postado em 23/01/2010 07:02
De um lado, a vontade de ajudar o próximo. Do outro, a possibilidade de proteger o futuro de um filho. A coleta de sangue para o armazenamento de células-tronco tem dois caminhos bem distintos. O primeiro é o da doação. O material recolhido durante o parto vai para bancos públicos e pode ser usado por pacientes de todo o Brasil e do mundo à espera de transplantes de medula óssea ou que sofrem de outras doenças hematológicas. A segunda opção é usada por pais preocupados com a saúde dos recém-nascidos e gera polêmica. Eles guardam em clínicas privadas uma pequena amostra de células embrionárias na esperança de ter o poder da cura no futuro.Antes mesmo de saber se teria um menino ou uma menina, A professora Patrícia Santos Hemétrio, 33 anos, decidiu congelar as células-tronco que poderiam ser usadas por João Gabriel, hoje com 4 meses. Ela viu uma palestra de uma clínica especializada sobre o assunto, durante o curso para gestantes, e estudou durante meses a possibilidade. ;A gente não sabe o dia de amanhã. Tive o apoio da minha família e da minha médica. E é um investimento que não é tão alto e, para mim, vale a pena. Seria bom se todo mundo pudesse fazer isso. Eu recomendo guardar, porque isso pode salvar a vida do seu filho;, afirma.
A única evidência científica do benefício do sangue do cordão umbilical reside no transplante de medula óssea. O procedimento pode ajudar a tratar pessoas que sofrem de leucemias, linfomas, anemias graves, hemoglobinopatias, imunodeficiências congênitas e mielomas múltiplos, além de outras doenças do sistema sanguíneo e imune.
Segundo o hematologista César Leite Sant;Anna, fundador do primeiro Centro de Transplante de Medula Óssea do Centro-Oeste e diretor clínico da Hemovida, as pesquisas para a utilização de células-tronco podem, no futuro, ajudar em terapias para doenças degenerativas, como o Mal de Parkinson e o Alzheimer, mas ele admite que ainda não há certezas. ;Nossa maior procura são de pessoas encaminhadas por obstetras, que querem conhecer melhor todas as etapas da coleta. Algumas, no entanto, desistem do procedimento devido às explicações fornecidas pelos nossos profissionais, pois esperam que tal coleta seja um milagre, o que não é verdade. É apenas uma forma de prevenção;, afirma.
A clínica, com unidades em Brasília e em Goiânia, tem armazenadas, em tanques de nitrogênio líquido, aproximadamente 800 amostras de células-tronco. O procedimento da coleta é simples. Uma enfermeira treinada acompanha o parto e retira uma amostra do sangue do cordão e da placenta. Os dados dos pais e das crianças ficam registrados em um sistema. O material é disponibilizado caso seja necessário. ;Cabe salientar que existe uma limitação do uso de tais células em relação ao peso do indivíduo na época do provável recebimento. A aplicação é limitada a crianças e adolescentes com até mais ou menos 50kg;, explica César Leite.
Sem comprovação
De acordo com Nelson Hamerschlak, médico responsável pela Unidade de Transplantes de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, não existe comprovação de que as células-tronco armazenadas possam ser usadas para alguma finalidade concreta de tratamento. ;Eu não guardaria do meu próprio filho;, revela o especialista. ;Mas também não podemos impedir que a pessoa acredite nessa possibilidade. É uma inferência que não tem evidência. Tem um custo que não é baixo. É o mesmo que aconteceu nos EUA, nos anos 1980: preocupados com transfusões de sangue, por causa da Aids, foram criados bancos particulares para você guardar suas próprias amostras se precisasse no futuro. Até Ronald Reagan aderiu, e o tempo mostrou que isso é totalmente desnecessário.;
Outra desvantagem seria que nem todos podem ser os próprios doadores. Se a criança tiver algum rastro genético de leucemia, por exemplo, ela não vai poder receber o transplante do próprio sangue. Segundo Hamerschlak , as chances são maiores quando as células-tronco são originárias de outras pessoas. ;Sou entusiasta do sangue de cordão, seja ele para criança ou para adultos. Já existem testes mostrando que as células-tronco embrionárias podem ser estendidas para serem recebidas por pessoas com mais de 50kg. A doação é a melhor forma de tratamento, porque, ao aumentar o número de células congeladas, você consegue ampliar as chances de encontrar células para quem realmente precisa;, afirma.
Centenas de transplantes já foram feitos no Brasil por meio do Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Em 2004, foi criada uma rede em todo o país para identificar os possíveis doadores. Existem cinco bancos em funcionamento, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Até o meio do ano, o Hemocentro de Brasília estará apto para coletar doações do sangue de cordão umbilical. ;Esse não é um material que está sendo guardado para o futuro, é para agora. Não é uma aposta no incerto. É uma grande possibilidade para pacientes que não têm outra chance a não ser o transplante. Por ser uma célula jovem, retirada logo no início da vida, ela tem a tendência a ter menos rejeição e tem menos complicação do que os transplantes da própria medula óssea do paciente;, diz Luís Fernando Bolzas, diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do Inca.