postado em 08/02/2010 08:00
Tenho 27 anos e tenho dismorfia corporal desde cerca os 8 anos de idade. Quando eu tinha 5 anos uma tia que morava comigo dizia que eu era muito feia quando nasci, que eu parecia um sapo porque nasci prematura. Também havia um amigo do meu irmão que tinha uma irmã que estudava comigo no jardim. E lembro que ele me chamava de feia e eu começava a chorar. A psicóloga explicou que como pessoas do meu convívio falavam que eu era feia, e com a idade que eu estava a minha personalidade ainda estava em formação. Então parei de me ver como eu era e comecei a me ver como os outros falavam. Aos 8 anos ou- me lembro um dia que fui ao banheiro e quando me olhei no espelho comecei a chorar. Meu pai veio ver o que estava acontecendo e eu falei em meio as lágrimas "eu sou feia". Foi quando comecei a fazer terapia. Fiz cerca de dois anos de terapia. Em nenhum momento a psicóloga falou para meus pais que se tratava de Dismorfia Corporal. Talvez nem ela soubesse.
Depois dos meus 15 anos sempre me falavam pra eu entrar em uma agência de modelo porque eu tinha corpo para isso. Tenho 1.77 de altura, 60 kg, pele clara e olhos verdes. Sou descendente de italianos. De tanto falarem mas eu me ver muito feia para ser modelo, resolvi aos 19 entrar para uma agência, já que assim eu poderia descobrir o meu valor e ver uma beleza em mim que eu não conhecia até então. Não deu certo. Fiz dois books em duas agências diferentes, mas eu já fazia as fotos sem confiança. Então o resultado das fotos era o reflexo de como eu me via e não de como eu era. Rasguei praticamente todas as fotos.
Aos 21 anos voltei a fazer terapia. Foram 6 meses de terapia toda semana. E mais uma vez eu achava que não estava chegando a lugar nenhum. Acabei arranjando um emprego e larguei a terapia novamente.
Foi quando comecei a ter distimia (sentimento de tristeza contínuo por mais de 2 anos) e não sabia. Achava normal me sentir triste já que a vida não é um mar de rosas pra ninguém.
Apesar de todos dizerem que eu era bonita, aquilo me parecia um consolo. Quando as pessoas diziam que eu tinha uma beleza exótica, aquilo pra mim era uma forma diferente de dizerem que eu era feia. A gente cria as coisas na nossa cabeça.
Quando eu ia a alguma festa, achava que todos reparavam na minha "feiúra". Se eu via que alguém estava me observando nunca achava que a pessoa estava me achando bonita. Logo pensava que estava pensando "nossa, como ela é extremamente feia, nunca vi algo igual".
Sou publicitária e deveria entender que o papel da mídia é esse mesmo, de impor um padrão de beleza. O corpo perfeito, o cabelo perfeito, a pele perfeita, tudo para gerar vendas. Mas apesar de saber na teoria, na prática isso não acontecia.
Aos 24 anos decidi que eu ia mudar essa visão que eu tinha de mim. Comecei a cuidar de mim, sempre me arrumando, me maquiando para me sentir bonita. E assim foi dos 23 aos 26 anos. A insatisfação comigo passou para a insatisfação com o mundo. Eu pensava na desigualdade social da minha cidade e de outros países. Nos maus-tratos aos animais domésticos e selvagens. Na destruição das florestas e assim por diante. Eu tomava as dores do mundo. Eu já estava com depressão e não sabia. Achava que a vida era difícil pra todo mundo. Pra quem não é? Começou a ser difícil pra levantar da cama e trabalhar e também deixei de sair de casa aos finais de semana.
Eu lembro quando eu não conseguia mais tomar banho. Muita gente acha que a pessoa com depressão tem preguiça. Preguiça porque ela não toma banho, porque ela não sai de casa, porque ela não vai trabalhar. Preguiça é falta de vontade, desleixo, descaso, sem disposição. Depressão é você querer fazer, e você não conseguir nem tentar, não se tem mais forças. É o desânimo, a desesperança.
Você quer tentar tomar banho. Mas você não consegue nem levantar da cama e ir à porta do banheiro. É como entregar os pontos. Você lutou pela sua vida até os 45 minutos do segundo tempo e não quer a prorrogação.
