postado em 01/05/2010 07:00
O estresse e a ansiedade são conhecidos fatores de risco para a depressão, doença que acomete, atualmente, cerca de 121 milhões de indivíduos em todo o mundo. Embora os indícios da conexão biológica entre os três transtornos fossem considerados evidentes, o mecanismo no cérebro responsável pela ligação entre eles ainda não havia sido descrito efetivamente. A interação entre estresse, ansiedade e depressão, no entanto, acaba de ser comprovada por um grupo de cientistas do Robarts Research Institute, na University of Western Ontario, no Canadá. A descoberta poderá abrir caminho para desvendar como se encaixam as peças do complicado quebra-cabeça bioquímico que alimenta essas patologias psiquiátricas, muitas vezes, negligenciadas. A pesquisa também resultou no desenvolvimento de um inibidor molecular que poderá, de acordo com os próprios pesquisadores, revolucionar o tratamento desses distúrbios.A bióloga brasileira Ana Cristina Magalhães é uma das cientistas envolvidas no achado. A pesquisadora explica que a conexão biológica identificada por ela e pelos colegas envolve o receptor de fator hormonal de liberação de corticotropina (CRFR1), relacionado à principal resposta ao estresse disponível no organismo, e receptores do neurotransmissor de serotonina (5-HTR), ligados à depressão. ;Concentramos a pesquisa no córtex cerebral, porção muito envolvida com a depressão, na qual encontra-se a maior quantidade de receptores 5-HTR. Verificamos, porém, que a CRFR1 também é encontrada nessa região. As duas proteínas tanto estão presentes em uma conexão anatômica nas mesmas células quanto interagem no interior dessa estrutura;, pontua Ana. Essa interação ativa o CRFR1, que aumenta a quantidade de 5-HTR disponível nas células cerebrais, potencializando o risco de transtornos ansiosos e depressivos.
É o que foi confirmado, na prática, com os testes realizados em camundongos. ;O segredo está nas proteínas que ficam na superfície das células. Quando o receptor do fator liberador de corticotropina (CRFR1) recebe um estímulo externo, é ativado e se encaminha para o interior da célula, onde passa a interagir com o receptor de serotonina. Todo esse mecanismo intensifica a ansiedade e a resposta depressiva;, reforça.
Nova droga
Os experimentos nos animais resultaram em outra novidade: o desenvolvimento de um inibidor molecular, passo importante para criação de outras drogas que terão alvo direcionado nos receptores. Os medicamentos atuais bloqueiam o receptor inteiro, inativando praticamente todas as suas funções. ;O inibidor será testado nos camundongos também. Queremos verificar se ele bloqueará apenas uma interação do receptor, que seria justamente o aumento da ansiedade. Se funcionar, tudo indica que estamos diante da possibilidade de desenvolver drogas com menos efeitos colaterais para as pessoas que sofrem desses transtornos;, adianta a cientista brasileira.
O medo é uma força evolutiva fundamental para os seres humanos. Dependendo da capacidade de resposta do indivíduo, a sensação pode ajudar e evitar perigos potenciais ou ser transformada em um problema patológico. A maioria das pessoas, por exemplo, sente aquele famoso frio na barriga quando precisa falar em público. Cumprida a tarefa, o medo e a ansiedade somem. Para aqueles que apresentam desordens de ansiedade, no entanto, discursar para uma plateia é praticamente impossível. ;Os biólogos trabalham para entender como as células integram informações a partir de múltiplos receptores para produzir a resposta adequada. Embora ocorram em conjunto, ansiedade e depressão são transtornos psiquiátricos diferentes;, conclui Ana.
Para o psiquiatra e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Boechat, o estudo canadense pode realmente abrir novas portas para a terapia direcionada aos transtornos mentais que afetam milhares de pessoas em todo o planeta. O médico lembra que, atualmente, o tratamento da depressão é voltado para a regulagem dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, duas substâncias encarregadas de propagar os estímulos nervosos no cérebro. A serotonina está ligada à motivação, à energia e à atenção, enquanto a noradrenalina responde pela impulsividade, pelo apetite e pela libido. Em conjunto, elas regulam o humor e as funções cognitivas. ;Não restam dúvidas que o grupo canadense encontrou uma conexão importante. Ao que parece, esse inibidor seria capaz de bloquear a resposta ao estresse, que gera um estado ansioso e depressivo. Mas é preciso entender que, para um novo medicamento ser disponibilizado aos pacientes, são necessários incansáveis anos de testes. Teremos que esperar um bom tempo;, pondera o psiquiatra.
Comum, mas desprezada
O psiquiatra Rafael Boechat observa que, ainda que a depressão seja muito mais comum do que doenças muito temidas pela população, como o câncer e a Aids, as autoridades de saúde não tratam o problema com a devida atenção. Quando sentimentos negativos se tornam extremos a ponto de comprometer a qualidade de vida dos pacientes, é fundamental que a vítima receba ajuda. No entanto, isso nem sempre ocorre. Especialistas estimam que, no Brasil, o mal afete diretamente 17 milhões de pessoas ; e calcula-se que pelo menos 20% dos deprimidos demorem até cinco anos para buscar auxílio médico.
Estudos da Organização Mundial da Saúde revelam que cerca de 75% das pessoas com depressão não recebem tratamento adequado. A doença está entre as quatro maiores causas de incapacidade no mundo e deve se tornar a segunda até o ano de 2021. Os sintomas mais clássicos são apatia, desânimo, falta de interesse ou de prazer nas atividades diárias, dificuldade de concentração, atenção e memorização. Alterações de sono, apetite e libido também são observadas nas pessoas depressivas.
Uma das consequências mais graves é o suicídio, sem dúvida o quadro mais preocupante da depressão. Em todo o planeta, cerca de 850 mil vidas são perdidas a cada ano devido a essa trágica fatalidade. ;É um problema pouco abordado, encarado como um tabu, que mata mais que todas as doenças de todas as áreas da medicina. Para se ter uma ideia, é a maior causa de morte entre jovens nos Estados Unidos. Infelizmente, os números no Brasil não ficam atrás;, diz. Por conta das mudanças hormonais, principalmente no climatério, as mulheres são mais sujeitas à depressão do que os homens, numa proporção de 2 para 1. Mas a mazela, que também acomete crianças, não escolhe classe social.