Depois de girar a taça de vinho por alguns segundos, elas sentem o suave aroma e provam o sabor da bebida. Entre um pequeno gole e outro, o papo é sempre animado. Conversam sobre trabalho, lembram de alguma viagem, contam uma fofoca, discutem uma matéria interessante que saiu no jornal e revelam as novidades sobre os filhos. Quando quase 30 mulheres se juntam em um restaurante para um encontro, o clima não pode ser diferente. Mas elas estão ali por outra razão, além da social. Um prazer em comum une o grupo feminino: elas fazem parte da confraria Amigas do Vinho.
Os clubes de gastronomia são uma forma de compartilhar prazeres. Basta formar um, basta reunir pessoas que gostem de culinária. Risotos, queijos, vinhos, cachaça, uísque, cerveja. É só escolher um tema. Alguns se formam por acaso, enquanto outros são bem planejados. O importante é ter muita organização e incentivar a frequência.
A paixão pela bebida feita da uva inspirou a professora universitária Rachel Alves a trazer para Brasília o Amigas do Vinho, grupo que já existia no Rio de Janeiro. Depois de fazer vários cursos sobre o assunto, ela resolveu reunir outras interessadas para colocar o conhecimento em prática, em 2005. Hoje, são mais de 200 participantes. Em média, 30 mulheres participam dos encontros mensais. ;Programamos sempre um jantar, o que facilita para nós, que temos família e deixamos filhos e maridos em casa. E procuramos dar foco na harmonização. Por isso, a comida também tem um papel importante;, revela a presidenta do clube.
Elas nunca repetem um vinho, muito menos o restaurante. O grande desafio é procurar rótulos que tragam o melhor custo- benefício. O espumante, preferido do público feminino, é a única certeza na degustação. Em todas as reuniões, além de um pequena palestra sobre enologia, elas também fazem atividades diferentes. ;Convidamos especialistas, como médicos, para falar sobre questões da mulher. Já recebemos uma professora de dança flamenca e, outro dia, convidamos a diretora da Casa Abrigo para falar sobre violência doméstica;, diz Rachel.
O ciclo fortaleceu a amizade entre as participantes. ;Às vezes, uma liga para perguntar: ;Vou receber a sogra, que vinho eu compro?;. Mas também socorremos quando o filho está doente ou elas precisam de um médico;, conta a professora. Para Emilia Ferrero, fazer parte do grupo é uma oportunidade de expandir seus conhecimentos. ;Eu gosto muito de vinho, mas ainda estou engatinhando. É uma bebida complexa, a cada dia descobrimos uma coisa nova;, comenta.
Jantar e poesia
Em todos os jantares e festas com os amigos, o publicitário Antônio Cordeiro de Mello estava pronto para colocar em prática mais uma receita. De tanto comandar o fogão nos eventos da turma, ele se tornou especialista em risotos. A versão de camarão e caju e a de lombo com abacaxi fizeram sucesso. ;Minha mãe era banqueteira e sempre gostei muito de cozinhar. Há uns quatro anos, resolvemos fazer uma reunião mensal com cardápio pré-definido e um mailing;, conta. Surgia então o Commensalis. A cada encontro, um novo prato e uma boa oportunidade para dividir receitas e o prazer pela comida.
A primeira reunião foi em 10 de abril de 2008, no aconchegante e colorido apartamento de Tom, como é chamado pelos amigos, na Asa Sul. Desde então, não parou mais. O risoto ganhou mais acompanhantes e começou a fazer parte de um menu completo. Um amigo indicou a festa para outro, que comentou com um vizinho, que contou ao colega de trabalho. A rede transformou o clube em uma noite gastronômica com membros variáveis.
Na sala de estar do publicitário, cada detalhe conta. A trilha sonora, a decoração, feita por Wilde, namorada de Tom, combinam com o cardápio. Os convidados, no máximo 10 por noite, pagam um preço único pelas bebidas, entrada, prato principal e sobremesa, com direito a chá e café com frutas secas. O anfitrião também cria uma poesia para cada ocasião, que é declamada no fim da noite. ;É interessante juntar pessoas diferentes e que não se conhecem. Vem gente de outros estados e das mais variadas profissões. E, incrivelmente, dá certo! Todos estão juntos pelo prazer de comer;, afirma Tom.
