Ciência e Saúde

ENTREVISTA // COP-15 // José Domingos Miguez

postado em 14/12/2009 08:00

Confira entrevista com José Domingos Miguez, da Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia

Qual a expectativa do senhor para o desfecho da conferência de Copenhagen?
As discussões no âmbito do Protocolo de Kyoto giram em torno da definição de compromissos quantificados mais ambiciosos de limitação e redução de emissões de gases de efeito estufa para as Partes do Anexo I da Convenção no âmbito dos próximos períodos de compromisso. Durante reunião ocorrida em Bonn, Alemanha, em junho, o Brasil liderou a submissão de uma proposta oficial que reuniu outros 36 países em desenvolvimento. Essa proposta sugere uma meta de redução dos países desenvolvidos de pelo menos 40% por volta de 2020 em relação ao nível de emissões desses países em 1990. Contudo, as manifestações dessas nações têm sido tímidas no debate. Um elemento de preocupação tem sido a significativa mudança de posição de países do Anexo I no sentido de defender apenas um único acordo legal durante a COP-15, não legalmente vinculante o que representaria tornar o Protocolo de Kyoto irrelevante e não operacional. Essa posição é totalmente contrária ao que foi acordado em relação aos dois trilhos de negociação (Kyoto, que prevê a redução obrigatória das emissões por países industrializados e ações de longo prazo (LCA), que são diversos mecanismos e projetos para mitigar, adaptar, financiar e transferir tecnologia entre os mais ricos e os emergentes).

Há rumores de que há quem queira fazer um acordo único. E, daí, as negociações de anos cairiam por terra...
É... as sugestões seriam de transferir as "partes boas" de Kyoto para a esfera do Plano de Ação de Bali, obtendo-se a partir daí um único acordo. Trata-se de algo arriscado, pois o Protocolo de Kyoto vem sendo arduamente regulamentado ao longo dos anos, e não pode simplesmente vir a ser descartado. Pelo contrário, esse relevante instrumento da Convenção sobre Mudança do Clima precisa ser fortalecido com base no que foi acordado pelos países que fazem parte do mesmo. Trata-se do único instrumento legal existente para alcançar reduções de emissões reais por parte do Anexo I, auxiliado por ações de mitigação em outros países, com destaque para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os mecanismos do Protocolo de Kyoto devem ser fortalecidos e tornados cada vez mais eficientes, com base na experiência adquirida por meio de sua implementação. Espera-se respeito aos compromissos assumidos a fim de que os países continuem a construir um regime internacional sobre mudança do clima por meio do fortalecimento do protocolo, bem como por meio da implantação plena e efetiva da Convenção sobre Mudança do Clima. Apenas dessa forma o êxito em Copenhague será garantido ou ao contrário, o combate à mudança global do clima estará seriamente ameaçado. Deve-se lembrar que entre a assinatura da Convenção em 1992 e a entrada em vigor de Kyoto, em 2005, passaram-se 13 anos. A negociação de um novo protocolo abrangente seria muito mais difícil no sentido de busca de consenso levando-se em conta que atualmente os países têm um maior conhecimento do problema de mudança do clima quer seja na base científica quer seja na análise dos custos e impactos econômicos e de desenvolvimento.

Muito tem se falado sobre a matriz energética brasileira, que é uma das mais limpas do mundo. Podemos afirmar que já temos uma economia de baixo carbono?
Dependendo do conceito que se usa para classificar uma economia como de baixo de carbono, pode-se afirmar que o Brasil já se encontra nessa categoria. O país já é uma sociedade com baixo nível de carbono, visto que historicamente possui uma indústria com baixo padrão de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e há condições de manter ou mesmo aumentar a participação de recursos renováveis na matriz energética brasileira. Segundo dados do Balanço Energético Nacional 2008, a participação da energia de fonte renovável representou 45,4% do total, o que faz com que a matriz energética nacional seja bastante limpa comparativamente às dos demais países. No mundo, essa taxa é de 13% e, nos países membros da OECD, é de apenas 7%.

O que temos, em termos de projetos em andamento, que poderiam reforçar, então, essa natural tendência à economia de baixo carbono no Brasil?
Temos uma matriz energética limpa pouco emissora de gases de efeito estufa ; dada a geração substancial de eletricidade, por meio de hidrelétricas, o uso de biocombustíveis nos transportes, além do crescimento do consumo de álcool nos carros flex-fuel e da mistura de biodiesel no diesel que já atinge 4% e uso de carvão vegetal proveniente de reflorestamento na indústria siderúrgica ; e tem feito um esforço significativo de redução de emissões de desmatamento, cuja taxa em 2009 caiu cerca de 45% em relação ao ano anterior. Apenas o esforço de combate ao desmatamento representa cerca de 25% de redução em relação às emissões do Brasil de 1994. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) também tem contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento sustentável e a redução de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. A ampliação da relevante posição brasileira no âmbito do MDL constitui prioridade do Ministério de Ciência e Tecnologia, que preside a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. Se adicionarmos o esforço de mais de 400 projetos no âmbito do MDL que já reduzem cerca de 7% das emissões não florestais brasileiras (cerca de 45% das emissões do Brasil em 1990) em relação à 1990, comprova-se que o esforço brasileiro de redução de emissão já chega em 2009 a cerca de 30% de redução de emissões em relação à 1990, não havendo nenhum país desenvolvido que tenha esforço de mitigação comparável e dessa magnitude. O esforço de MDL é bastante significativo, uma vez que apenas cinco projetos reduziram praticamente todas as emissões de N2O (óxido nitroso) no setor industrial brasileiro e 30 projetos de redução de metano em aterros sanitários representam uma redução da ordem de 55% das emissões de metano em aterros em 1990, apenas para citar dois exemplos.

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