Muita dor, impotência absoluta e pânico. A descrição feita pela cabelereira Ednalva Moreira Silva, 40 anos, em relação ao que sentiu durante uma cirurgia de redução dos seios é breve. Mas a situação vivida há quase uma década lhe pareceu eterna. Depois de receber uma anestesia geral, a paciente fechou os olhos, ficou imóvel, mas não perdeu a consciência e sentiu todas as dores da operação. ;Fiquei totalmente imobilizada, não conseguia falar ou expressar de alguma forma o meu desespero. A dor era dilacerante, tentei desesperadamente abrir os olhos, mexer meu corpo, me fazer ouvir, mas foi em vão. Escutava tudo que os médicos diziam, mas eles sequer desconfiaram da minha agonia. Minha aflição e dor foram tamanhas que sofri uma arritmia cardíaca. Aí sim, perdi os sentidos;, relata. Ao acordar e revelar o ocorrido ao cirurgião, Ednalva precisou entrar em detalhes dos diálogos mantidos pelos médicos durante a operação para que ele acreditasse no que ela havia passado.
O que ocorreu com a cabelereira é extremamente incomum. Estudos da Comissão Conjunta de Aprovação de Organizações de Assistência Médica (Joint Adoption of Healthcare Organizations) sugerem que dos 21 milhões de pacientes que recebem anestesia geral todos os anos, apenas cerca de 1,4 mil ou 0,006% são vítimas da consciência anestésica ou transoperatória. No entanto, receio, fragilidade e insegurança são sensações corriqueiras e bem conhecidas por aqueles que precisam ficar, ainda que por pouco tempo, sob o efeito de anestesias.
Já os médicos são unânimes: os métodos anestésicos estão a cada dia mais seguros, os riscos são baixos e os incidentes, raros. As dúvidas, porém, ficam no ar. Afinal, esse ferramenta da medicina coloca em risco a saúde e a vida dos que são submetidos a ela?
Diariamente, são realizadas no Brasil cerca de 10 mil cirurgias que demandam algum tipo de anestesia. As mais usadas em procedimentos cirúrgicos são a geral ; que induz ao sono, tira a dor, promove a analgesia e bloqueia a musculatura ; e as espinhais, também conhecidas como raquidiana ou ráqui e peridural, cujos anestésicos agem localmente. Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), o médico Carlos Eduardo Nunes admite que os pacientes temem mais a anestesia do que o próprio procedimento. Porém, destaca que ela é a primeira etapa do processo cirúrgico. ;O desconhecido amedronta. Soma-se a isso o fato de a pessoa anestesiada não ter o controle da situação, tornando-se mais vulnerável ainda ao medo;, diz.
Problemas
Segundo o anestesiologista, essa apreensão é natural, principalmente quando associada ao conhecimento de casos raros e isolados que tenham sido fatais. ;Infelizmente, eles acontecem. Toda cirurgia envolve riscos. No entanto, é importante entender e reforçar que o percentual de incidentes é baixíssimo. O problema é que, quando eles ocorrem, são graves e muito perigosos;, reconhece.
Estudos sugerem que o índice de complicações gira em torno de 0,2% a 2%, incluindo as reações menos graves como azias, vômitos e dor de cabeça. O avanço tecnológico e os anestésicos disponíveis atualmente permitem o monitoramento preciso do paciente, o que vem reduzindo o número de fatalidades ao longo dos anos.
;A anestesia geral é a mais temida, mas o paciente anestesiado com a peridural ou ráqui também está exposto a intercorrências como queda de pressão, complicações neurológicas ou absorção massiva do organismo pelo anestésico injetado;, esclarece. As anestesias regionais são depositadas perto dos nervos, enquanto que as gerais são administradas pela veia ou pela respiração. A escolha do método leva em conta o tempo, o tipo de operação e as condições físicas e emocionais do paciente.
As complicações sérias relacionadas à anestesia geral são as respiratórias e cardiovasculares. Segundo anestesiologistas, o choque anafilático, sempre temido pelos pacientes, é incomum e impossível de se prever. O presidente da SBA explica que não existem maneiras de testar se os anestésicos desencadeiam ou não processos alérgicos nos indivíduos. ;Por outro lado, quando isso acontece, é possível remediar. Reações alérgicas são perigosas em qualquer momento da vida, mas quando se está dentro de um centro cirúrgico elas podem ser controladas imediatamente. Estamos ao lado assistindo o paciente, preparados para socorrer um incidente dessa natureza;, garante.
O choque anafilático é o grau máximo da reação alérgica. A vítima tem todos os vasos sanguíneos dilatados, a pressão cai e os brônquios se contraem, dificultando a respiração. O tratamento consiste em manter o acesso às vias aéreas, por meio de um tubo de respiração, e hidratar o corpo com substâncias que façam os vasos contraírem, além de injetar antialérgicos na veia.
Ainda segundo o anestesiologista, outra ocorrência muito rara, conhecida como hipertermia maligna, pode acometer pacientes em decorrência de anestesias. Os principais indicadores do problema são a intensa rigidez muscular, o aumento de temperatura corporal e a instabilidade cardíaca. ;Ela é mais grave que o choque anafilático e difícil de tratar. A evolução é rápida e a temperatura do paciente sobe a uma velocidade de 1 grau a cada 5 minutos. No entanto, é uma doença de fundo genético. Um teste que consiste na retirada de um pedaço de músculo comprova se a pessoa é ou não portadora do gene que provoca a disfunção;, acrescenta Nunes.
Para o anestesiologista Luiz Morganti Leite, a execução técnica do processo anestésico é mais simples do que a escolha da anestesia para cada caso. ;A conversa com o paciente é importantíssima, pois a indicação adequada depende de fatores como idade, sexo, profissão, patologia e a cirurgia em si. É preciso conhecer o paciente e estar ciente dos objetivos do cirurgião que está frente ao procedimento;, reforça.
É função do anestesiologista controlar pressão arterial, ritmo cardíaco, respiração, oxigenação do sangue, temperatura e outras funções vitais do paciente. ;O que se busca é o conforto durante o período em que o paciente está anestesiado, com as funções respiratórias e cerebrais resguardadas e um pós operatório sem dor ou qualquer incômodo, seja ele febre ou náusea;, ressalta Leite.
Ouça trecho da entrevista do médico Carlos Eduardo Nunes, presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia: