Ciência e Saúde

Brasileira que participa da tentativa de criar um remédio contra a dengue fala das dificuldades do processo

Doença volta a avançar no Brasil. No DF, as notificações aumentaram 648% em relação ao ano passado

postado em 19/03/2010 07:00

As primeiras referências a surtos de dengue no Brasil datam de 1916, em São Paulo, e de 1923, no Rio de Janeiro. Nessa época, a capital carioca ainda vivia a epidemia de febre amarela, doença também transmitida pelo Aedes aegypti, que vitimou milhares de pessoas. A população de países de outros continentes já padecia com as manifestações provocadas pelo vírus transmitido na picada do mosquito da dengue há algum tempo. No fim do século 18, a dengue atingia o sudoeste asiático, o Egito e os Estados Unidos (Filadélfia). Os primeiros registros da forma hemorrágica, cujos sintomas são mais graves e intensos, são da década de 1950, nas Filipinas e na Tailândia.

Em pleno século 21, as perspectivas da Organização Mundial de Saúde para a erradicação do mosquito ainda não são nada boas. A tendência é que as epidemias de dengue se agravem, devido ao aumento da população mundial, à ocupação desordenada do solo e à falta de infraestrutura dos grandes centros urbanos. Não por acaso, há um mês, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal admitiu uma epidemia. No último informe epidemiológico de dengue divulgado pelo órgão, 4.294 casos suspeitos da doença haviam sido registrados, com a confirmação de 1.956.

Em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento de notificações foi de 648%. O crescimento dos casos confirmados chega a 1.503%. A situação também é grave em Rondônia, em Mato Grosso do Sul, no Acre, em Mato Grosso e em Goiás. Em números absolutos, os cinco estados registraram 77.117 notificações da doença, o equivalente a 71% dos 108.640 registros em todo o país entre 1; de janeiro e 13 de fevereiro. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde.

A OMS estima que, atualmente, a dengue afeta pelo menos 100 milhões de pessoas no mundo a cada ano. Dessas, 500 mil são hospitalizadas e 25 mil morrem. Cientistas que atuam no Instituto Novartis de Doenças Tropicais, em Cingapura, estudam uma droga para o tratamento da dengue. Segundo a biomédica Patrícia Carvalho de Sequeira, que integra a equipe da farmacêutica suíça no sudeste asiático, o medicamento vem sendo testado em animais de laboratório e pode, dentro de dois anos, representar um passo importante para o tratamento do mal.

Ao Correio, a especialista, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou das dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento dessa medicação e das particularidades do mosquito, do vírus e da patologia. Patrícia iniciou a carreira científica no Instituto Oswaldo Cruz, onde trabalhou com diagnóstico e epidemiologia dos vírus da dengue e da febre amarela. Depois de se tornar mestra pelo Departamento de Microbiologia e Imunologia da UFRJ, partiu para um programa de PhD em doenças infecciosas na Universidade da Califórnia (Berkeley), nos Estados Unidos.

Um longo caminho

Medicamento promissor
Estamos produzindo um medicamento que se mostrou muito promissor em testes com animais de laboratório. A demora para a elaboração dessa droga ocorreu por conta da ausência de dados e de pesquisas básicas ; informações sobre entendimento epidemiológico, mutações virais, respostas dos hospedeiros, enfim, subsídios sobre a doença em si. Cientificamente, ainda temos um longo caminho a percorrer, mas o acesso aos dados possibilitou um passo importante na melhor compreensão do agente causador da doença. Já verificamos que é preciso diminuir a toxicidade do medicamento. Até 2012 iniciaremos os testes clínicos.

Piores locais
Sem dúvida, são os países com clima parecido com o do Brasil, ou seja, regiões tropicais e subtropicais, como a África subsaariana, a América Latina, ilhas do Pacífico, a Ásia e o Mediterrâneo. Nessas áreas, mais de 2,5 bilhões de pessoas correm o risco de infecção por dengue. Por isso, a urgência de se desenvolver um medicamento é clara.

Entraves
A dengue é uma doença infecciosa e aguda que tem quatro sorotipos (DEN-1, 2, 3 ou 4) e qualquer estudo sobre a patologia tem que levar isso em consideração. É como se estivéssemos trabalhando com quatro organismos diferentes. São muitos fatores a se considerar e estudar.

Características
Devido à falta de estudos, ainda não sabemos até que ponto os diferentes sorotipos influenciam o resultado da infecção observada a cada ano em nações atingidas pela dengue. Percebemos que certas populações, quando infectadas por um tipo, têm mais probabilidade de desenvolver a forma mais grave da doença, que é a dengue hemorrágica. Em algumas regiões, a situação se desenha de forma completamente diferente. As razões exatas dessa distinção de manifestação ainda são desconhecidas. Fatores genéticos individuais certamente estão envolvidos no processo de evolução da doença, e há também a possibilidade de influência por uma infecção anterior, que pode intensificar uma segunda contaminação pelo vírus. No entanto, esse não é um fator absoluto, pois muitas pessoas já contraíram infecções sucessivas por dengue sem desenvolver o quadro hemorrágico.

No Brasil
Até hoje, já tivemos o 1, o 2 e o 3. O terceiro penetrou no território brasileiro recentemente. Em todas as partes do mundo, a entrada de um novo sorotipo é um fator preocupante, porque a população ainda não tem imunidade contra o novo vírus e as chances de epidemia se potencializam. A infecção secundária, quando a pessoa pega um tipo e depois o outro, é muito perigosa. A possibilidade de se desenvolver a dengue hemorrágica nessa ocasião é 100 vezes maior do que em uma infecção primária, mas é importante destacar que o paciente fica imune ao tipo que já o acometeu uma vez.

Ciclo de vida
Somente a fêmea transmite o vírus. O ciclo do Aedes aegypti é composto por quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. As larvas se desenvolvem em água parada. No período do acasalamento, as fêmeas precisam de sangue para garantir o desenvolvimento dos ovos. Versatilidade e resistência são as principais características desse mosquito. Os ovos podem sobreviver por meses, até que a chegada de água propicia à incubação. Uma vez imersos, eles se transformam em larvas, que dão origem às pupas, das quais surgem os adultos. Cientistas envolvidos no estudo da dengue já descreveram larvas contaminadas com o vírus. Acreditamos que a fêmea o transmita para os seus próprios filhotes.

Transmissão
A fêmea pica a pessoa infectada, mantém o vírus na saliva e o retransmite. Depois da ingestão de sangue infectado pelo inseto, transcorre um período de incubação. Após essa fase, o mosquito torna-se apto a transmitir o vírus durante toda a vida. Não há transmissão pelo contato de um doente ou suas secreções com uma pessoa sadia.

Manifestações da doença
A infecção por dengue abre um leque de sintomas. O indivíduo pode não sentir nada, mas pode também ter manifestações clássicas do mal, como febre repentina, dores nas juntas e nos ossos, dores musculares, de fundo de olho e cefaleia. Antigamente, a patologia era conhecida como febre do quebra-ossos, por conta da sensação relatada pelos doentes. A forma mais grave e extrema da doença, que é a dengue hemorrágica, caracteriza-se por hemorragia na gengiva e em órgãos internos e pode até evoluir para a síndrome do choque e causar a morte.

Evolução no diagnóstico
O diagnóstico inicial pode ser clínico, mas o ideal é que se façam testes laboratoriais com o sangue do paciente para se isolar o vírus. Sempre é possível evoluir, mas a situação no Brasil em relação ao diagnóstico é muito boa. Não há problemas em relação a isso.

Ouça entrevista com a pesquisadora Patrícia Carvalho de Sequeira

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