Ciência e Saúde

Espécies de mamíferos no DF podem desaparecer nos próximos 50 anos

Os dados foram revelados por estudo da Universidade de Brasília. A urbanização desordenada é a principal causa do problema

postado em 26/12/2009 11:42
Estudos indicam que as unidades de conservação ; que englobam, entre outras, parques nacionais, reservas biológicas e extrativistas ; são o melhor mecanismo de proteção do habitat dos animais silvestres. Porém, segundo uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), a fragmentação dessas áreas, em especial a do cerrado do Distrito Federal, pode levar à extinção local de aproximadamente 10 espécies de mamíferos nos próximos 50 anos, caso medidas efetivas não sejam colocadas em prática. A falta de conexão entre as unidades de conservação, que contribui para o isolamento cada vez maior dos animais em ambientes menores, é o principal motivo para o possível sumiço de espécies como a anta (Tapirus terrestris), o veado-mateiro (Mazama americana) e a sussuarana (Felis concolor).Os dados foram revelados por estudo da Universidade de Brasília. A urbanização desordenada é a principal causa do problema

O cerrado consiste no segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área total de 2 milhões de quilômetros quadrados. Mas, devido a uma grande quantidade de espécies endêmicas, o bioma se encontra frequentemente ameaçado. Segundo o estudo, o processo de ocupação das terras no Distrito Federal de 1954 até 1998 resultou na supressão de 57,7% da cobertura vegetal natural. ;A destruição da vegetação do DF se mostra especialmente grave quando se constata a existência de ocupação desordenada do solo, com implantação de parcelamentos irregulares que atingem até mesmo as nascentes e cursos d;água, rompendo os corredores que ligam as áreas remanescentes de vegetação natural e impedindo a movimentação da vida selvagem e do fluxo gênico;, afirma o estudo da bióloga e doutora pela UnB Keila Juarez.

A manutenção de corredores ecológicos está prevista na legislação brasileira, de acordo com a bióloga. Porém, além da falta de conexão entre as principais unidades de conservação do DF, os mamíferos do cerrado ainda têm de conviver com a ameaças constantes da caça ilegal, entre diversos outros perigos oferecidos pela aproximação do homem. ;Algumas pessoas abandonam filhotes de cães domésticos às margens das unidades. Esses filhotes crescem e passam a disputar espaço com os animais silvestres. Durante o estudo, presenciei e registrei em imagens alguns desses ataques, principalmente ao lobo-guará, que também é um canídeo;, conta Keila, lembrando que espécies como o caititu (Pecari tajacu) e o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), por exemplo, já não conseguem mais deixar a reserva por conta da ameaça humana.

O isolamento dos mamíferos silvestres em regiões menores também incentiva a endogamia ; reprodução entre membros da mesma família. ;A falta de reprodução entre grupos diversos contribui para o desenvolvimento de doenças, pois ocorre a perda da variabilidade genética e, como resultado, temos a extinção;, explica a pesquisadora. Para chegar ao resultado final do estudo, ela distribuiu 70 armadilhas fotográficas ao longo de dois anos, nas três principais unidades de conservação do DF. ;A situação é séria e precisa ser avaliada com muito critério pelas autoridades. Para se ter uma ideia, estudos anteriores confirmavam a existência de 35 espécies de mamíferos, no total. Meu primeiro questionamento, ao iniciar a pesquisa, era saber se todas essas espécies continuavam existindo nas mesmas proporções;, diz.

Retrato do país
A situação do cerrado do DF, conforme os especialistas, é um retrato da situação de outras regiões do Brasil. Orientador da pesquisa e professor da UnB, Jader Marinho diz se lembrar das unidades de conservação ainda intactas, há cerca de 20 anos. ;As unidades que apresentavam essas conexões hoje se encontram ilhadas numa matriz inóspita por conta da atividade humana;, diz. O professor cita como exemplo a região onde está localizada hoje a Vila Estrutural, que faz divisa com o Parque Nacional de Brasília. ;Houve um adensamento populacional muito grande. Essas ocupações estão localizadas literalmente na fronteira das unidades;, diz.

De acordo com ele, também não se pode esquecer do avanço do agronegócio no DF, fator que contribuiu para o desenvolvimento econômico por um lado. Porém, o progresso foi um dos pivôs da alteração dos ambientes naturais, habitats dos mamíferos do cerrado. ;Falta coordenação das ações de manutenção dos corredores naturais. A população acaba usando essas áreas, também, como alternativa de lazer e diversão, pois não tem outra opção;, afirma o professor. No entendimento dele, falta educação. ;Somente com políticas públicas eficazes é possível mudar o destino das espécies que podem estar completamente extintas nos próximos 50 anos;, destaca o orientador.

De acordo com o presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Gustavo Souto Maior, cerca de 93% da região do DF é composta por unidades de conservação. ;Entretanto, oficialmente, apenas cinco são consideradas de proteção integral. Na minha opinião, o estudo da UnB mostra os reais problemas que afligem o cerrado, atualmente;, diz. Porém, segundo ele, esses problemas não são insolúveis, e o governo já está tomando as providências necessárias. ;Primeiramente é preciso restabelecer os corredores de fauna e de flora entre as unidades de conservação. O resgate entre o Parque Nacional e a Estação de Águas Emendadas, por exemplo, é perfeitamente possível. Os condomínios que estão em processo de regularização, próximos à área, estão tendo um papel fundamental nisso;, explica.

Já a situação entre o Parque Nacional e o Jardim Botânico, conforme o presidente, é bem mais delicada. ;Nesse caminho, encontramos grandes cidades totalmente urbanizadas, como o Guará e o Cruzeiro. Mesmo assim, a missão não é impossível;, assegura. Souto Maior lembra da existência de uma determinação legal que prevê a regularização de condomínios irregulares e determina a criação dos corredores ecológicos. ;A consciência dos moradores de que essas áreas precisam ser restauradas tem contribuído para o aceleramento do processo de regularização;, finaliza o presidente do instituto criado há dois anos para implementar as políticas ambientais propostas pelo Governo do Distrito Federal (GDF).

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