Ciência e Saúde

Pesquisadores anunciam a descoberta, na Etiópia, de dezenas de fósseis de organismos que viveram no período Cretáceo

Achado ajudará a ciência a desvendar a evolução dos grupos aos quais as espécies pertenceram

postado em 23/04/2010 07:30
Fósseis de insetos, plantas, fungos e outros frágeis organismos que existiram há 95 milhões de anos extremamente bem preservados. A descoberta, que parecia improvável, foi anunciada recentemente por um grupo composto por pesquisadores de diversos países e instituições científicas de renome. São 30 espécies de artrópodes ; grande grupo de animais que compreende os insetos e as aranhas ;, alguns nematoides (organismos microscópicos), fungos e plantas do período cretáceo em bom estado de conservação.

Aranha preservada em âmbar: seiva natural possui alta capacidade de preservaçãoA preservação dos fósseis durante todo esse tempo só foi possível graças ao âmbar (1), resina natural e translúcida proveniente de árvores que age como conservante e que, por isso, é considerada muito importante para a paleontologia. A descoberta, feita na região de Debre Libanos, no noroeste da Etiópia, foi publicada recentemente no site da revista internacional Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Nos próximos dias, o trabalho será lançado na edição impressa da publicação científica.

O estudo, que conta com a dedicação de 20 especialistas de sete países, afirma que os fósseis cobrem uma ;diversidade impressionante;, que abrange pelo menos 13 famílias de hexapodas (artrópodes com três pares de pernas), das ordens Collembola, Psocoptera, Hemiptera, Thysanoptera, Zoraptera, Lepidoptera, Coleoptera, Diptera e Hymenoptera, além das ordens de aracnídeos Araneae e Acari.

De acordo com um dos principais autores do trabalho, o pesquisador da Universidade de Rennes, na França, Vincent Perrichot, a idade dos organismos encontrados foi calculada por meio da análise das propriedades físico-químicas do âmbar, que foram comparadas às de outras amostras de âmbar e de diferentes resinas de plantas atuais. Análises dos grãos de pólen e dos esporos preservados no material também foram realizadas, constatando que as amostras são do período Cretáceo (2), época em que os dinossauros ainda habitavam o planeta.

A maioria dos fósseis está entre os primeiros representantes conhecidos de seus grupos, podendo fornecer informações sobre a diversidade do passado, a origem e a evolução desses animais. Além disso, também revelam as interações entre plantas, fungos e artrópodes durante uma época de grandes mudanças nos ecossistemas terrestres.

O âmbar especialmente limpo e colorido, cujos maiores pedaços chegam a medir 25cm, foi encontrado em sedimentos arenosos do planalto noroeste da Etiópia por um geólogo que trabalha para uma empresa de mineração daquele país. ;Investigamos essas inclusões fósseis usando equipamentos modernos. Porém, neste momento, o estudo detalhado de alguns fósseis também está sendo feito na França, por meio de técnicas de imagem em 3D;, explica Perrichot em entrevista por e-mail ao Correio.

Preservação
Outro participante da pesquisa, Alexander Schmidt, da Universidade Georg-August de G;ttingen, na Alemanha, esclarece que o âmbar consegue preservar pequenos organismos de forma excelente, incluindo os detalhes celulares de cada um deles. ;É excepcional a preservação dos organismos que se encontram no âmbar;, afirma em entrevista por e-mail.

A resina natural, segundo Perrichot, era produzida durante a era Mesozoica por plantas coníferas, do filo Coniferophyta, a exemplo de árvores como o pinheiro. Em seguida, as plantas com flores, as angiospermas, se tornaram as principais produtoras dessa substância na era Cenozoica (que teve início há 65 milhões de anos). ;Insetos, aranhas e muitos outros animais de pequeno porte que vivem em torno das cascas de árvores, ramos ou sobre o solo da floresta foram capturados pela resina fresca exalada pelas árvores, uma substância quimicamente muito estável. Ela impede que os organismos entrem em estado de putrefação ou desintegração;, destaca o pesquisador.

Segundo os dois especialistas, a maioria dos registros de âmbar pode ser encontrada na América do Norte e na fronteira da Europa com a Ásia. Por esse motivo, a descoberta das amostras de resinas na Etiópia foram consideradas particularmente valiosas do ponto de vista científico.

O material detectado no continente africano ainda vai auxiliar os pesquisadores a precisarem a data da origem de grupos de animais em particular, como as formigas. O intuito é entender a evolução desses seres no fim do período Mesozoico e a maneira como eles estão relacionados a seus parentes dos dias de hoje. ;Meus colegas e eu estamos, atualmente, investigando todas as inclusões de insetos, restos de plantas e fungos;, enfatiza Schmidt. O material encontrado na Etiópia se encontra devidamente alojado nos museus de História Natural de Viena, na Áustria, de Berlim, na Alemanha, e de Nova York, nos Estados Unidos.

1 - Proteção
O âmbar é uma resina produzida em árvores como o pinheiro que tem a função de proteger a planta contra a ação de bactérias e o ataque de insetos que perfuram a casca até atingir a parte interna do caule. A resina tem sido usada desde os tempos mais remotos para a fabricação de joias e várias outras peças de artesanato, como vasos, por exemplo. Alguns povos antigos também acreditavam que a substância tinha propriedades medicinais.

