Paloma Oliveto
postado em 14/02/2010 11:53
Quando a professora canadense Debbie Watters descobriu que tinha câncer de mama, em 2002, a primeira coisa que passou por sua cabeça foi como dar a notícia aos filhos. Mãe de Haydn, à época com 7 anos, e Emmet, 8, ela decidiu, com o marido, Shawn, que falaria com eles da forma mais honesta possível. Debbie procurou nas lojas um livro que a ajudasse a conversar sobre câncer com as crianças. A busca foi em vão. O jeito foi inventar, sozinha, uma forma de dizer a verdade sem chocá-las.A solução encontrada pela professora foi fazer uma festa de ;despedida do cabelo;. Vinte amigos íntimos e familiares foram convidados para a comemoração, realizada no jardim da casa de Debbie. Como sabia que faria quimioterapia e que seus cabelos cairiam, a ideia da professora era criar nos filhos uma impressão positiva em relação à sua futura aparência. ;Achei que, se minhas crianças vissem que todos meus amigos achavam ok o fato de eu estar careca, elas também encarariam isso tranquilamente;, afirmou Debbie à publicação mensal do Juravinski Cancer Centre Foundation, organização canadense voltada à pesquisa sobre câncer, onde a professora fez o tratamento.
Uma das convidadas foi a fotógrafa Sophie Hogan, amiga de Debbie. Todos os momentos da ;festa da careca; foram registrados. Shawn, Emmet e Haydn entraram na brincadeira e também passaram a máquina na cabeça. A família inteira deu adeus aos cabelos. Ao ver as imagens, ela teve uma ideia: se as fotografias ajudariam seus filhos a lidar com o tratamento, elas também poderiam ser úteis a outras crianças que passam pela mesma situação. Na hora, resolveu escrever um livro infantil sobre a fase que enfrentava. Foi assim que surgiu Aonde foi parar o cabelo de mamãe? A jornada de uma família no combate ao câncer, editado no Brasil pela Callis.
Debbie e Sophie passaram a registrar todo o tratamento. Mesmo no hospital, fazendo exames ou quimioterapia, ela era clicada. Para falar com o público infantil ; com o qual está familiarizada, já que trabalha com turmas de alfabetização ;, a escritora optou por narrar sua trajetória sob a perspectiva dos dois filhos. Quando terminou o tratamento quimioterápico, Debbie fez outra festa. Desta vez, para comemorar a volta do cabelo. É uma história com final feliz.
Foi por acaso que a coordenadora editorial da Callis, Miriam Gabbai, descobriu o livro de Debbie Watters. Ela tinha uma visita marcada com um editor que se atrasou e resolveu olhar as publicações da editora ao lado. ;Me deu um nó na garanta. Comecei a pensar como devia ser difícil para a criança saber que os pais estão com câncer. Eu nunca tinha parado para pensar sobre isso;, conta. Mesmo achando que seria complicado comercializar o livro, ela resolveu trazê-lo para o Brasil. ;As pessoas ainda têm muito preconceito com o câncer, evitam até falar o nome da doença;, diz Miriam. ;Mas resolvemos dar a elas essa opção, uma sugestão de como tratar o assunto.;
Inclusão
Psiconcologista e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz aconselha que todos os pais façam como Debbie Watters e conversem com os filhos sobre o câncer, por mais doloroso que pareça o processo. ;O câncer ainda gera um impacto grande nas pessoas. As primeiras palavras que vêm à cabeça são morte e sofrimento;, reconhece. ;Tenho muitos pacientes que escondem de todo mundo. Mas isso gera uma solidão enorme. Os que optam por compartilhar com a família se sentem melhor;, diz.
De acordo com a terapeuta, esconder a doença da criança pode fazer com que os pequenos se sintam excluídos e mesmo culpados. A oncologista Luci Ishii, presidente da Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (Abac Luz), concorda. ;A criança pode fantasiar. Já teve um caso que uma menina pensou que o cabelo da mãe tinha caído por causa dela. Ela disse: ;Fiquei com raiva da minha mãe porque ela não me deu um doce e eu torci para acontecer uma coisa ruim com ela;;, relata a médica.
