postado em 05/12/2009 08:00
Um pequeno comprimido surgiu na década de 1960 para proteger as mulheres e libertá-las de antiquados métodos contraceptivos. Como não poderia deixar de ser, com a liberdade veio a responsabilidade. A pÃlula anticoncepcional se desenvolveu, ficou mais segura e com menos hormônios. Os efeitos colaterais, no entanto, não sumiram. O remédio pode até funcionar como um ativador de doenças graves. Para se proteger de qualquer complicação, a informação é sempre a melhor arma.
Há três anos, a psicóloga LÃvia Nogueira Miranda, 27, se preparava para curtir o carnaval em Salvador. Pouco antes da viagem, resolveu consultar uma ginecologista para encontrar uma forma de cortar o ciclo menstrual para as férias. A médica recomendou que ela tomasse duas cartelas da pÃlula anticoncepcional, sem intervalo. "Eu nunca tinha tomado antes. Na época, a única coisa que percebi é que estava emagrecendo", conta.
A viagem foi feita de van, durante dois dias. LÃvia começou a sentir dores na perna e tomou um remédio. Na volta, a dor foi mais intensa. Ela mal podia se movimentar. "Não deu nem uma semana, a perna ainda estava dolorida e fui dormir, toda roxa e inchada. Fui direto na emergência e eles diagnosticaram como trombose. Logo me perguntaram se eu estava tomando pÃlula. Fiz um tratamento urgente, com injeção de anticoagulante. Tive que ficar lá, de repouso absoluto, para não ter embolia", relata. Foram 15 dias de internação, mas, na volta para casa, teve uma retrombose, do joelho até a veia cava.
Foi necessário um ano de tratamento intenso, com acompanhamento quase semanal de uma junta médica. LÃvia fez diversos exames e descobriu que seu problema era hereditário. Hoje, ela não pode usar qualquer medicamento que tenha hormônios na fórmula, e procura métodos contraceptivos alternativos, como a camisinha. "Foi um susto, e de certa forma um milagre, por não ter sido mais grave. Para mim, trombose era uma doença de pessoas mais velhas. Nunca imaginei que ia ter e que podia ser desencadeado pela pÃlula", diz.
Assim como ocorreu com LÃvia, a pÃlula pode ativar a predisposição para algumas doenças nas mulheres. Segundo o ginecologista Rogério Bonassi Machado, presidente da comissão de anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e ObstetrÃcia (Fesbrago), ainda que os riscos existam, eles são baixos. "Em uma população normal, acontecem cinco casos para cada 100 mil mulheres. Para mulheres que tomam anticoncepcional, a ocorrência é de 15 para cada 100 mil. As chances são triplicadas, mas o número continua muito baixo", explica.
Desconhecimento
Quando tinha 19 anos, Talita Gonzaga, hoje com 24, resolveu tomar pÃlula para prevenir a gravidez. Foi à ginecologista e saiu de lá com a receita na mão. Quatro meses depois, a surpresa: estava com trombose venal profunda. "Eu nunca li a bula, nem podia imaginar que isso poderia acontecer. Simplesmente pedi para a médica um remédio que não engordasse. Depois, veio o susto. Não conseguia dobrar a perna nem colocar o pé no chão. O meu caso foi na veia, mas se fosse numa artéria podia ter perdido o membro", conta a autônoma, que há três anos, depois de ficar grávida, teve outra crise vascular.
Além da trombose, as mulheres também devem estar atentas ao risco de derrame cerebral e enfarto. De acordo com as regras da Organização Mundial de Saúde (OMS), a pÃlula não pode ser recomendada para mulheres com mais de 35 anos que fumam, porque podem ter enfarte ou derrame. Mulheres com problemas cardÃacos ou vasculares também devem escolher outro método contraceptivo. "Existem critérios para escolher a pÃlula. Na hora da consulta, todas as doenças e o histórico familiar devem ser revistos. Para quem tem enxaqueca muito forte, por exemplo, não é indicado, porque pode causar acidentes vasculares cerebrais. O problema não está no método, necessariamente, mas para quem ele é indicado", afirma Rogério Bonassi.
Os hormônios são a grande desvantagem da pÃlula. Outros métodos, como o adesivo dérmico, o anel vaginal, a injeção ou o implante subdérmico, também têm a mesma dosagem da substância. A segurança aumentou nos últimos anos: antes, cada comprimido tinha 150mg de etimilextradiol; agora, tem 15mg. Até o mito de que é preciso parar de tomar a pÃlula por um tempo para não fazer mal à saúde não existe mais. "A mulher pode precisar ser bem orientada, porque existem efeitos colaterais, como náusea, dor de cabeça e sangramento irregular, mas tudo isso pode ser contornado", diz Bonassi.
Para a ginecologista RÃvia Mara Lamaita, da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), a pÃlula é um bom método contraceptivo, que não é usado somente para controle familiar. "Ela pode ser utilizada em tratamentos de pele, para regular o ciclo menstrual, para endometriose e para tratar cólicas. Quando indicada corretamente, ela é muito útil" aponta. Dois métodos contraceptivos não têm hormônios: a camisinha e o dispositivo intrauterino. "Alguns têm progesterona, que é liberada dentro do útero, mas o de cobre não tem qualquer tipo de hormônio e é bastante eficaz", afirma.
Testes
Exames podem ajudar as mulheres a descobrirem doenças antes que elas aconteçam. No caso da trombose, um teste de DNA pode dizer se existe ou não uma predisposição. Para Ciro D. Martinhago, diretor de Medicina Genética da clÃnica RDO Diagnósticos Médicos, a avaliação deveria ser recomendada logo na primeira consulta da mulher ao ginecologista. "Uma a cada 10 mulheres tem alguma alteração genética. A grande vantagem é que o exame é feito apenas uma vez na vida, e seria indicado para a adolescente que vai ao ginecologista pela primeira vez. Se a paciente for portadora da mutação de algum gene e tomar a pÃlula, ela tem no mÃnimo 30 vezes mais chances de desenvolver a doença", pontua o especialista.
Para o geneticista, a avaliação em laboratório poderia evitar os riscos em três momentos da vida na mulher, na decisão de tomar a pÃlula, em uma gravidez e na época da reposição hormonal. A prevenção, no entanto, não é acessÃvel. "Esses exames não são recomendados para todas as mulheres, porque o custo é muito caro. A não ser que a paciente tenha um histórico familiar", afirma o presidente da comissão de anticoncepção da Fesbrago.