pequenas ou grandes cirurgias, acupuntura, piercings, tatuagens ou mesmo procedimentos realizados em barbearias e manicures. A prática do uso de droga inalada com compartilhamento de canudo também pode veicular sangue pela escarificação de mucosa.
  • Relacionamento sexual: esse não é um mecanismo freqüente de transmissão, a não ser em condições especiais. O risco de transmissão sexual do HCV é menor que 3% em casais monogâmicos, sem fatores de risco para DST. Pessoas que tenham muitos parceiros sexuais ou que tenham outras doenças de transmissão sexual (como a infecção pelo HIV) têm um risco maior de adquirir e transmitir essa infecção. O relacionamento sexual anal desprotegido também aumenta o risco de transmissão desse vírus, provavelmente por microtraumatismos e passagem de sangue. O vírus da hepatite C foi encontrado no sangue menstrual de mulheres infectadas e nas secreções vaginais. No sêmen, foi encontrado em concentrações muito baixas e de forma inconstante, não suficiente para manter a cadeia de transmissão e manter a disseminação da doença.
  • Transmissão vertical e aleitamento materno: a transmissão do vírus da hepatite C durante a gestação ocorre em menos de 5% dos recém-nascidos de gestantes infectadas por esse vírus. O isco de transmissão aumenta quando a mãe é também infectada pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana). A transmissão do HCV pelo aleitamento materno não está comprovada. Dessa forma, a amamentação não está contra-indicada quando a mãe é infectada pelo vírus da hepatite C, desde que não existam fissuras no seio que propiciem a passagem de sangue.
  • Acidente ocupacional: o vírus da hepatite C (HCV) só é transmitido de forma eficiente por meio do sangue. A incidência média de soroconversão, após exposição percutânea com sangue sabidamente infectado pelo HCV é de 1,8% (variando de 0 a 7%). Um estudo demonstrou que os casos de contaminações só ocorreram em acidentes envolvendo agulhas com lúmen. O risco de transmissão em exposições a outros materiais biológicos, que não o sangue, não é quantificado, mas considera-se que seja muito baixo. Nenhum caso de contaminação envolvendo pele não-íntegra foi publicado na literatura.
  • Transplante de órgãos e tecidos: o vírus HCV pode ser transmitido de uma pessoa portadora para outra receptora do órgão contaminado. Como prevenir a hepatite C? Não existe vacina para a prevenção da hepatite C, mas existem outras formas de prevenção primárias e secundárias. As medidas primárias visam à redução do risco para disseminação da doença e as secundárias à interrupção da progressão da doença em uma pessoa já infectada. Dentre as medidas de prevenção primária, destacam-se:
  • triagem em bancos de sangue e centrais de doação de sêmen para garantir a distribuição de material biológico não infectado;
  • triagem de doadores de órgãos sólidos como coração, fígado, rim e pulmão;
  • triagem de doadores de córnea ou pele;
  • cumprimento das práticas de controle de infecção em hospitais, laboratórios, consultórios dentários, serviços de hemodiálise. Dentre as medidas de prevenção secundária, podemos definir:
  • tratamento dos indivíduos infectados, quando indicado;
  • abstinência ou diminuição do uso de álcool, não exposição a outras substâncias hepatotóxicas.
