Ciência e Saúde

Pesquisador identifica que emissão de gás carbônico está tornando a água dos oceanos mais ácida

Poluição coloca em risco a vida das espécies que vivem no fundo do mar. A área mais afetada é a Antártica

Paloma Oliveto
postado em 09/02/2010 11:41
A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera não afeta apenas a temperatura do planeta, mas está transformando os oceanos drasticamente. A constatação é do biólogo marinho Jim McClintock, professor da Universidade do Alabama em Birmingham (UAB), que pesquisou, no fundo do mar, as alterações provocadas pelo excesso de dióxido de carbono. O renomado cientista, conhecido mundialmente por suas incursões na Antártica, onde passou duas décadas estudando as espécies marinhas, alerta que algumas poderão ser extintas.

De acordo com McClintock, os oceanos são um enorme tanque para o dióxido de carbono lançado na atmosfera. Ao serem emitidos, os gases de efeito estufa são absorvidos em parte pela água marinha e, por causa de um processo químico, os íons de hidrogênio acabam deixando o oceano mais ácido. ;Existem dados pontuais que comprovam um aumento da acidez dos oceanos, e isso está diretamente relacionado ao aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Isso é incontestável;, afirma em entrevista ao Correio. ;As consequências para muitos dos organismos que chamam a água de lar são profundas;, diz.

Para medir a acidez, os cientistas observam os níveis de pH na água. Quanto menor a medida, mais ácido é o líquido. Segundo o pesquisador, dados coletados desde a era pré-industrial indicam que o pH médio dos oceanos baixou de 8,2 para 8,1, com um declínio de mais 0,4 ponto no fim do século, justamente quando a concentração de gases de efeito estufa aumentou na atmosfera. Para se ter ideia, 0,1 de mudança no pH pode deixar as águas oceânicas 10 vezes mais ácidas, o que tira de muitos organismos marinhos a habilidade de produzirem as conchas que os protegem, além de causar uma bagunça na cadeia alimentar do fundo do mar.

Segundo McClinton, que coletou com outros três autores do estudo dados precisos sobre a acidez do oceano, as alterações verificadas no pH marinho são um problema particular para a Antártica, o continente congelado. ;O Oceano Ártico é o maior tanque global para o dióxido de carbono. Além disso, há fatores únicos na região que podem acarretar na redução da variedade dos abundantes minerais dissolvidos na água do mar polar, que são usados por invertebrados marinhos para fazer suas conchas protetoras;, revela. ;Além do mais, o aumento na acidez da água do mar pode literalmente começar a engolir o exterior da superfície das conchas dos mariscos, caracóis e outros organismos calcificados, o que poderia destruir as espécies ou, ao menos, torná-las mais vulneráveis a novos predadores;, completa.

Erosão em conchas
Outro estudo conduzido recentemente por McClintock com um time de pesquisadores da UAB mostrou que conchas de invertebrados marinhos da

Antártica mortos há pouco tempo apresentavam erosões evidentes e significativa perda de massa com menos de cinco semanas, depois de expostas a condições de acidez simulada. O cientista diz que a acidificação pode ainda ter impactos negativos para a produção pesqueira, com a extinção de moluscos e crustáceos. Ele acrescenta que o potencial de perda da população marinha pode alterar ainda mais a cadeia alimentar dos oceanos e produzir efeitos ruins para as indústrias que dependem de substâncias encontradas no fundo do mar.

Todas as mudanças ocorridas nos oceanos são drásticas para a fauna marinha porque, segundo McClintock, os organismos que vivem nos oceanos demoram muitos períodos ; séculos e, às vezes, milênios ; para se adaptar naturalmente aos novos ambientes. ;Mas a acidez dos oceanos tem ocorrido tão rápido que algumas espécies podem não conseguir essa adaptação, a não ser que haja uma inversão na tendência do aumento das emissões de dióxido de carbono na atmosfera;, alerta.

Poluição coloca em risco a vida das espécies que vivem no fundo do mar. A área mais afetada é a AntárticaTrês perguntas para James B. McClintock, biólogo marinho

Há muito ceticismo, mesmo entre cientistas, a respeito do aquecimento global. O senhor acredita que as mudanças verificadas nos oceanos podem provar, definitivamente, que o clima está passando por uma transformação anormal?
A acidificação providencia evidências diretas que a quantidade de dióxido de carbono antropogênico (produzido pelo homem) na nossa atmosfera está se elevando a níveis que têm como consequência o aumento incrível de ácido nos oceanos. O dióxido de carbono é um gás de efeito estufa bem conhecido, que tem efeitos reportados sobre o aquecimento global. A acidificação dos oceanos providencia outra linha de evidência de que o homem está colocando muito dióxido de carbono na atmosfera. Embora, nas eras geológicas, tenha havido alterações na acidez dos oceanos, o que faz a descoberta atual assustadora é que isso vem, agora, ocorrendo de forma muito rápida, e muito mais rapidamente do que a maior parte da vida marinha poderia esperar para conseguir se adaptar. Por exemplo, para conseguir crescer, produzir sua prole e, em casos extremos, mesmo sobreviver.

O aumento da acidez nos oceanos pode extinguir algumas espécies marinhas? Isso já vem ocorrendo? Qual é a consequência para os seres humanos?
Embora haja evidências de que, sob condições de acidificação, alguns organismos recobertos por conchas tenham sofrido nas últimas décadas erosão dessas conchas, até agora eu não conheço espécies documentadas que entraram em extinção devido exclusivamente à acidez oceânica. As conclusões da acidificação para humanos podem incluir tanto a perda da biodiversidade marinha (isso inclui algas e invertebrados que possuem substâncias anticancerígenas, para o tratamento de HIV/Aids, viroses, fibrose cística etc., ou que servem como agroquímicos), quanto a perda de recifes de corais que providenciam um importante habitat para pescadores, além do turismo, e, finalmente, a perda de espécies fundamentais para a piscicultura, como ostras e mariscos.

É possível reverter os danos? O quão ruim está a situação atualmente?
Infelizmente, embora ainda seja possível reverter a acidez ao se reduzir a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, o oceano é um tanque tão grande para essa substância que poderia levar milênios para que os mares retornassem a seus níveis normais de pH. Portanto, apesar de a situação não ser tão ruim neste exato momento, em um período muito pequeno de tempo ; décadas ou em poucos séculos ; o oceano pode ter chegado a um nível de acidez tão grande que seriam necessários milhares de anos para corrigir o problema.

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