Ciência e Saúde

Acidentes e traumas são a principal causa da morte de crianças e adolescentes no Brasil

postado em 16/01/2010 09:58

Bernardo ficou 15 dias sem poder pisar no chão porque foi buscar uma bola e caiu do telhado: O pequeno Luís Felipe Alasmar Freddi, 7 anos, não se lembra mais do dia em que escorregou em um piso molhado e deu um grande susto nos pais. Mas as marcas do acidente, que aconteceu há mais de dois anos, ainda perduram e não deixam a empresária Ana Paula Alasmar, mãe do menino, se esquecer da travessura. A criança perdeu dois dentes, teve um terceiro comprometido e precisa de acompanhamento odontológico constante para garantir que a dentição permanente, que ainda não apontou, seja sadia e perfeita. A queda poderia ter sido evitada. ;Foi um grande susto, sangrou muito e tive uma única certeza: seria preciso levá-lo imediatamente a um dentista. Me culpo todos os dias pelo ocorrido. Se o chão estava molhado e escorregadio, eu jamais poderia ter permitido que ele brincasse no local;, admite Paula.

Dados do Ministério da Saúde revelam que as quedas são a principal causa de internação por acidentes entre crianças e adolescentes de 1 a 14 anos no Brasil. A prevenção ainda é um grande desafio no país. Segundo Alessandra Françoia, coordenadora nacional da organização não governamental Criança Segura, 90% dos acidentes seriam evitados, caso as medidas preventivas fossem observadas. ;Não temos a cultura da prevenção. Os responsáveis ainda acham que acidentes com crianças são inevitáveis. Não é verdade. Podemos e devemos avaliar locais que oferecem risco dentro de casa ou na rua. O ambiente seguro, a educação e a observação constante podem, sim, evitar o pior;, garante.

Na infância, a coordenação motora e os reflexos ainda são vulneráveis. Ao cair, a garotada não consegue se defender ou proteger as partes mais sensíveis, como a região da face. A maioria das pancadas na boca provoca inchaços imediatos e muito sangramento devido à vascularização dessa área. Dependendo do tipo e da intensidade do trauma, as lesões afetam os dentes permanentes, que já estão em formação. ;O choque pode promover a fratura da coroa, provocar a intrusão, que é quando o dentinho entra parcial ou totalmente na gengiva, ou ainda a extrusão, quando ele cai com raiz e tudo. O ideal é levar o paciente imediatamente ao dentista. A radiografia deve ser providenciada o mais rápido possível, tanto para que o profissional decida como proceder quanto para o acompanhamento do caso;, explica a periodontista Juliana Cintra.

Restauração

Um dos dentes de Luís Felipe caiu na hora da queda. O outro ficou intruso na gengiva superior. A especialista em dentística Karina Dornas afirma que, em caso de quebra ou extrusão, o ideal é que o dente seja conservado em leite até a chegada ao especialista para uma possível restauração. ;Se a criança for maior e conseguir manter o fragmento na boca, melhor ainda, pois a saliva conserva as células dentárias. Às vezes, o dano na arcada não é registrado na primeira imagem radiográfica, mas depois de um ou dois meses. Por isso, é preciso acompanhar a evolução do caso e as consequências da pancada;, pontua.

Os implantes em crianças não são recomendados para não comprometer a formação da dentição permanente, e a falta de um dos dentes por período prolongado pode causar a inclinação dos vizinhos ou a extrusão dos antagonistas. ;É comum também que, na ausência de um dentinho, a gengiva fique fibrosada pela mastigação. Quando isso ocorre, o dente permanente pode não ter força para romper a gengiva, que precisa ser cortada em um procedimento simples no consultório;, esclarece Juliana.

As duas especialistas contam que os meninos costumam machucar mais a boca do que as meninas. ;O mais importante é que os pais saibam que existem protetores bucais que previnem lesões. A meninada que adora andar de patins ou bicicleta, jogar bola e fazer esportes pode e deve usá-los. Pesquisas americanas revelam que a placa bucal reduz em até 80% o risco de trauma dental;, enfatiza Juliana.

Primeiros socorros

Os dentes não são os únicos a sofrer com as travessuras. Braços, pernas, joelhos e até calcanhares dificilmente saem ilesos à infância. Não raro, um descuido acaba em tragédia. Os acidentes ou lesões não intencionais representam a principal causa de morte de crianças no Brasil ; cerca de 7 mil por ano. ;Os pais e responsáveis precisam estar preparados para prestarem os primeiros socorros. Quando uma intervenção adequada é realizada no momento, antes do atendimento especializado, o risco de morte ou sequela é minimizado. Buscar esse aprendizado é importante, é uma prevenção também;, lembra a coordenadora da ONG Criança Segura.

