Ciência e Saúde

Pecados decifrados: luxúria

Paloma Oliveto
postado em 02/01/2010 07:01
Não foi por falta de aviso. Os anjos do Senhor alertaram o patriarca Abraão: os pecados de Sodoma e Gomorra haviam passado dos limites. Mas a população das duas cidades às margens do Mar Morto fizeram ouvidos de mercador. Continuaram suas práticas libidinosas que, por sinal, deram origem à palavra sodomia - em bom português, sexo anal. O jeito foi despejar do céu toneladas de enxofre - o cheiro do coisa-ruim, dizem os que já sentiram - e eliminar a luxúria do mapa. Se das duas cidades cananeias não sobraram rastros, o mesmo não se pode dizer do pecado que fez Deus destruí-las. O medo de virar cinza parece não ter assustado a humanidade, sempre às voltas com as tentações da carne. No último dia da série sobre os sete pecados capitais, especialistas contam ao Correio por que homens e mulheres veem no sexo muito mais que uma razão para procriar. Ao contrário do que muita gente pensa, não houve civilização que exaltasse a luxúria como virtude. Nem os afrescos fálicos encontrados em Pompeia - outra cidade soterrada pelo enxofre de um vulcão - podem ser considerados sinais de liberação sexual. Eram mais representações da fertilidade. Os gregos, por exemplo, achavam normal a pederastia, já que os adolescentes eram "a própria personificação do belo", mas condenavam o "sexo pelo sexo". Os xeiques do oriente, como bem descrevem as Mil e uma noites, tinham seus haréns. Só que a poligamia é considerada mais uma questão cultural do que propriamente sexual. Mas se recriminava a libido em excesso, por baixo dos lençóis nenhuma civilização escapou dos desejos promíscuos. Na Suméria, no Egito, em Roma, na Grécia, os bordéis sempre existiram. O orador grego Demóstenes explicava, três séculos antes de Cristo, a necessidade desses lugares, originados dos templos da deusa da fertilidade: "As cortesãs, nós a temos para o prazer. As esposas, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar". Mulheres Para as mulheres, aliás, a luxúria foi algo historicamente negado. Ao mesmo tempo em que a sociedade romana mostrava dar pouca importância ao fato de seu herói varonil Caio Júlio César ter sido amante do rei da Bitínia, a etiqueta republicana era clara: as matronas deviam servir seus maridos, mas sem nunca, jamais, demonstrar qualquer tipo de prazer. Mesmo no casamento, aquelas que desafiavam as leis, como Júlia, filha de César e mulher do general Pompeu, eram ridicularizadas. Por demonstrar publicamente o carinho que tinha pelo marido, ela virou motivo de chacota. E houve quem atribuísse a esse "pecado" o fato de Júlia ter morrido no parto. "Primeiro de tudo, vamos à grande dificuldade, que é a de definir luxúria", diz o psicólogo neozelandês Philip Shelton, autor de um livro sobre o assunto (Lust, não publicado no Brasil). Para São Tomás de Aquino, explica o especialista, qualquer ato carnal que não visasse à procriação estaria condenado a entrar no rol dos sete pecados. "Mas a ciência não entende dessa forma. Eu, pelo menos, não. Quem, hoje, ainda pode acusar um casal de namorados de ser pecaminoso por fazer sexo antes do casamento?", questiona. Na opinião de Shelton, o que mais se aproxima da luxúria como abominação social é a compulsão que pode fazer mal a alguém. "No caso dos 'viciados em sexo', a quem estão fazendo mal? A eles mesmos. Porque perdem completamente o domínio da própria vontade. É como comer demais quando se já está de estômago cheio. Devorar uma barra de chocolate pode ser delicioso, mas algumas pessoas comem não uma, mas duas, três, quatro, mesmo sem saber o que estão fazendo. E depois sofrem com isso", diz. Autor de um livro homônimo ao de Shelton, o psicanalista norte-americano Michael Eigen associa a luxúria à necessidade de se mostrar dominante. "Tradicionalmente, a ligação da luxúria ao pecado é porque envolve o problema do controle. Como algo que tira alguém de controle, o sentimento pode violar os direitos dos outros", diz. Uma de suas manifestações mais degradantes, por exemplo, seria o estupro. Assim como o psicólogo neozelandês, porém, ele explica que a definição de luxúria é extremamente complexa, passando por questões culturais, sociais, históricas e biológicas. Há uma década, cientistas da Universidade de Wilkes, nos Estados Unidos, decifraram o lado biológico da luxúria. E provaram: pelo menos moderamente, ela faz bem à saúde. Os psicólogos provaram que pessoas que fazem sexo - casual ou não - uma ou duas vezes por semana ganham um reforço poderoso no sistema imunológico. Eles chegaram à conclusão medindo níveis de imunoglobina A, anticorpo encontrado nas mucosas do organismo. Dos 111 participantes da pesquisa, os que afirmaram fazer sexo nessa dosagem tiveram um incremento de 30% nos níveis do antígeno, um dos mais eficientes contra a gripe. Ao mesmo tempo, porém, quando a frequência aumentou para três ou mais vezes semanais, a taxa de imunoglobina A foi menor que a dos celibatários. "Acho que as pessoas inseridas nesse grupo de sexo muito frequente podem ser obsessivas ou estar envolvidas em relacionamentos pobres, o que causa a elas uma quantidade grande de ansiedade. E o estresse faz o antígeno cair", palpita um dos autores da pesquisa, o psicólogo Carl Charnetski. Ou seja, como pregava São Tomás de Aquino, excesso de luxúria não faz bem a ninguém. » Enquete O Correio perguntou aos internautas qual é o mais grave dos sete pecados capitais. Confira o resultado: Inveja 36,40% (83 votos) Ira 17,98% (41 votos) Soberba 14,04% (32 votos) Preguiça 10,96% (25 votos) Avareza 10,53% (24 votos) Luxúria 7,02% (16 votos) Gula 3,07% (7 votos)

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