postado em 14/01/2010 07:00
Por volta de 3.500 a.C., os mesopotâmicos tiveram uma ideia que mudaria os rumos da humanidade: a criação da roda. De lá para cá, o conceito da peça não mudou, mas a necessidade de mais versatilidade e mobilidade em terrenos difíceis sempre esteve presente. Agora, um brasileiro está prestes a reinventar uma das maiores descobertas da história. Osmar Vicente Rodrigues, professor de desenho industrial da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru, desenvolveu uma roda capaz de mudar de formato de acordo com o terreno, superando com mais facilidade lama, areia, buracos e pedras. ;A possibilidade de controlar a área de contato e a pressão sobre a superfície é o que diferencia essa roda de todas as outras usadas nos últimos anos;, resume Rodrigues.
A peça foi batizada de Pumplon Wheel ; em português, o pesquisador prefere chamá-la de ;roda fora de estrada;. O termo pumplon, fusão das palavras pumpkin (abóbora, do tipo moranga) e melon (melão), dá uma ideia do seu funcionamento. ;São as duas formas extremas que a roda pode assumir;, explica o pesquisador. Com diâmetro máximo e largura mínima, a roda fica no formato de moranga. Ela ganha sua forma mais estreita e enfrenta melhor terrenos lamacentos, pois aumenta a pressão de contato com o solo.
;É importante saber que lama não é tudo igual;, pontua Rodrigues. Segundo o pesquisador, se ela estiver muito úmida, será preciso que a roda funcione como uma faca. ;Ou seja, precisa ser bem estreita, para que a pressão de contato seja maior;, ensina. Já se o lamaçal for mais seco, a roda deve ser mais larga, para permitir a flutuação. O mesmo raciocínio vale para a areia.
O formato inverso (diâmetro mínimo e largura máxima) é chamado pelo inventor de melão. Com essa configuração, a roda se torna excelente para enfrentar terrenos de areia fofa e, em caso de enchente, até flutuar na água. ;O formato mais largo da roda também tem um impacto mínimo no terreno, evitando, assim, a erosão do solo ou a compactação;, completa Rodrigues.
O segredo da Pumplon Wheel está num eixo de aço capaz de se expandir e se retrair, por meio de um mecanismo rotativo, pneumático ou hidráulico. A ele estão conectados aros cuja deformação torna a roda mais larga ou mais estreita. ;O mecanismo interno que permite a alteração da roda é basicamente formado por um eixo axial rotativo e helicoidal, que ao girar permite que as laterais da se aproximem ou se afastem entre si, gerando a mudança na área de contato da roda com o terreno;, explica o pesquisador. O equipamento é à prova de perfurações e oferece propriedades de alta absorção de choque para proporcionar uma viagem mais suave.
A Pumplon foi objeto da tese de doutorado de Rodrigues no Royal College of Art, de Londres, um dos mais renomados centros de pesquisa em design do mundo. O cientista conta que trabalhava com os desafios do transporte de pessoas em áreas irregulares e acabou se envolvendo com a engenharia mecânica e desenvolvendo o projeto. As universidades de Cambridge e Cranfield, também no Reino Unido, se interessaram pelo projeto, já que ele pode ajudar no deslocamento em situações adversas, como a neve. Entretanto, Rodrigues afirma que sua maior inspiração foi mesmo o Brasil, com seus inúmeros problemas de transporte.
Meio rural
Um dos casos avaliados pelo pesquisador é o transporte coletivo rural, particularmente o de cana-de-açúcar no interior paulista. Assim como as chuvas, que, de um dia para o outro, podem interditar uma via de acesso ao canavial, outro inconveniente é a compactação do solo, decorrente do tráfego de veículos pesados dentro da plantação, como tratores e colheitadeiras. ;Com máquinas cada vez maiores e mais potentes, o solo fica compactado e a perda no plantio e na produção pode chegar a 20%;, avalia.
Rouverson Pereira da Silva, professor do Laboratório de Máquinas e Mecanização Agrícola da Unesp em Jaboticabal (SP), foi um dos poucos brasileiros que tiveram contato com o projeto da nova roda e reafirma a ideia de Rodrigues de que o invento teria grande função no meio agrícola. ;Em 2009, São Paulo teve problemas com chuvas e a colheita foi prejudicada, pois não tínhamos como trafegar com as máquinas no solo lamacento e úmido. O prejuízo foi enorme. Com a Pumplon, sem dúvida, a coisa teria sido diferente;, acredita Silva.
Outro fato levantado pelo criador da roda é a precariedade das estradas brasileiras. Cerca de 80% da infraestrutura rodoviária do país está comprometida e os investimentos para reforma e manutenção passam de milhões de reais todos os anos. A Pumplon poderia minimizar o desgaste das estradas, pois deixaria os veículos mais leves. ;A área de contato como o chão e o peso do veículo seriam distribuídos, deixando-o mais leve;, esclarece.
Rodrigues também acredita que a economia de combustível pode ser outra vantagem do invento. ;Ao mudar a forma e o tamanho da Pumplon, o impulso das forças geradas pode ser variado. Rodas maiores, por exemplo, aumentariam o impulso e, assim, o consumo de combustível seria menor, sem afetar a duração da viagem;, explica.
A pesquisa já resultou em três gerações de modelos ; todos desenvolvidos no Royal College of Art ;, nos quais foram testados mecanismos e materiais. Agora, o pesquisador busca financiamento para a construção de dois protótipos. O primeiro vai servir de base para que se faça, além dos testes em laboratório, a modelagem matemática e a simulação por computador do veículo nas suas dimensões reais. ;Isso vai resultar em alterações e aprimoramentos a serem aplicados ao segundo protótipo, que finalmente será testado no campo;, disse Rodrigues. Já Silva acredita que alguma empresa agrícola ou fabricante de pneus devem se interessar pelo invento. ;Seria uma saída promissora para o desenvolvimento do setor agrícola, minimizando perdas. Acredito que algum consórcio se interesse pelo invento.;
Ouça entrevista com Osmar Vicente Rodrigues, inventor da Pumplon Wheel