O socorro imediato é fundamental para o salvamento de crianças que se afogam, sofrem sufocação ou intoxicações. Os afogamentos são responsáveis por cerca de 30% dos acidentes fatais com crianças no Brasil. De acordo com a pediatra Rosa Elisa Strong, o mais importante diante de emergências desse tipo é não perder tempo. ;Se a criança é encontrada sem sentidos, leve-a rapidamente ao hospital, caso não saiba como proceder para reanimá-la. Jamais subestime a capacidade dos pequenos de se recuperar. Já atendi uma criança que chegou praticamente sem vida e conseguiu sobreviver sem sequelas. Mas, infelizmente, o contrário também acontece, e as marcas do acidente ficam para o resto da vida;, alerta.

A médica observa que em caso de fraturas também é importante agir rapidamente. ;As rupturas graves, geralmente, causam deformação no membro atingido. Pegue a criança com o máximo de cuidado possível e a leve imediatamente ao hospital. O mesmo deve ser feito diante de traumas que não deformam, pois o membro pode estar fraturado ou fissurado e isso será constatado apenas com uma radiografia;, explica.

O adolescente Bernardo Carrara, 14 anos, não se esquece dos 15 dias que ficou sem pisar no chão, no verão passado. ;Subi no telhado do ginásio do clube para pegar uma bola e despenquei de uma altura de três metros;, conta o adolescente. Na hora, ele conseguiu levantar e achou que não havia se machucado, mas as dores nas costas e no calcanhar não tardaram. ;Ficamos assustados e levamos ao hospital. Um exame detectou fissuras nos dois calcanhares, um local que não se engessa. A recomendação do médico foi clara: ele não podia andar para não forçar a região comprometida. Imagine a dificuldade para conseguir manter um garoto deitado por duas semanas. Foi complicado, mas graças a Deus ele se recuperou e espero que não se aventure em outros telhados;, diz o funcionário público André Carrara, pai do menino.

A pediatra Rosa Elisa Strong lembra que os pais também devem redobrar cuidados quando os filhos batem a cabeça. Diante de sintomas como vômitos, desmaios e choro intermitente, não deixe a vítima dormir e procure auxílio médico. ;Pancadas muito fortes podem provocar hemorragias, e os pequeninos entram em coma sem que se perceba, se estiverem dormindo. Outra ocorrência comum nessa idade é a intoxicação e o envenenamento. Os pais devem correr para o hospital imediatamente. É importante levar o produto que vitimou a criança para que a equipe médica saiba como proceder;, aconselha.


Prevenção

Afogamento
# Esvazie baldes, banheiras e piscinas infantis depois do uso e conserve a tampa do vaso sanitário fechada.
# Piscinas devem ser protegidas com capas e cercas de no mínimo 1,5m, que não possam ser escaladas, além de portões com cadeados ou trava de segurança
# Enquanto a ajuda não chega, coloque a vítima deitada de barriga para cima. Não dobre ou vire o pescoço do afogado, nem tente retirar água dos pulmões. Se a criança não for capaz de respirar, inicie a respiração boca a boca e a massagem cardíaca

Bicicleta, skates e patins
# O uso de capacete pode reduzir o risco de lesões na cabeça, inclusive traumatismo craniano, em até 85%
# Os pés da criança devem alcançar o chão, e elas devem brincar em locais seguros, como parques, ciclovias e praças, fora do fluxo de carros e longe de piscinas e sacadas
# Em caso de fraturas, compressas de gelo auxiliam a reduzir o inchaço, a dor e a progressão do hematoma. Se houver hemorragia, estanque o sangue aplicando uma bandagem ou pano limpo sobre o ferimento

Intoxicação
# Produtos de higiene, limpeza e medicamentos devem ser mantidos trancados, fora da vista e do alcance das crianças. Remova ou deixe inacessíveis as plantas venenosas
# Em caso de intoxicação, entre em contato imediatamente com o pronto-socorro. Não deixe a vítima sozinha, não provoque vômitos nem ofereça água ou outras bebidas

Quedas
# Escadas, sacadas e lajes não são lugares para brincar. Instale portões de segurança no topo e no pé das escadas e grades ou redes em janelas e sacadas
# Se houver suspeita de fraturas no pescoço e nas costas, espere o socorro ser prestado por pessoas especializadas. A cabeça da pessoa deve ficar apoiada de forma a não cair para trás

Queimaduras
# Não deixe as crianças brincarem na cozinha, principalmente durante o preparo das refeições, nem carregue os pequenos no colo enquanto mexe panelas no fogão ou manipula líquidos muito quentes
# Nada de toalhas de mesa compridas. As mãozinhas curiosas podem puxá-las, causando escaldadura ou queimadura de contato
# O máximo que pode ser feito, antes de levar a criança ao hospital mais próximo, é colocar toalhas secas e muito limpas sobre a região afetada

Fonte: ONG Criança Segura

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