[SAIBAMAIS]Entrevista com Cristina Maria Monteiro Machado, pesquisadora da Embrapa Agroenergia, sobre o projeto que avalia matérias-primas para a produção do etanol de segunda geração.
Desde 1975 o Brasil detêm a tecnologia de produção de etanol. Por que só agora se iniciou uma pesquisa como essa?
O Programa do Alcool Brasileiro (PROALCOOL) foi lançado em 1975. Portanto, foi a partir daí que o Brasil começou a produzir e usar álcool de sacarose (o açucar que vem da cana) como combustível. A questão é que o processo de produção de etanol de celulose é significativamente mais complexo do que a produção de etanol de sacarose. Portanto, embora o Brasil tenha domínio da tecnologia da produção de etanol de cana já há muitos anos, o processo de etanol de celulose a custos viáveis ainda não é realidade no Brasil nem no mundo. Embora haja interesse nesse processo há bastante tempo, só mais recentemente, com a crescente conscientização mundial para a importância dos biocombustíveis, seja por questões ambientais ou econômicas (menos dependência dos países produtores de petróleo), os países começaram a investir fortemente no desenvolvimento desses processos.
Quanto tempo vai durar a pesquisa?
O desenvolvimento de processo economicamente viável para a produção de etanol de celulose é um projeto de longo prazo não só para a Embrapa, como para todos que trabalham no tema. Especificamente, esse projeto que estamos iniciando agora é de quatro anos, ou seja, será concluído no início de 2014. Mas os objetivos do projeto estão mais ligados à construção de uma base sólida para compreensão do processo, que trará impactos no futuro desenvolvimento de rota(s) tecnológica(s) : matérias-primas identificadas, caracterizadas e selecionadas quanto à sua composição e estrutura para o processo de etanol de celulose e um maior entendimento da relação dos insumos e variáveis de processo envolvidas.
Há empresas privadas trabalhando na pesquisa de etanol de segunda geração?
Sim, tenho conhecimento de empresas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão trabalhando na produção de insumos (como enzimas, por exemplo) ou no processo como um todo. Mas é importante dizer que, se não todas, a grande maioria dessas empresas conta com apoio financeiro estatal, uma vez que o desenvolvimento de biocombustíveis de celulose é extremamente caro mas estratégico para todos os países. No Brasil temos algumas empresas trabalhando nesse processo, além da Petrobrás.
Quais são as matérias-primas que têm mais potencial para produzir o etanol de segunda geração? Quais as vantagens e desvantagens dessas matérias?
Quando se fala de etanol de segunda geração, está se falando de etanol produzido da biomassa lignocelulósica. A biomassa lignocelulósica é derivada principalmente: dos produtos e dos subprodutos da floresta e da indústria da madeira, dos resíduos e co-produtos celulósicos agrícolas e agroindustriais, das culturas celulósicas energéticas. No nosso projeto, estamos estudando quatro grupos de matérias primas: bagaço e ponteira de cana-de-açucar (que é um resíduo agroindustrial), gramíneas forrageiras tropicais (Braquiaria, Panicum e capim elefante) (culturas celulósicas dedicadas), sorgo (cultura celulósica dedicada) e resíduos florestais, cuja escolha foi baseada na sua importância atual ou potencial como fonte de lignocelulose no Brasil. Qualquer uma delas tem suas vantagens e desvantagens, que serão analisadas no projeto. Embora o uso de resíduos e co-produtos pareça ser mais viável no curto prazo, uma vez que não haveria custo de produção de matéria-prima, problemas relacionados à logística, como coleta e transporte deverão ser resolvidos e representam um grande gargalo ao seu uso mais amplo. Já o uso de culturas plantadas exclusivamente para a produção de biocombustíveis (culturas celulósicas dedicadas) tem como desvantagem a necessidade de serem plantados, e portanto, custos de produção agrícola agregados ao processo e como vantagens o fato delas poderem ser melhoradas para maior produtividade e para possuírem características de composição e estrutura desejáveis ao processo, contribuindo, inclusive, para a sua simplificação e diminuição de custo. Além disso, o melhoramento para aumento da tolerância a estresses bióticos (ataque de insetos, por exemplo) e abióticos (falta de água, por exemplo) possibilitaria a produção dessas culturas em áreas marginais normalmente não adequadas na produção de alimentos.
Atualmente o bagaço da cana-de-açúcar tem sido a matéria-prima mais utilizada na produção de etanol de segunda geração? Por quê?
No Brasil os esforço tem sido focados na produção de etanol de bagaço de cana especialmente por causa da grande disponibilidade desta matéria-prima. O volume desse subproduto representa cerca de um terço da produção de cana-de-açúcar. Atualmente esse material é aproveitado principalmente para gerar energia elétrica, por meio de sua queima nas próprias usinas, mas com o desenvolvimento de etanol de celulose ele poderia ser usado na produção de etanol.