Outros clubes podem virar referência no assunto que discutem. É o caso da Confraria da Cachaça do Brasil. As pequenas reuniões que começaram com cinco amigos, 10 anos atrás, cresceram. E muito. Mais de 5 mil pessoas já passaram pelo grupo. Agora, as reuniões mensais contam com a participação de 70 a 80 pessoas. E não pense que o objetivo é exagerar na pinga. ;Muita gente chega nos encontros e se decepciona. É uma degustação. Ninguém pode beber muito, porque acaba perdendo o sentido do paladar;, afirma o presidente do grupo, José Bonifácio dos Santos.
O grupo surgiu quando a cachaça ainda não era um item gourmet e se inspirou nos padrões europeus. ;O importante era ter aquele espírito de apreciação do produto. A gente se espelhou muito nas confrarias de vinho da França, das regiões da Borgonha e de Bordeaux. Quando uma vinícola fazia um vinho de má qualidade, o clube nem falava com o dono, era com se fosse um selo de qualidade;, conta Boni. No começo, a turma entrava em contato com os produtores de cachaça para conseguir garrafas para degustação. Agora, o caminho é inverso. Além de emitir um certificado de reconhecimento para os melhores alambiques, há três anos, o grupo representa os consumidores na Câmara Setorial da Cachaça, no Ministério de Agricultura.
História
Para Boni, a confraria é, de certa forma, responsável pela valorização de um produto brasileiro. ;Nós consideramos isso como uma missão. É uma bebida que acompanha nossa história. Os primeiros registros são de 1530, pouco tempo depois do Descobrimento. Os inconfidentes mineiros tomavam cachaça como forma de repúdio ao autoritarismo português. O produto, com o tempo, ficou de má qualidade, mas nos últimos anos houve melhora no processo de produção, e os alambiques artesanais permitiram isso;, comenta o presidente do grupo, que trabalha como consultor empresarial.
Em 10 anos, foram mais de 300 tipos de cachaças degustadas. Experiência suficiente para dar dicas a quem quer começar a entender do assunto. ;Comece a procurar rótulos diferentes e artesanais. É uma bebida que combina com petiscos pesados. Vai bem com pão, azeite e linguiça;, sugere Boni.
O sucesso do clube é tão grande que tem até filial em Lisboa. O segredo para ter uma confraria estável? É preciso ter liderança e ser organizado. Antes de qualquer coisa, é preciso definir quais são as pessoas que vão ficar responsáveis por quatro funções essenciais: cuidar da parte financeira, mandar um e-mail para o pessoal e ver a frequência, organizar a parte social e coordenar todo o trabalho. ;É preciso se doar um pouco. Tem muita gente animada que vai a duas reuniões e depois some. Só quem gosta fica mesmo;, diz Boni.
Como fazer
Você pode dividir o seu amor pela gastronomia com outras pessoas ao começar um clube. Veja como planejar e organizar o seu
1; passo
Reúna os amigos e recrute pessoas no trabalho, na academia, na igreja ou na vizinhança. Convide todos os membros em potenciais que gostam do assunto escolhido
2; passo
Utilize a primeira reunião para se organizar. Decida qual vai ser a estrutura básica do clube. Onde vão ser os encontros? Quem vai ficar responsável de informar a todos sobre as novidades? Quem vai cozinhar ou quem vai escolher os produtos a serem degustados? Lembre-se de trocar os contatos de todos os membros para criar uma lista do grupo
3; passo
Seja flexível ao discutir os detalhes. Veja quando é melhor marcar as reuniões para não atrapalhar os participantes. Dê a chance de cada um votar no menu ou escolher a bebida que vai ser degustada em cada encontro. Se a ideia for fazer em casa, pode ser organizado um rodízio
4; passo
Mantenha contato. Mande
e-mails regularmente para o grupo para pedir ideias e sugestões sobre os próximos eventos
5; passo
Invente temas para os encontros que inspirem a decoração e a degustação. Você pode fazer uma noite em homenagem à França ou a algum livro ou filme, por exemplo
Confira poesias inspiradas na arte da culinária