Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estudo faz sequenciamento de DNA de nativos da África e descobre a maior variabilidade genética já encontrada

Considerada o berço da humanidade, a África poderá, também, ser a responsável pela sobrevivência da espécie. Um grupo de 50 cientistas liderado pela Universidade de Penn State, nos Estados Unidos, fez o sequenciamento do DNA de cinco nativos do continente ; incluindo o bispo anglicano Desmond Tutu, único participante que teve a identidade revelada ; e descobriu que os indivíduos dessa região do planeta possuem uma variedade genética superior à de qualquer outra pessoa. A pesquisa, que foi capa da última edição da revista especializada Nature, vai investigar como os genes afetam a saúde e também a capacidade do homem de se adaptar a condições extremas.

Marcado por fome, graves enfermidades e catástrofes naturais, o sudeste africano foi alvo dos cientistas justamente porque eles queriam constatar como é possível desafiar os inúmeros flagelos e conseguir viver um longo período de tempo. Por isso, os indivíduos que participaram do estudo têm mais de 80 anos, à exceção de Tutu, que completa 79 em outubro. ;Os bosquímanos (povos caçadores nômades da Namíbia) chegaram a uma idade avançada apesar de viverem sob condições severas devido aos períodos de fome e às doenças não tratadas;, escreveram os pesquisadores, no estudo.

;Essa pesquisa, agora, nos fornece as ferramentas para decifrar a história da evolução humana e, especificamente, a história da evolução das doenças;, disse Vanessa Hayes, uma das autoras do estudo, em teleconferência à imprensa mundial da qual o Correio participou. ;Para saber como os genes afetam a saúde, precisamos analisar as variações genéticas humanas em sua totalidade, e o sudeste da África é o local para onde devemos olhar;, completou o professor de biologia e ciência da computação de Penn State, Webb Miller.

Para a surpresa dos cientistas, o estudo revelou, nos cinco participantes, a existência de 1,3 milhão de variantes genéticas ainda desconhecidas. Isso mostra que os habitantes da região são completamente diferentes dos indivíduos provenientes da Europa, da Ásia, da América e mesmo do oeste africano. A riqueza dos genes é tamanha que até entre pessoas da mesma região há diversidade. ;Na média, há mais diferenças genéticas entre dois bosquímanos do que entre um europeu e um asiático;, contou Miller. Segundo o biólogo, uma possível explicação vem do fato de que diversos povos passaram e se fixaram na região, enquanto a formação dos europeus e dos asiáticos se deu pela migração de pequenos grupos que migraram da África.

Para decifrar o genoma tão variado dos cinco africanos, os cientistas utilizaram três novas tecnologias que permitem a leitura do DNA com mais rapidez e economia. ;Esse projeto forneceu uma oportunidade única de comparar a potência das atuais tecnologias de sequenciamento e demonstrou que a combinação dos métodos é mais eficaz do que se usássemos um ou outro, como vem sendo feito;, disse Tim Harkins, um dos representantes das empresas privadas que patrocinaram o estudo.

O fato de os cientistas terem encontrado variantes genéticas não significa, contudo, que os africanos são uma outra raça ; conceito que já caiu em desuso. ;Nós somos muito, mas muito similares uns aos outros;, lembra Schuster. Ele lembra que é importante levar em consideração que, de forma geral, os genomas de duas pessoas são, virtualmente, idênticos. O que torna cada ser humano, ou um determinado grupo, particular são as variantes do DNA. Um dos participantes da pesquisa, o professor Richard Gibbs, da Escola de Medicina de Houston, afirma que o estudo não dá margem alguma a declarações racistas.

Doenças
Ao analisar os dados dos participantes, os cientistas encontraram diferentes genes que permitem aos adultos digerir leite de vaga, outro relacionado à coloração mais clara da pele e ainda uma estrutura que deixa os cinco africanos estudados mais suscetíveis à malária. Um dos bosquímanos, nativo do Deserto Calaari, possui um gene que reduz a perda, no suor, de água e sal, enquanto que os outro quatro homens foram beneficiados geneticamente com ossos mais fortes.

Os bosquímanos que participaram do estudo são as primeiras pessoas cujo genoma foi sequenciado que ainda vivem no estilo ancestral de caça e agricultura. Isso permitirá aos cientistas fazer uma correlação entre a fisiologia única desse povo com as variantes genéticas detectadas no estudo. ;Ao disponibilizar o genoma dos bosquímanos e dos bantus, outros pesquisadores poderão examinar um dos poucos exemplos remanescentes no mundo da coexistência de grupos nômades e agricultores;, sustenta Stephan Schuster, um dos líderes do projeto.

Os cientistas compararam as características reveladas pelo sequenciamento com o prontuário médico dos participantes, de forma a indicar as diferenças genéticas que podem ter contribuído para suas condições particulares de saúde. De acordo com os autores, há expectativa de que os genomas ajudem a identificar melhor doenças raras causadas por mutações genéticas não apenas no sudeste da África, mas no mundo todo. Ao mesmo tempo, Vanessa Hayes lembra que os africanos têm sido, historicamente, desprestigiados nas pesquisas de doenças gênicas, em comparação com a população ocidental. ;Como resultado desse projeto, eles estarão imediatamente incluídos nos estudos sobre doenças genéticas, aumentando nossa habilidade para examinar, regionalmente, males significativos;, sustenta.

Para beneficiar a população africana, os pesquisadores disponibilizaram gratuitamente o sequenciamento genético dos cinco indivíduos. Dessa forma, eles esperam que a indústria farmacêutica tenha mais facilidade para desenvolver, no futuro, medicamentos mais efetivos para os males provocados por possíveis variações genéticas. Algumas pessoas, por exemplo, têm maior resistência aos medicamentos antivirais utilizados no tratamento da Aids ; doença que assola a África. A terapia gênica é capaz de adaptar as substâncias às particularidades de determinadas populações.