Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Universidade de Brasília mantém o único núcleo do país especializado em ilustração científica

Mesmo com o avanço tecnológico, a técnica continua essencial para o estudo da biologia

Há quem acredite que ciência e arte não andam juntas. Essas pessoas provavelmente não conhecem o trabalho realizado pelo Núcleo de Ilustração Científica da Universidade de Brasília (UnB), o único do país a se dedicar a um dos ramos de pesquisa mais antigos que existem, apesar de pouco conhecido: a arte de retratar, por meio de desenhos e pinturas, espécies de plantas e animais.

Em uma era dominada pela fotografia digital, pode parecer estranho que a atividade ainda resista. ;Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, a fotografia e outros meios digitais ainda não conseguem descrever as espécies com a mesma riqueza de detalhes que existe em um desenho ou pintura;, explica o professor do Instituto de Ciências Biológicas da UnB Marcos Antônio Santos-Silva, coordenador do núcleo, criado há 11 anos.

Ele lembra que a ilustração científica teve origem no trabalho de pesquisadores como Charles Darwin e Leonardo da Vinci, que tinham no desenho a única forma de retratar as espécies que estudavam. ;Muitas vezes, em uma foto, as partes mais importantes não podem ser vistas, e os detalhes menos importantes ficam muito aparentes. A grande vantagem da ilustração é que ela pode retratar as características comuns a toda uma espécie e esconder a individualidade de um animal;, afirma o professor, que recebe pedidos de trabalhos de todo o país. ;Nós produzimos desde desenhos para orientar estudantes de medicina em cirurgias até a representação de espécies minúsculas, como plânctons que vivem na costa brasileira;, conta.

Durante o processo de ilustração, é muito importante lembrar que não se trata de uma expressão individual. ;Nós temos de ter em mente que, se mudamos a direção da antena de algum inseto ou não ficamos atentos à quantidade exata de escamas de um peixe, podemos estar representando uma espécie completamente diferente;, conta o professor. ;Nessas horas, paciência é essencial, não dá para ser ilustrador científico sem isso;, completa.

Como as espécies retratadas são de todos os tipos, a comunicação entre desenhistas e especialistas é muito importante. ;Nós fazemos os primeiros esboços e mandamos para o pesquisador. Ele aponta o que precisa ser modificado e nos devolve. Esse caminho de ida e volta tem de ser feito várias vezes para garantir que a ilustração seja a mais fiel possível;, explica o ilustrador.

[SAIBAMAIS]As técnicas utilizadas dependem da finalidade do trabalho, mas a grande maioria dos desenhos é feita em nanquim. ;Essa técnica permite um trabalho rápido e com muitos detalhes, mais utilizada para fins técnicos, como teses de doutorado, artigos científicos e livros didáticos;, explica o professor. Um trabalho desse tipo demora, em média, de três a cinco dias para ser finalizado.

Quando a finalidade é mais artística, a técnica preferida é a aquarela. ;Essas pinturas são utilizadas principalmente em catálogos de biodiversidade, quando, além de ser importante a representação fiel da espécie, a questão estética também é importante;, explica Santos-Silva. Nesses casos, as obras podem levar até dois meses para serem concluídas.

Terapia
O interesse do pesquisador pela ilustração começou no início dos anos 1990, quando ele cursava doutorado em biologia molecular na Alemanha. ;Como eu estava muito estressado por causa dos estudos, resolvi me matricular em um curso de ilustração científica, meio que por terapia;, lembra. Ao retornar ao Brasil, o professor decidiu oferecer uma disciplina no curso de graduação em biologia. ;A procura foi tão grande que tivemos de fazer um processo seletivo para escolher os alunos. Hoje oferecemos cinco disciplinas para a graduação, abertas a todos os cursos da universidade, e uma para os cursos de pós-graduação;, completa.

Se o professor Santos-Silva fez o caminho da ciência em direção à arte, o estudante Luiz Veras, 22 anos, seguiu a direção oposta. O jovem se interessou pela ilustração científica durante o curso de artes plásticas e teve de aprender anatomia e biologia para se dedicar ao trabalho. ;Ainda na época do vestibular, eu fiquei na dúvida entre biologia e artes plásticas. Agora, tenho a possibilidade de unir as duas áreas;, conta o estudante.

Veras trabalha em um projeto que pretende criar um catálogo das principais espécies de plâncton que vivem na costa brasileira. Na mesa, lápis e papel dividem espaço com um microscópio e material de laboratório. ;Eu boto na placa os plânctons que foram trazidos da costa e fico procurando até encontrar algum em que a característica que preciso retratar esteja mais visível. Assim, em um desenho, eu retrato partes de vários exemplares diferentes de uma mesma espécie;, conta.

O estudante aponta como a principal vantagem do trabalho a possibilidade de aprender sobre os mais variados assuntos. ;Eu já desenhei plantas, animais e partes do corpo humano. Nessas horas, a gente acaba tendo de aprender um pouco sobre o que estamos retratando e isso é muito interessante. Hoje, posso pesquisar o pequi do cerrado e, amanhã, alguma espécie marinha;, conclui.