postado em 19/12/2009 07:00
Ele já era unanimidade nacional, ocupa um lugar na mesa de praticamente todos os brasileiros e ajuda a abastecer uma boa conversa. Quem gosta de café tem agora dois excelentes motivos para apreciá-lo ainda mais: a bebida, de origem árabe(1), ajuda a prevenir o câncer de próstata e o diabetes. A constatação partiu de duas pesquisas realizadas pela renomada Universidade de Harvard (Estados Unidos) e pela Universidade de Sydney (Austrália). Entre 1986 e 2000, a norte-americana Kathryn Wilson, da Faculdade de Medicina de Harvard, acompanhou 50 mil homens e, a cada quatro anos, questionou-lhes sobre sua dieta. ;Perguntamos com que frequência bebiam café normal e sem cafeína e descobrimos que aqueles que ingeriam seis ou mais xícaras da bebida por dia tinham 60% menos risco de desenvolver tumores avançados de próstata, se comparados com aqueles que não apreciam o produto;, explicou ao Correio, por e-mail. Entenda-se: o estágio avançado significa o surgimento de metástases. Segundo a autora do estudo, apresentado em uma conferência da Associação Americana para Pesquisa do Câncer, o mecanismo protetor contra o câncer presente no café ainda precisa ser mais bem explicado. ;A associação tem que ser analisada em outras populações, antes de falarmos mais sobre os processos envolvidos;, afirmou. ;O café contém muitos diferentes compostos, incluindo antioxidantes, vitaminas, minerais e fitoestrogênios ; que têm efeitos sobre os hormônios do corpo humano;, acrescentou.
Mais testosterona
Kathryn percebeu que os apreciadores contumazes de café possuem níveis mais altos de testosterona e de globulina ligadora de hormônios sexuais, substância responsável por transportar estrogênio e testosterona no sangue. ;É possível que a testosterona previna as células do câncer de se tornarem mais agressivas e mais propensas à disseminação, mas isso é uma especulação.;
De acordo com Kathryn, os homens que consumiam de uma a três xícaras de café por dia tiveram risco mais baixo de desenvolver câncer avançado, mas o fator expressivo de prevenção ocorreu com a dosagem de seis xícaras, cada uma com 170g de café. ;Quase todos os homens analisados em nossa pesquisa beberam café filtrado, que tem uma composição diferente daquela dos cafés expressos e francês;, relatou. O café filtrado é produzido depositando-se água quente sobre os grãos torrados.
Apesar da impressionante redução de risco de 60% para o câncer, a cientista acredita ser prematuro recomendar a todos os homens que mudem seus hábitos e incorporem o café à dieta. ;Esse é o primeiro estudo a observar a associação entre a bebida e o câncer avançado, então, precisamos ver se a mesma relação será encontrada em outras pesquisas;, defendeu. Kathryn planeja agora investigar o tema na Suécia.
Reforço
Ela admite que a ingestão de café tem sido relacionada com um risco reduzido de câncer do fígado e de câncer do endométrio em mulheres. ;As evidências sugerem que o café pode ser benéfico, ou pelo menos não parece ser nocivo em termos de risco do câncer. Além disso, o café tem sido muito consistentemente associado com uma chance menor de desenvolver diabetes tipo 2;, comentou Kathryn.
Cerca de uma semana depois do anúncio das descobertas de Kathryn, uma compilação feita por uma cientista australiana reforçou o papel de ;mocinho; do café. Rachel Huxley, da Universidade de Sydney, debruçou-se sobre 18 estudos diferentes que compreenderam 500 mil voluntários. Concluiu que três ou quatro xícaras de café ou chá por dia cortaram o risco de diabetes em 20%. A mesma quantidade de café sem cafeína reduzia a suscetibilidade ao diabetes em até 33%. A australiana acredita que substâncias como o magnésio e antioxidantes conhecidos como ácidos clorogênicos possam estar envolvidos na proteção contra a doença.
As cabras da Abissínia
Embora estime-se que o café seja cultivado há pelo menos mil anos no Oriente Médio, o primeiro registro da existência da planta data de meados do século 15. Pastores de cabras da região da Abissínia (em área onde hoje é a Etiópia) notaram que, quando os animais comiam uma determinada frutinha, logo mostravam-se mais resistentes e espertos. Os homens passaram, então, a também colher o produto ; mas para amassá-lo e comê-lo em forma de pasta. Os vizinhos árabes foram os primeiros a beber o café, em vez de comê-lo ou mascá-lo.
"O café contém muitos diferentes compostos, incluindo antioxidantes, vitaminas, minerais e fitoestrogênios ; que têm efeitos sobre os hormônios do corpo humano"
Kathryn Wilson, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Harvard
Kathryn Wilson, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Harvard
Para saber mais
Substâncias benéficas
O Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (Incor-USP) foi um dos pioneiros no Brasil a pesquisar os efeitos da bebida, ao criar a Unidade Café e Coração. Os pesquisadores do grupo estudam a ação e os efeitos do produto no corpo de pessoas saudáveis, diabéticas e com problemas no coração. Eles já concluíram, a exemplo do que acaba de afirmar o estudo australiano, que o consumo do café ajuda a prevenir o diabetes tipo 2. E mais: reduz o risco de declínio cognitivo e de demência, incluindo o mal de Alzheimer, além de minimizar a probabilidade de desenvolvimento da doença de Parkinson.
A cafeína, isoladamente, pode até não ser boa para a saúde, mas a bebida tem muito mais substâncias ; a maior parte delas, positivas. Especialistas já apontaram, por exemplo, que a bebida potencializa o efeito da medicação que afina o sangue de infartados e que fitoestrogênios presentes no grão são capazes de repor, parcialmente, a queda hormonal em mulheres na menopausa. Assim como a pesquisadora norte-americana de Harvard, os cientistas brasileiros também fazem ressalvas: é preciso considerar que o conhecimento sobre a bebida ainda está em desenvolvimento.