Eu rezava todas as noites para ter força para levantar o outro dia e trabalhar. Todos os dias eu chorava pois via que eu estava no meu limite. De ter tentado até o fim das minhas forças e não ter conseguido. Eu já tinha conversado com os meus pais e colocada toda a situação. Além de eles já conhecerem essa história desde quando eu era pequena. Mas eles não conseguiam entender. É como uma pessoa com anorexia. Ela pode tentar te explicar de todas as formas de que ela se vê gorda. Você tenta entendê-la, mas é difícil aceitar que uma pessoa tão magra, ao ponto de se ver os ossos dizer que se vê gorda. E comigo era assim. Só que ao invés de me ver gorda eu me via feia. Um feia extremo que me deixava desfigurada. Ao me olhar no espelho eu via olhos muito grandes e saltados, um nariz que não combinava com o meu rosto. Dentes muito tortos e desalinhados, olheiras profundas e muitas manchas (sardas) no rosto.
Em junho de 2009 comecei a procurar na Internet os tipos de transtornos psicológicos que existiam. Tinha que ter alguma explicação para tudo isso. Li de problemas do sono a esquizofrenia. Foi quando cheguei ao "Transtorno Dismórfico Corporal" e me vi descrita em cada linha.
Poucos dias depois eu estava no serviço com uma angústia muito forte. Vi que eu precisava de ajuda. Liguei para uma psicóloga que tinham me indicado há 2 anos atrás e, segurando a voz de choro, marquei uma consulta para o final da tarde.
Não consegui mais trabalhar. Eu só chorava e pedi para que meu chefe me dispensasse aquele dia. No final da tarde fui até o consultório e a psicóloga logo falou que eu tinha Dismorfia Corporal. Me senti mais aliviada em saber que pela primeira vez um profissional sabia o que estava falando. Ela me encaminhou para o psiquiatra já que eu estava visivelmente com depressão. O psiquiatra me afastou uma semana do trabalho e comecei a tomar Citalopram 20 mg. Junto com a medicação comecei a fazer terapia cognitiva. As sessões de terapia me faziam refletir. Em vez de ela argumentar, ela me questionava, devolvendo uma pergunta para os meus argumentos e que me faziam refletir se a minha forma de pensar tinha mesmo fundamento. A medicação que eu estava tomando não estava fazendo o efeito esperado e acabei piorando. O psiquiatra trocou minha medicação de Citalopram 20 mg para Procimax 40 mg. Comecei a ter dias mais tranqüilos, sem aquela angústia. Algo que eu não sentia há anos.
Um dia (2009) fui ao dermatologia e falei "quero tirar essas manchas do rosto" (que na verdade são sardas clarinhas). O dermatologista não questionou e me passou uma pomada (ácido) para o rosto. Passava todo dia, a pele do meu rosto trocou toda, ficou vermelha porque a pele nova era muito sensível. O resultado? As sardas não saíram nem ficaram mais fracas. Tenho sardas nos braços, no colo, nas costas e no rosto. Nada muito chamativo, mas que me incomodam.
Apesar de ainda não me ver diferente, sabia que com o tratamento psicológico um dia eu me olharia no espelho e ia me ver como realmente eu sou. As sardas não iam sair, nem meu nariz ia mudar, mas eu ia aceitar eles.
Nas vezes que procurei sobre dismorfia corporal na Internet, só encontrei matérias sobre o assunto mas nenhum blog de alguém que tivesse essa doença. Ao contrário da Anorexia que existem muitos blogs, até mesmo de meninas que acham que anorexia é um estilo de vida. Foi ai que decidi que eu faria um blog contando a minha história, o meu dia a dia, assuntos relacionados a dismorfia corporal, livros a respeito do assunto, outras celebridades ou anônimos com o mesmo caso. O blog não chega a ser uma válvula de escape para mim. Gosto de ver que outras pessoas que também tem dismorfia corporal quando encontram o blog se sentem mais aliviadas em ver que não são as únicas que passam por isso. Recebo email de pessoas que falam que também tem dismorfia, mas que não deixam comentários nos posts do blog. É um tanto difícil ainda quebrar paradigmas e falar sobre os nossos medos.
Morei em Santa Catarina desde quando nasci. E sempre achei que no Sul há uma cobrança maior de beleza que no restante do país. Como para a minha profissão Rio de Janeiro e São Paulo possuem um campo de trabalho melhor, uni as duas coisas e me mudei em janeiro de 2010 para o Rio de Janeiro.
Aqui é como se fosse uma nova vida. Uma nova chance de tentar mudar tudo. Continuo com o tratamento aqui no Rio.