Ciência e Saúde

Pesquisa mostra que as lagoas de água salgada no Pantanal são resultado do sistema de cheias e de secas da região

postado em 26/04/2010 08:42
O Pantanal é um paraíso ecológico de imensa diversidade, que inclui, para a surpresa de muitos, até mesmo áreas cobertas por água salgada. Trata-se de um conjunto de lagoas salinas em Mato Grosso do Sul que há muito tempo atrai o interesse de cientistas que buscam uma explicação para o fenômeno. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que elas eram resultado de um tempo longínquo, há cerca de 100 mil anos, quando o clima global era bem diferente. No entanto, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mudou radicalmente a compreensão que os cientistas têm da região. Diferentemente do que se imaginava, o processo de salinização não é antigo, mas bastante atual e que segue os ciclos de seca e de cheia da região.

Clique para ampliarO complexo está localizado em uma região conhecida como Pantanal de Nhecolândia, no município de Dourados (MS). Em uma área de cerca de 27 mil quilômetros quadrados, concentram-se 7,8 mil lagoas de água doce e 1,5 mil de águas salinas. ;Elas têm uma função muito importante para a manutenção da vida na região. No período da seca, a maioria dos cursos de água doce secam, e os animais se adaptaram a beber a água salgada;, explica Sheila Furquim, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que realizou a pesquisa durante seu doutorado no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

Ela explica que os estudos até então existentes dizem que as lagoas salinas se formaram entre 126 mil e 10 mil anos atrás. ;Anteriormente, acreditava-se que o sal dessas lagoas havia sido depositado na região há milhares de anos, graças à intensa evotranspiração na região;, conta a pesquisadora. ;Para esses estudos, as lagoas salinas são aquelas que conseguiram conservar, ao longo do tempo, o sal, que teria sido escoado nos demais lagos;, completa.

Desde 1998, grupos de pesquisadores da USP, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), do Institut de Recherche pour le Dévelopement (IRD), na França, e da Universidade da Califórnia Riverside (UCR), nos Estados Unidos, tentam compreender o funcionamento do conjunto de lagos e de sua relação com o ecossistema pantaneiro. Em seu trabalho, Sheila analisou dados geológicos da região e físico-químicos da água. ;Tudo isso nos fez compreender que essa hipótese tradicional não está correta, e que pelo menos parte da salinidade da água é fruto de fenômenos atuais;, conta a cientista.

Lençóis freáticos
Segundo o estudo de Sheila, as lagoas salinas são alimentadas unicamente pelos lençóis freáticos, que por sua vez são formados pelas águas dos lagos doces. ;Durante o período de seca, a água dos dois tipos de lagos evapora. Os de água doce secam quase totalmente, e os salgados têm seu nível diminuído. Os íons de magnésio, potássio e cálcio presentes da água se concentram, deixando a água ainda mais salgada;, conta a professora. ;Quando as chuvas voltam, o nível da água doce voltar a subir, e, por meio dos lençóis freáticos, ela é levada para os lagos salinos com mais íons, realimentando novamente o ciclo de salinidade;, afirma a pesquisadora.

Outra característica que torna as lagoas salinas do Pantanal diferentes é o seu elevado pH. Numa escala que varia de 1 a 14, elas atingem o índice 10. ;Nossa mão chega a queimar quando as tocamos. Também há uma alta concentração de substâncias nocivas aos seres humanos, como arsênico. Incrivelmente, os animais e as plantas da região conseguem utilizá-la para seu consumo;, completa a cientista.

Para o professor José Pereira de Queiroz Neto, orientador da pesquisa, as informações obtidas derrubam completamente o que se acreditava até agora. ;Hoje, existe uma tecnologia muito mais eficiente do que se tinha nos anos 1980, quando os primeiros estudos foram realizados na área;, explica. ;Os dados nos permitem derrubar por completo o que foi descrito anteriormente. O que não se pode determinar é se o fenômeno que descobrimos é responsável por toda a salinidade ou apenas por parte dela, existindo outras causas;, conta.

Muitas dessas perguntas que intrigam os pesquisadores correm o risco de nunca serem respondidas. Isso porque o complexo de lagoas corre sério risco de desaparecer. ;A composição da água torna essas lagoas muito delicadas, e qualquer alteração no ambiente, como a retirada da vegetação para abertura de pastagens, pode causar erosão do solo e ter efeitos catastróficos para a região;, explica Sheila. ;Por isso é muito importante manter a área protegida da ação humana;, completa Queiroz Neto.

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