Luciana Holtz recomenda que os pais falem a verdade com os filhos e com toda a comunidade que os cerca, principalmente os professores. A especialista explica que não é preciso entrar em detalhes com as crianças, mas contar a elas que há uma doença na família e quais as consequências que virão. ;A mãe pode dizer que está doente, por isso vai tomar remédio, que o cabelo vai cair, mas vai crescer depois. Tem crianças que pedem para a mãe usar peruca, outras pedem para não usar porque gostam de passar a mão na cabeça da mãe;, conta a psiconcologista.
Os longos cabelos louros de Ana Paula Guerra Nogueira, 38 anos, eram a paixão da filha mais nova, Suewa, 5. ;Eu sou a Barbie dela;, brinca a empresária de Rondônia. Porém, devido a um câncer de mama descoberto no ano passado, ela teve de dar adeus às madeixas. No dia em que soube que tinha um tumor maligno, Ana Paula conta que logo se preocupou com crianças. ;A primeira coisa que pensei foi nos meus filhos. Tenho dois para criar. Dá um desespero, mas depois a gente vai se acalmando;, diz. Ela também é mãe de Sidney, 9 anos.
A cirurgia e o tratamento foram feitos na capital paulista. No dia da operação, ela pediu que o marido levasse as crianças ao hospital para explicar a elas o que estava acontecendo. ;Nunca menti para os meus filhos. Falei: ;A mamãe está dodói e vai fazer um tratamento longo;;, conta. Quando teve início a quimioterapia, os cabelos de Ana Paula começaram a despencar. ;Eu já estava preparada para isso. Raspei a cabeça e coloquei uma peruca igualzinha;, diz. Os filhos, porém, não sabiam que ela estava careca. ;Enganá-los estava me dando muita agonia. Eu sempre tive liberdade total com eles e nunca tranquei a porta do banheiro mas, por causa da peruca, tinha de trancar quando tomava banho. E eles ficavam perguntando o porquê;, relata.
Um dia, a empresária resolveu chamar os dois para uma conversa franca. ;Expliquei que, para ficar boa, tive de fazer um tratamento e que por causa dele o cabelo caiu. Mas também lembrei que ia crescer de novo;, conta. Quando tirou o turbante, Suewa ficou com os olhos cheios de lágrima. ;Eu disse a ela que a mamãe não estava linda, mas que o cabelo ia voltar.; A resposta do filho mais velho foi surpreendente. ;Ele me disse: ;Você está linda igual a antes;. Desabei de chorar;, recorda Ana Paula. Assim como Debbie Watters, quando terminou o tratamento e viu o cabelo voltar a crescer, a empresária fez uma festa.
Aceitação
A presidente da Abac Luz diz que o maior medo das mulheres que têm câncer é justamente perder o cabelo. ;Por isso, é importante lembrá-las que a queda não é definitiva, é algo temporário;, diz. Segundo a oncologista, os fios caem durante a quimioterapia porque a função desse tratamento é destruir as células de rápido crescimento ; como as do câncer. Como o cabelo também tem crescimento acelerado, as células capilares são afetadas. Porém, ao fim das sessões, ele volta a nascer normalmente.
[SAIBAMAIS];A aceitação da paciente é muito importante, e isso acontece quando o médico explica direitinho o que vai acontecer. Algumas pessoas aceitam bem a peruca, outras preferem amarrar com lenços e echarpes ou usar um chapeuzinho. Isso melhora a autoestima;, diz Luci Ishii. Segundo a médica, enfrentar o período com bom humor vai ajudar a paciente e a família. ;Em relação às crianças, elas costumam aceitar muito bem. É importante falar. Tive pacientes cujos filhos não sabem até hoje que as mães sofreram de câncer. Mas a sinceridade é essencial para a própria aceitação;, diz.
Há 10 anos, a professora Vilzenir Ferreira, 55, descobriu que tinha câncer de mama. Na época, os filhos eram adolescentes: 13, 14 e 15 anos. ;Fui muito clara com eles. Conversei muito e os preparei. Falei que ia fazer quimio e radioterapia e que meu cabelo ia cair;, conta. Quando a queda começou, ela passou máquina zero na cabeça. ;Sou muito católica e lembrava que Deus ia dar meu cabelo de volta;, afirma Vilzenir. Com o apoio dos filhos e dos amigos, a recuperação foi mais fácil. ;Todos ajudaram muito. Não se pode omitir nada, a transparência é parte fundamental do tratamento;, afirma a professora, que já está curada do tumor.