2 - Era Mezozoica
O Cretáceo é o último e mais longo período da era Mesozoica. Teve início há cerca de 144 milhões de anos e se prolongou por 77,6 milhões de anos. Divide-se em Cretáceo Superior (144 a 97,5 milhões de anos atrás) e Cretáceo Inferior (97,5 a 66,4 milhões de anos). Nesse período, os dinossauros rondavam a Terra, a exemplo dos ceratopsídeos, ou quadrúpedes dotados de chifres, e o anquilossauro, quadrúpede protegido por uma espécie de armadura.

Três perguntas para
ALEXANDER SCHMIDT, PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE GEORG-AUGUST DE G;TTINGEN

Quantos organismos foram encontrados na Etiópia preservados em âmbar e há quanto tempo eles estavam no local?
O estudo comandado ao todo por 20 cientistas de sete países diferentes contabilizou um total de 28 insetos. Além disso, temos registros de uma aranha, um ácaro e alguns nematoides, que são organismos muito pequenos. Vestígios de plantas como a samambaia, por exemplo, foram muito abundantes naquelas amostras. Também detectamos a presença de fungos dentro da resina. O material encontrado tem cerca de 95 milhões de anos.

Quais as principais características do âmbar e onde essa resina natural pode ser encontrada?

A resina proveniente de árvores como o pinheiro, por exemplo, consegue preservar todos os tipos de pequenos organismos de maneira efetiva, incluindo os detalhes celulares. A excepcional preservação dos organismos que se encontram no âmbar se dá pelo ambiente desidratado existente, que é possível graças à resina, e pelas propriedades naturais de embalsamento por meio da atividade antiséptica que existe nesses componentes.

Que tipo de impacto esse estudo pode causar na área e quais são os próximos passos da pesquisa?
A partir dessa pesquisa, teremos novas ideias a respeito da evolução de grupos particulares de organismos representados dentro do âmbar. Os fósseis recém-encontrados vão nos ajudar a datar a origem de grupos em particular, como o das formigas, e a entender a sua evolução no fim do período mesozoico. Além disso, também relacionaremos esses organismos pré-históricos a seus parentes dos dias atuais. Estamos investigando todas as inclusões de insetos, aranhas, restos de plantas e fungos, detalhadamente. Publicações subsequentes irão desvendar novas espécies e lidar com ideias que tivemos a respeito da evolução de grupos particulares e sua paleoecologia.

Entrevista com o pesquisador Vincent Perrichot, da Universidade de Rennes (França)

1) Quantos insetos foram descobertos preservados em âmbar, no noroeste da Etiópia?

Até agora encontramos 30 espécies de artrópodes (insetos e aranhas), alguns nematoides (organismos bem pequenos), e muitos restos de plantas e fungos. O número de artópodes não é tão significativo, mas conseguimos acessar um total de 62 pedaços de ambar, o que faz deste um material bastante rico em inclusões de fósseis. O âmbar, e deste modo as inclusões fósseis, têm por volta de 95 milhões de anos de idade. Obtivemos essa idade por meio da análise das propriedades físico-químicas do âmbar, que foram comparadas aos de outros âmbares e resinas de plantas atuais. Além disso, realizamos as análises dos grãos de pólen e esporos preservados no sedimento âmbar e no âmbar em si.

2) O que é o âmbar? Quais as características dessa substância?

É uma resina fóssil produzida pelas plantas há milhões de anos. Durante a era mesozoica, ela era produzida pelas plantas coníferas. Em seguida, as plantas com flores (angiospermas) se tornaram as principais produtoras na era cenozoica. Insetos, aranhas, e muitos outros animais de pequeno porte, que viveram próximos à árvores, ramos, ou sobre o solo da floresta, foram capturados por essa resina fresca, uma substância quimicamente muito estável. Ela impede que os organismos entrem em estado de putrefação ou desintegração. O âmbar é o único meio que preserva os organismos perfeitamente e em terceira dimensão. Normalmente, ele pode ser encontrado próximo à zonas costeiras.

3) Como vocês encontraram os vestígios no noroeste da Etiópia? Qual a técnica utilizada?

O material de análise foi encontrado nos sedimentos arenosos do planalto noroeste da Etiópia, por um geólogo que trabalha para uma empresa de mineração daquele país. Posteriormente, ele enviou o objeto de estudo para dois especialistas, um na Áustria e o outro na Alemanha. Investigamos essas inclusões fósseis usando microscópios e, agora, o estudo detalhado de alguns fósseis também está sendo feito na França, por meio de técnicas de imagem.

4) Qual a importância da descoberta para a ciência?

A maioria desses fósseis descobertos em âmbar, na Etiópia, está entre os primeiros representantes conhecidos de seus grupos. Os organismos encontrados fornecem informações sobre a diversidade do passado e a origem e a evolução desses grupos, além de revelarem as interações entre plantas, fungos e os artrópodes durante uma época de grandes mudanças nos ecossistemas terrestres (crescimento até a dominância das plantas com flores). Nossa descoberta deve enfatizar o grande potencial para a investigação de depósitos de âmbar no hemisfério sul, onde poucos são conhecidos até o momento.

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