Paloma Oliveto
postado em 07/12/2009 08:01
Associado à degeneração dos neurônios, o mal de Alzheimer também pode ter ligação com a presença excessiva de um tipo de aminoácido, a homocisteína, no sangue. Embora pesquisas já tivessem sugerido essa relação, pela primeira vez um estudo conseguiu comprovar que, quanto maior o nível da proteína, mais chances a pessoa tem de desenvolver a doença.
A constatação é do hematologista Dimitri Zylberstein, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. "Nosso estudo demonstra uma clara associação entre o índice elevado de homocisteína e o mal de Alzheimer. Esse resultado, assim como os de estudos anteriores, implica que a doença provavelmente não é puramente degenerativa, mas completamente, ou pelo menos parcialmente, de origem vascular", disse o médico ao Correio.
Um importante amionácido para o metabolismo, a homocisteína é produzida no corpo depois da ingestão de carnes e laticínios. Em excesso, ela prejudica as artérias, formando placas de gorduras que podem levar a enfartes e derrames. Estudos anteriores acompanharam por, no máximo, oito anos a relação entre demência e o alto índice da homocisteína. Já o conduzido por Zylberstein foi o primeiro a fazer um acompanhamento a longo prazo, de 35 anos, o que garantiu a certeza dos resultados. Além disso, até hoje não havia associações entre o desenvolvimento de Alzheimer em idosas que, na meia idade, tinham taxas elevadas do aminoácido. Zylberstein conseguiu fazer essa constatação.
Para isso, o médico utilizou uma pesquisa sobre a saúde feminina realizada em Gotemburgo no fim da década de 1960. Mil e 500 mulheres entre 38 e 60 anos tiveram o sangue coletado e deram informações sobre sua saúde em geral. Passadas mais de três décadas, Zylberstein resgatou o resultado e foi a campo, descobrir como estavam, hoje, as participantes do estudo. Ele descobriu que o Alzheimer teve incidência duas vezes maior nas mulheres que, na época do exame de sangue, tinham índices altos de homocisteína. Em relação aos outros tipos de demência, aquelas com alteração na taxa possuíam 70% mais chances de apresentar o problema.
O controle possível
Segundo o cientista, que agora pesquisa a cura do mal, dois aspectos devem ser ressaltados sobre o resultado do estudo. "Em primeiro lugar, a descoberta de que o excesso de homocisteína na meia idade vai afetar a vida da pessoa muitas décadas depois. Em segundo, que, se por um lado, demoram cerca de 15 anos para os efeitos se expressarem nos enfartes do miocárdio, a média de surgimento da demência é 22 anos", diz. Para Zylberstein, a cura ainda está distante, mas ele acredita que o resultado da pesquisa poderá ajudar a diminuir a incidência de Alzheimer, já que é possível controlar a taxa do aminoácido, ao se ingerir ácido fólico e vitamina B12.
A presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), Viviane Abreu, ressalta a importância da pesquisa, por ser a primeira a comprovar que a doença tem um componente vascular. "Isso é muito importante no sentido da prevenção", acredita a terapeuta ocupacional.
O estudo sueco significa uma outra possibilidade teórica: a de saber, por meio de um simples exame de sangue, se uma pessoa corre o risco de desenvolver a doença na velhice. "Como não há cura para o Alzheimer, acredito que, por enquanto, fazer um exame com esse objetivo não teria aplicação", pondera Viviane. Perguntado se vale a pena saber com décadas de antecedência se, mais tarde, podemos ter Alzheimer, Zylberstein admite que a questão é delicada. "É uma pergunta difícil de responder. Mas minha resposta é sim, por causa da possibilidade de se controlar os níveis de homocisteína e, então, talvez reduzir o risco de demência", afirma.
Para refletir
A escritora Dorotea Cuevas Fracalanza, 66 anos, conhece o problema de perto e diz que não sabe se gostaria de descobrir se, um dia, vai sofrer de Alzheimer. No fim da década de 1990, a mãe, até então uma mulher ativa de 78 anos, que morava sozinha, começou a apresentar sintomas da doença. Depois de acompanhar, até 2003, a evolução do problema, Dorotea resolveu contar, em um livro, a sua experiência. O resultado está no recém-lançado Face a face com o mal de Alzheimer, da Editora Global.
Ela conta que os primeiros sinais se revelaram no comportamento arredio da mãe, que se tornou bastante irritável. "Ela brigava com todo mundo, até nos corais onde cantava. Primeiro, pensei apenas que a velhice estava acentuando algumas características", diz Dorotea. Porém, aos poucos, a mulher foi desenvolvendo lapsos de memória e demorava muito para chegar em casa. "Ela tomava o ônibus errado", conta a escritora.
Depois de insistir muito, conseguiu que a mãe fosse morar em Campinas. Até então, a família não tinha o diagnóstico de Alzheimer. A mãe de Dorotea era tratada com um psiquiatra e, por causa dos remédios, começou com uma série de efeitos colaterais. Foi lendo um panfleto sobre a doença que a escritora desconfiou da doença. Apesar de sofrer muito, ela resolveu internar a mãe numa clínica especializada em Alzheimer. "Minha mãe melhorou bastante, mas eu me sentia muito culpada, voltava da clínica gritando sozinha no carro", relata.
Para lidar com a ausência, ela começou a escrever sobre o que estava passando. Foram os esboços que deram origem ao livro. Há seis anos, a mãe morreu. Agora, quem tem a doença é a tia mais nova, hoje com 79 anos. "Como já tínhamos caso na família, desconfiamos cedo e ela está bem melhor, com uma chance de retardamento da progressão da doença. Acho que sou uma forte candidata, mas não sei se gostaria de saber disso. O 'se' depende muito da circunstância. Se, antigamente, alguém dissesse que um dia minha mãe teria Alzheimer e eu falaria abertamente sobre isso, eu iria dizer que não", conclui Dorotea.