Cristiana Andrade
postado em 19/01/2010 11:51
Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola é um dos maiores especialistas brasileiros nas discussões sobre o combate às mudanças climáticas. Em entrevista ao Correio, ele afirma que, se os Estados Unidos e a China não se definirem claramente como favoráveis à transição para uma economia de baixo carbono, as discussões em nível internacional podem ficar estagnadas.Passados 30 dias do fim da COP-15, qual a avaliação que o senhor faz sobre o acordo fechado em Copenhague?
Conceitualmente, temos três grandes potências climáticas: Estados Unidos, China e União Europeia. E temos as potências médias: Brasil, Japão, Rússia, Coreia, Indonésia, África do Sul e México. Mas a chave para qualquer tratado vai depender das três maiores. O problema é que uma delas, a UE, é definidamente favorável a diminuir as emissões, mas as outras duas, ainda não. EUA e China mudaram sua posição nos últimos dois anos, mas ainda de forma insuficiente. Os Estados Unidos são um país fortemente dividido, com um terço da população que não acredita na gravidade da mudança climática. A China também é dividida. Começou a criar um segmento de economia de baixo carbono que pode ser uma revolução, mas a meta de reduzir em 40% a intensidade de carbono do PIB até 2020 é muito limitada, já que, continuando a crescer no ritmo atual, os chineses terão, em 2010, 80% a mais de emissões do que em 2005.
Então, qual é o futuro possível?
Que os Estados Unidos mudem e se tornem definidamente promotores da economia de baixo carbono. Se a popularidade do presidente americano Barack Obama for fortalecida e, com isso, ele consiga aprovar a Lei Climática no Senado, será um fato muito positivo, pois os EUA teriam uma proposta definida (ainda que insuficiente) de redução, possibilitando avanços para um tratado global. Caso contrário, acho que a negociação climática pode ficar estagnada por um período significativo. É importante que EUA e China se reorientem aceleradamente para uma economia de baixo carbono.
E a questão do que foi acordado em Copenhague, de manter a elevação da temperatura em até 2; C?
Há vários estudos científicos que mostram que vários países poderão ser seriamente afetados se isso ocorrer. Já temos aumento de 0,8;C. Se houver a elevação em 1,5;C, teremos uma situação muito grave para países vulneráveis (como os chamados países-ilha). No rumo atual, o aumento vai chegar bastante acima de 2;C. Vamos pagar um preço muito alto por causa dos fenômenos climáticos extremos.
O que o senhor acha que de fato ocorreu em Copenhague? Por que não houve acordo vinculante?
Os chineses foram os principais bloqueadores das negociações. Eles impediram que constasse do acordo a redução das emissões totais em 50% e a dos países desenvolvidos em 80% até 2050, para evitar que, no futuro, fossem cobrados a reduzir suas emissões. Na minha opinião, a China se mostrou uma potência nacionalista arrogante, mas ela é muito complexa. Eles sabem que são vulneráveis e desenvolvem uma série de políticas públicas para a economia de baixo carbono. Se os Estados Unidos mudarem, a China vai ter de mudar. É importante considerar também a relação do clima com o desequilíbrio macroeconômico global hoje existente. A China tem um superavit comercial extraordinário e se nega a deixar flutuar o câmbio, o que produziria a valorização de sua moeda. Isso afeta todas as moedas do mundo ; especialmente o real, o euro, a libra [SAIBAMAIS]esterlina e o yen ; e tende a criar uma coalizão antichinesa no plano da economia. E uma situação assim não seria boa para eles. Existem vários fatores que levariam a China a mudar, caso os EUA mudem.
Podemos dizer que a briga é entre China e EUA?
Existe uma rivalidade entre as duas superpotências, mas eles têm uma interdependência muito grande. Então, se houver um conflito maior, vai ser um tiro no pé. Eu acredito que a ONU e suas convenções têm baixa eficácia para resolver problemas globais, porque há 200 países negociando, a maioria deles pouco relevantes ou irrelevantes, e funcionam sob o princípio do consenso. Um grupo menor, como o G-20, tenderia a produzir um acordo mais efetivo, que posteriormente seria referendado pela ONU. Talvez as potências climáticas se reorientem para negociar um tratado nesse espaço.