postado em 26/01/2010 08:15
Eles vivem juntos e felizes há quase 30 anos. Trabalham, têm dois filhos e levam uma vida como a de qualquer casal. Mas o que torna diferente a história de Célio Rodrigues dos Santos, 51 anos, e Nilza Gomes, 50, é um fato contundente: ambos são deficientes. Nilza é paraplégica e o marido é amputado desde os 19 anos em decorrência de um acidente. Apesar de formarem um casal aparentemente inusitado, garantem que não são exceção: contrariando o imaginário popular, pessoas com limitações físicas podem levar, sim, uma vida sexual ativa.Célio conta que, quando sofreu a amputação, achou que sua vida terminaria ali. Mas a ideia não durou muito. ;Fiz uma lista de todas as meninas da vizinhança; escolhi a mais bonita e consegui conquistá-la. A partir daí, vi que a deficiência não seria problema;, relembra. Hoje, brinca que ele e a mulher se completam. ;O que eu tenho, falta a ela; e ela tem o que me falta;, brinca.
A esposa de Célio, Nilza, conta que a gravidez foi outro desafio vencido. ;Tive duas gestações consideradas de alto risco, mas, seguindo as ordens médicas, tudo deu certo: hoje temos dois filhos lindos.; Sobre a intimidade com o marido, ela garante que ; tomados alguns cuidados ; não há do que reclamar. ;Apesar de terem de ficar atentos com relação a alguns pequenos detalhes, os cadeirantes podem ter uma vida plenamente ativa;, reitera.
Preconceito
A psicóloga do Núcleo de Estudos em Sexualidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Cláudia Bortolozzi Maia fez de seu trabalho de pós-doutorado um estudo sobre a sexualidade de pessoas com deficiência - e ela reitera que a vida sexual dos deficientes não precisa ser menos plena. ;Mas é difícil quebrar a barreira do preconceito, que, muitas vezes, é introduzido pelas próprias pessoas com deficiência, com base em mitos como o de que são assexuadas, infantis, infelizes ou incapazes de uma vida afetiva e sexual;, diz. Para Ana Cláudia, o grande desafio é se adaptar à nova realidade; a partir de então, nada impede que a pessoa com deficiência tenha uma vida sexual ativa. ;Quando percebem que ser diferente não significa necessariamente ser pior nem os impede de viver a sexualidade, conseguem obter prazer;, completa.
A cadeirante Nilza concorda: para ela, a sociedade não enxerga que a pessoa com deficiência também tem desejos e necessidades. ;No momento em que nos tornamos deficientes, para muitas pessoas a nossa sexualidade morre, e parece que a questão do gênero deixa de existir. Um bom exemplo disso são os banheiros públicos. Não há diferenciação para os homens e para as mulheres: é apenas um, como se todos fôssemos iguais;, reclama.
A secretária Michele Silva da Luz, 24 anos, também se orgulha de levar uma vida normal. ;Já fui casada; hoje namoro. Meu ex-marido e meu namorado não têm deficiência;, conta. ;As pessoas criam um preconceito, uma espécie de medo; quando vencemos isso e conseguimos mostrar que somos como qualquer um, as coisas se desenvolvem com mais naturalidade;, explica.
Para ela, o caminho para uma vida normal passa também pela orientação e pela sinceridade entre o casal. ;No início, nos tratam como um objeto que pode ser quebrado; aí, cabe a nós explicarmos como a relação deve ser e que tipo de limitações temos, afinal, qualquer corpo tem limitações;, diz. ;Meu namorado, por exemplo, disse que não sabia como deveria agir. Nessas horas, nada melhor que uma boa conversa. Vencida essa etapa, temos uma vida sexual como a de qualquer casal;, completa Michele.
O educador sexual Fabiano Puhlmann, que trabalha há 15 anos com terapia de pessoas com e sem deficiência, explica que os mesmos conceitos podem ser aplicados aos dois públicos. ;Uma pessoa com esse tipo de limitação física enfrenta os mesmos problemas que qualquer pessoa. Quem nunca experimentou a falta de diálogo em família ou conflitos com relação à aparência e a questões relacionadas à timidez?;, aponta. ;No entanto, algumas destas questões são potencializadas para estes públicos. A superproteção familiar, por exemplo, muitas vezes dificulta os relacionamentos;, explica.
Fabiano, que é autor do livro Revolução sexual sobre rodas, afirma que o tipo de deficiência física não é o que mais conta quando o assunto é relacionar-se: segundo ele, o mais importante é a capacidade que cada um tem de comunicar-se. ;Pessoas com problemas relacionados à fala, por exemplo, têm muito mais dificuldade do que aquelas com problemas de locomoção. Por isso, em muitos casos, o que acaba ocorrendo é a formação de uma espécie de gueto, no qual a pessoa só se relaciona com quem tem um problema semelhante.;
A autonomia também é importante, uma vez que determina o nível de privacidade que cada um tem. ;Aqueles que conseguem ir e vir sozinhos têm maiores chances de desenvolver amizades e namoros, já que há a possibilidade de ficarem a sós com quem quiserem. Já aqueles que têm de estar sempre com algum familiar por perto têm barreiras maiores para vencer;, conclui Fabiano.