Uma casa, uma família, um quarto e duas irmãs. Quando crianças, Vanessa, 22 anos, e Alessandra, 20, precisavam dividir tudo: o controle da televisão, os pais e o mesmo espaço físico e sentimental. A necessidade de repartir foi, por muitas vezes, motivo de conflitos, mas também de entendimentos. ;As brigas aconteciam por causa de espaço. Se ela queria ficar na televisão e eu também, a gente brigava;, lembra a irmã mais velha, estudante de veterinária. A mãe das jovens, Zélia Goes Gadelha Dias, 57 anos, afirma que o principal motivo das brigas era mesmo esse: ;Dividir o espaço fora de casa, com amigos, é uma coisa. No dia a dia, é outra. Sempre observei que as discussões estavam ligadas à área que uma ocupava e que a outra poderia considerar sua;. Segundo especialistas, a disputa entre irmãos é natural e inevitável, e a solução para esse problema está dentro de casa, na forma como os pais lidam com a situação. ;É importante que os pais deixem que os filhos expressem o que sentem em uma situação de conflito e que tentem resolver entre eles;, explica a psicopedagoga Adriana Jatobá. A intervenção, porém, pode ser necessária. ;Se houver agressão física, os pais devem agir, pois eles ensinarão aos filhos que as coisas não são resolvidas por meio de violência, mas sim pela conversa;, completa. A psicopedagoga da Clínica Passo a Passo Renata Garcia também orienta os pais para que deixem as crianças se entenderem nas desavenças. Segundo a especialista, a formação da personalidade dos irmãos depende dos conflitos. ;Os pais devem deixar que as crianças resolvam entre elas, claro, se não houver agressão física. Isso faz com que elas aprendam a encarar desafios, encontrar autonomia, exercer liderança, compartilhar sentimentos e lidar com as diferenças com respeito;, afirma. A diferença de personalidades é outro fator que pode originar disputas. Alessandra, que estuda ciências contábeis, recorda que sofria um pouco com o gênio forte da irmã. ;Quando dormíamos no mesmo quarto, ela costumava estudar até tarde e deixava a luz ligada. Eu dormia normalmente. Mas, quando eu fazia isso, ela reclamava e apagava a luz. Ela também tinha de usar o banheiro primeiro, se não a briga começava;, conta. A mais velha reconhece que sua personalidade era marcante. ;Eu sempre fui muito difícil para conviver, e a minha voz tinha de prevalecer;, admite Vanessa. Para o psicólogo Alexandre Marques, é necessário que as diferenças sejam aceitas. ;É preciso respeitar a personalidade de cada um, pois somos seres individuais;, explica. Segundo ele, cada filho deve ser tratado de acordo com seus limites, desde a infância, pois cada ser humano é um universo diferente do outro. Nesse caso, o papel dos pais na criação das meninas foi cumprido e fez com que os conflitos se resolvessem com o diálogo entre elas. ;As diferenças têm de ser analisadas e acatadas. Você não é perfeito, e o outro também não será. Irmãos precisam estar juntos, e não separados;, afirma Zélia, mãe das jovens. Dose dupla Para o casal Viviani Jordão, 39 anos, e Gustavo Barbosa Netto, 46, a preocupação com as disputas entre os filhos surgiu assim que souberam que esperavam os gêmeos Helena e Henrique, 6. Os pais buscaram ajuda na literatura e em especialistas para saberem a melhor forma de criar os filhos. ;Adquirimos conhecimentos por meio da leitura e, durante algum tempo, tivemos apoio de uma psicoterapeuta. Ficamos muito receosos com relação à gemealidade;, revela Gustavo. Quando as crianças nasceram, os dois buscaram aplicar o conhecimento obtido. Por meio de histórias, nas quais os irmãos podiam se identificar com os personagens, o casal fez com que cada um enxergasse suas diferenças e que elas deveriam ser respeitadas e aceitas. Gustavo e Viviani explicaram que o ser