  • Controle do peso, do colesterol e da glicemia são medidas que visam a reduzir a probabilidade de progressão da doença, já que estes fatores, quando presentes, podem ajudar a acelerar o desenvolvimento de formas graves de doença hepática. Como proceder ao diagnóstico precoce? Os grupos mais vulneráveis para aquisição da infecção pelo HCV devem ser estimulados a realizar investigação laboratorial dessa infecção. Constituem estas populações:
  • usuários de drogas ilícitas, injetáveis ou inaladas;
  • todos os receptores de sangue ou derivados antes do ano de 1993;
  • pessoas que compartilharam seringas ou agulhas para fins terapêuticos, ou não, não adequadamente esterilizados;
  • filhos nascidos de mães infectadas por esse vírus;
  • parceiros sexuais de indivíduos infectados por esse vírus;
  • indivíduos submetidos à acupuntura, tatuagens, piercings ou quaisquer procedimentos que envolvam risco de sangramento, em ambientes em que as medidas de prevenção não sejam seguidas como, por exemplo, o uso de material não descartável ou individual, a reutilização de tinta da tatuagem (para não haver risco de transmissão, a quantidade de tinta a ser usada em cada cliente deve ser exclusiva, com descarte do excedente);
  • vítimas de acidentes perfurocortantes em ambientes hospitalares;
  • indivíduos que por qualquer circunstância, tenham tido exposição de mucosa a sangue humano sabidamente infectado pelo vírus da hepatite C ou de fonte desconhecida;
  • usuários de máquinas de hemodiálise. Como é feito o diagnóstico da hepatite C? O diagnóstico da hepatite C é feito através da realização de exames de sangue de dois tipos: exames sorológicos e exames que envolvem técnicas de biologia molecular. Os testes sorológicos podem identificar anticorpos contra esse vírus e normalmente seus resultados apresentam alta sensibili1idade e especificidade1. Utiliza-se o teste ELISA (anti-HCV) para essa pesquisa de anticorpos. A presença do anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-HCV) significa que o paciente teve contacto com o vírus. Sua presença não significa que a infecção tenha persistido. Cerca de 15 a 20% das pessoas infectadas conseguem eliminar o vírus por meio de suas defesas imunológicas, obtendo a cura espontânea da infecção. A presença de infecção persistente e atual pelo HCV é demonstrada pela pesquisa do vírus no sangue, pelo exame HCV RNA qualitativo. Portanto, os pacientes que apresentarem anti-HCV reagente deverão ser encaminhados para um centro de referência para uma avaliação com um especialista. Qual é a janela imunológica para a hepatite C? A janela imunológica compreende o período entre o indivíduo se expor a uma fonte de infecção e apresentar o marcador sorológico anti-HCV, o que pode variar de 49 a 70 dias. Como é o tratamento da hepatite C? O tratamento da hepatite C constitui-se em um procedimento de maior complexidade, devendo ser realizado em serviços especializados. Nem todos os pacientes necessitam de tratamento e a definição dependerá da realização de exames específicos, como biópsia hepática e exames de biologia molecular. Quando indicado, o tratamento poderá ser realizado por meio da associação de interferon com ribavirina ou do interferon peguilado associado à ribavirina. A chance de cura varia de 50 a 80% dos casos, a depender do genótipo do vírus. Quem são os comunicantes de portadores de hepatite C?
  • Indivíduo que compartilha material para uso de drogas (seringas, agulhas, canudos, etc.).
  • Filhos de mãe anti-HCV reagente.
  • Indivíduos do mesmo domicílio.
  • Parceiros sexuais. Recomendações
  • Orientações educacionais dirigidas à população sabidamente infectada poderão esclarecer sobre os potenciais mecanismos de transmissão e auxiliar na prevenção de novos casos.
  • Usuários de drogas injetáveis poderão ser incluídos em progra-mas de redução de danos, receber equipamentos para uso indi-vidual e orientações sobre o não compartilhamento de agulhas, seringas ou canudos.
  • O uso de preservativos deve ser estimulado. Pares sorodiscor-dantes que têm relacionamento fixo possuem baixa probabi-lidade de transmissão. Entretanto, não existem muitos dados para as demais situações. Deste modo, estímulo ao uso de pre-servativo parece ser uma medida prudente.
  • Não compartilhar lâminas de barbear, utensílios de manicure, escovas de dente.
  • Indivíduos infectados devem ser orientados a não doar sangue, esperma ou qualquer órgão para transplante.
  • Uso de equipamentos de proteção individual pelos profissionais da área da Saúde. Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica.

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