Uma descoberta de cientistas norte-americanos pode significar, no futuro, a cura para doenças que atacam o plasma, como leucemia, diabetes tipo 2, mielomas múltiplos (tumores que atingem a medula óssea), linfomas e anemia falciforme. Pela primeira vez, eles conseguiram localizar a região onde os vertebrados produzem células-tronco adultas hematopoéticas (CTH), que têm apresentado os melhores resultados, até agora, nas terapias contra doenças autoimunes. Essas estruturas são aquelas com capacidade de se autorrenovar e se diferenciar em diversos tipos de células sanguíneas e do sistema imunológico. Hoje, o grande problema para os pacientes é a dificuldade de encontrar doadores compatíveis, o que, muitas vezes, inviabiliza o transplante.
Com o experimento realizado no câmpus de San Diego da Universidade da Califórnia, a rejeição estaria descartada, já que as células-tronco poderiam ser retiradas do próprio indivíduo. Publicada na edição online da revista Nature, a pesquisa é apontada como o primeiro passo para o desenvolvimento de terapias mais seguras e efetivas.
Embora alguns cientistas já desconfiassem que as CTH seriam formadas na aorta dorsal, o processo do nascimento e desenvolvimento das células jamais havia sido observado. Para constatar que realmente é nessa região que elas surgem, os pesquisadores utilizaram o embrião de um peixe-zebra. Por ser bastante transparente, a estrutura permite uma boa visualização ; a equipe conseguiu, inclusive, filmar o momento em que as CTH se desenvolvem. ;Um grande número de estudos conflituosos já havia proposto diferentes locais de origem, o que deixava a questão controversa. Usando luz fosforescente sobre o tecido dos embriões do peixe-zebra, porém, conseguimos identificar o local exato do crescimento das células-tronco hematopoéticas , que ocorre diretamente na aorta dorsal;, disse ao Correio David Traver, professor de biologia e principal autor do estudo.
De acordo com ele, se for possível gerar CTHs saudáveis dos pacientes doentes e então transplantá-las para suas próprias medulas ósseas, muitas complicações poderiam ser evitadas. ;Nossa descoberta é um passo importante para atingir esse objetivo, porque fornece um melhor entendimento sobre como as células-tronco hematopoéticas se tornam o que são. Com isso, será possível induzir as células-tronco pluripotentes, aquelas capazes em se transformar em qualquer tecido, a se transformarem em CTHs, algo que, atualmente, não acontece;, explica. ;Em outras palavras, estamos um passo mais próximos de entender como gerar clinicamente as CTHs para uso terapêutico, a partir das células pluripotentes.;
Uma das grandes vantagens de uma terapia à base das próprias células do indivíduo é evitar a rejeição. Os transplantes atuais dependem da infusão das células-tronco de um doador na medula óssea do paciente, para gerar novas células saudáveis. Porém, o procedimento é frequentemente arriscado e pode resultar em complicações fatais, em parte, devido à ;doença do transplante contra o hospedeiro;, que ocorre quando há rejeição, e os linfócitos T atacam os tecidos da pessoa que recebe as células.
Mais avanços
Outra pesquisa publicada neste mês no jornal da Federação Norte-americana das Sociedades para Biologia Experimental poderá combater também a rejeição do transplante de medula óssea. Usando células de ratos, cientistas dos Estados Unidos e do Irã descobriram uma nova estratégia para fazer os transplantes de células-tronco embrionárias menos suscetíveis à rejeição pelo sistema imunológico do receptor. A tecnologia consiste na fusão de células da medula com as embrionárias. Uma vez juntas, as células híbridas contêm o DNA tanto do doador quanto do receptor, aumentando a esperança de que não seja necessário o uso de medicações fortes para evitar que o organismo do paciente considere a doação um corpo estranho.
;Nosso estudo mostrou que as células transplantadas da medula óssea podem se fundir não apenas com as semelhantes, mas também com as não hematopoéticas, sugerindo que, se pudermos entender melhor o processo dessa fusão, talvez consigamos tratar várias doenças com as células-tronco da medula óssea do próprio paciente;, disse, no estudo, o pesquisador Nicholas Zavazava, da Universidade de Iowa. Ele lembra porém que, apesar de serem extremamente promissores para as futuras terapias com células-tronco embrionárias, os resultados podem demorar um longo tempo para serem colocados na prática.
O professor e os demais pesquisadores envolvidos usaram duas distensões musculares retiradas de ratos. Uma do doador e outra do receptor. Quando as células-tronco da medula óssea foram transplantadas, eles verificaram que, no organismo do camundongo que recebeu as estruturas, havia três diferentes tipos de células: a do doador, a do receptor e as fundidas, cujo DNA era composto por ambos os ratos. Os cientistas, então, descobriram que essas células podem se fundir com diferentes tipos, incluindo as dos rins, do coração, do fígado e do intestino. Embora seja preciso mais trabalho para determinar as utilidades clínicas da experiência, a descoberta aumenta a possibilidade de as células-tronco embrionárias se fundirem para transplantar órgãos de forma a evitar a rejeição. Outra possibilidade é fundi-las a órgãos em falência para ajudá-los a se regenerar.
;Diferentemente de máquinas, nas quais uma mesma peça pode ser usada para diferentes modelos e funções, os seres humanos são personalizados, e nosso sistema imune faz o controle de qualidade;, diz Gerald Weissmann, no editorial da publicação. ;Como resultado, as partes do corpo ou os órgãos transplantados precisam ser muito parecidos com o padrão imunológico do receptor. Essa pesquisa usa células-tronco da medula óssea para fundi-las com tecidos do paciente, de forma que nada do que for transplantado possa seja rejeitado pelo sistema imunológico;, elogiou, no texto.
E eu com isso
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, neste ano deverão surgir 9.580 novos casos de leucemia no Brasil. Em dezembro de 2008, o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) conseguiu cadastrar 960 mil doadores mas, apesar de crescente, o número é considerado insuficiente para atender a todos os pacientes que precisam do transplante, principalmente pelo fato de a probabilidade de se achar um doador compatível no Brasil ser de um em 100 mil.
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