humano é provido de personalidade, virtudes e talentos divergentes, e, por isso, deve ser tratado de acordo com seus limites. ;São coisas que procuramos passar para eles com exemplos. Criança gosta muito de histórias, ela se vê dentro dos contos. E procuramos sempre nos atualizar nas leituras de bons escritores sobre educação;, explica Gustavo. Com diálogo e respeito às diferenças, é possível promover uma relação familiar saudável. Conflitos ocorrem, mas não precisam ser tão drásticos quanto as situações representadas na ficção, como a briga aparentemente sem solução entre os gêmeos Jorge e Miguel, interpretados pelo ator Mateus Solano na novela Viver a vida. Para Adriana Jatobá, os pais devem identificar e saber valorizar o que cada filho tem de melhor, nas áreas que cada um prevalece. ;Eles devem reconhecer que são bons em tal coisa, mas tomando cuidado para que não haja a determinação de papéis, como: ;Ele é o atleta da família;, ou ;Esse é o artista da casa;;, explica. Todo cuidado deve ser tomado para que a definição de um papel não desanime a criança. ;Essa denominação faz com que haja uma competição entre os irmãos. Você pode reconhecer que um dos filhos tem determinado talento na área, sem supervalorizá-lo, pois, se o outro faz a mesma coisa, ele pode se sentir desestimulado;, completa a psicopedagoga. A prática, no entanto, é bem mais difícil que a teoria. O tempo mostrou para a família dos pequenos Henrique e Helena que a tarefa de educar não é fácil e demanda dedicação. Os pais perceberam que, apesar da união dos filhos desde o desenvolvimento na barriga da mãe, a gemealidade os separava quando as personalidades divergentes se confrontavam. ;As brincadeiras revelam muito. Nesse momento, a criança quer chamar a atenção e sobressair sobre o irmão, pois é uma época de ela perceber sua identidade. Aí, tratamos essa questão com a conversa: ;Olha, o Henrique pode ser melhor nisso, mas você, Helena, é melhor naquilo;. Trabalhamos para fazer com que eles tentem respeitar as diferenças e que elas são positivas;, explica Viviani. A psicóloga Alexandra Girão Fernandes busca acalmar os pais que não veem os filhos tão unidos quanto gostariam. ;Essa amizade pode acontecer quando eles crescem. Certamente, essa união será fortalecida pelos tantos anos de contendas. É na convivência com os irmãos que a criança aprende a enfrentar desafios, conquistar seu espaço, ter iniciativa, compartilhar e respeitar o outro;, avalia. Como agir Veja algumas dicas para os pais elaboradas pelas psicopedagogas Adriana Jatobá e Renata Garcia ; Evite determinar papéis com frases como ;ele é o mais inteligente da família; ou ;ela, sim, tem talento para matemática;. Isso pode causar frustração e gerar baixa estima no outro filho ; Não faça comparações do tipo ;seu irmão aprendeu a andar de bicicleta mais rápido; ou ;ele não tinha dificuldade nessa matéria quando tinha a sua idade; ; Dê a chance para que os irmãos tentem resolver suas desavenças sozinhos, negociando por conta própria. Assim, eles desenvolverão autonomia, liderança e discernimento. Mas interfira se houver agressão física ; Não tente tratar as crianças sempre da mesma forma, pois cada filho é dotado de uma personalidade, que deve ser identificada e respeitada de acordo com os limites de cada um ; Busque sempre ouvir os dois lados da história, para não gerar um conflito ainda maior e evitar que a revolta e o sentimento de injustiça surjam ; Deixe que as emoções sentidas pelos filhos depois de uma briga sejam expressas. É importante colocar as chateações e angústias para fora, assim, elas sairão e deixarão espaço para as coisas boas entrarem Entrevista com a Psicopedagoga, Adriana Jatobá Entrevista com Clara Pérez Gomez, mulher do dissidente cubano Guillermo Fariñas