postado em 07/05/2010 07:00
Movimentos bruscos e involuntários da cabeça e espasmos no pescoço, nas costas e em toda a lateral do corpo, acompanhados de muita dor, são algumas manifestações que surpreenderam e mudaram a vida da ex-promotora de vendas Maria Aparecida dos Santos, 38 anos. Um incômodo na coluna cervical foi o primeiro sinal da distonia, doença quase sempre confundida com tiques nervosos. Depois, uma sensação parecida com torcicolo comprometeu os músculos do pescoço e fez com que ela passasse a sentir a cabeça puxando para o lado e rodando para trás. Maria não conseguia controlar os próprios movimentos e muito menos entender o que estava se passando.
Até a distonia ser diagnosticada, ela peregrinou por clínicos, ortopedistas e neurologistas por mais de um ano e, como costuma ocorrer com esse tipo de paciente, foi refém de deboches e preconceitos. ;Era uma pessoa ativa, tinha dois empregos e nunca ouvira falar desse mal. Não há casos desse problema na minha família. Fiquei desesperada. Alguns médicos sugeriam que eu estava simulando uma doença. Na rua, era vista com desconfiança;, relata.
Maria está aposentada por invalidez devido à distonia generalizada. Ela depende do auxílio da filha de 19 anos para realizar tarefas simples, como tomar banho e sair de casa.
A distonia é uma doença limitante, caracterizada por movimentos anormais e involuntários de contrações musculares e espasmos que ocorrem em diversas partes do corpo.
O mal pode afetar pequenas regiões, como olhos, pescoço e mãos (as chamadas distonias focais), ou ser segmentado e comprometer mais de um membro ; ou mesmo o corpo todo, como é o caso da ex-promotora de vendas.
O neurologista Nasser Allan explica que a doença é lenta e gradativa. ;Os pacientes podem apresentar espasmos, tremores ou posturas fixas. Algumas formas de distonia são hereditárias, mas não conseguimos saber exatamente qual a causa da maioria dos casos;, lamenta.
A ciência sugere que os indivíduos que sofrem com a mazela têm uma disfunção nos núcleos da base, estruturas cerebrais responsáveis pelo refinamento dos movimentos. ;Os músculos são ativados sem que haja necessidade dessa ativação. Identificamos o local onde ocorre o transtorno, mas precisamos descobrir o mecanismo que desencadeia tudo isso;, explica Nasser.
A confusão entre a distonia e o tique faz com que a história dos pacientes fique ainda mais triste. Eles demoram a procurar ajuda e muitos médicos não conhecem a patologia. Alguns estudos mostram que, mesmo nos Estados Unidos, as vítimas dessa doença levam cerca de oito anos para ter um diagnóstico definitivo. ;No Brasil, os pacientes são tachados de doentes mentais e nem todo profissional faz um diagnóstico diferencial adequado, pois os sintomas da distonia são parecidos com os de muitas doenças;, acrescenta.
Neurologistas com especialidade em distúrbio dos movimentos são os médicos indicados para atender esses pacientes. ;Em nosso país, não existem pesquisas que apontem a quantidade de doentes, mas, pela experiência em ambulatório, posso afirmar que nos adultos acima dos 35 anos o mal é mais frequente e que as mulheres são mais atingidas, principalmente em relação ao blefaroespasmo;, destaca Nasser. Além das limitações físicas, a distonia afeta a autoestima, provocando ansiedade e depressão.
Isolamento social
O neurologista Nilson Becker, especialista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, observa que, em alguns casos, a mazela leva ao afastamento do trabalho e ao isolamento social. Segundo ele, por conta dos movimentos involuntários, os pacientes chamam atenção por onde passam. ;A distonia é uma síndrome neurológica que desencadeia contraturas musculares descontroladas e repetitivas, posturas anormais e torções. É muito frustrante não ter o controle sobre os movimentos. O estresse é praticamente inevitável, o que acaba contribuindo para que espasmos e tremores se intensifiquem;, explica o médico.Como consequência dos sintomas, muitos portadores ficam impossibilitados de andar, dirigir e até trabalhar. O blefaroespasmo, por exemplo, pode levar à cegueira funcional e a chamada ;cãibra do escrivão; muitas vezes incapacita quem depende da escrita ou da digitação.
Terezinha Silene Rocha, 64 anos, também foi aposentada por invalidez devido à distonia. ;A doença começou nos olhos, que piscavam sem parar, e mais tarde comprometeu o rosto. Sinto dor em todos os músculos da face e, antes de conseguir ter o diagnóstico exato do problema, um médico que desconhecia a patologia me ironizou, dizendo que eu deveria colocar um esparadrapo nos olhos para mantê-los abertos;, desabafa. ;Fiquei cinco anos nessa agonia. Me isolei completamente, porque não conseguia mais sequer abrir os olhos. Vivia machucada devido aos tombos e topadas que passaram a fazer parte da minha rotina.;
Esperança de alívio
A distonia não tem cura. Segundo o neurologista Nilson Becker, a generalizada é mais comum em adultos jovens. ;Não existem muitas pesquisas, mas estimamos que esse tipo de mazela acomete até 50 pessoas a cada 1 milhão de habitantes. Nos judeus, esse índice dobra. A distonia generalizada parece ser geneticamente determinada. A focal é mais frequente. Calculamos em torno de nove casos para cada 100 mil pessoas;, alerta.Os sintomas do mal são amenizados com a aplicação de toxina botulínica tipo A no músculo comprometido pela doença. A substância revolucionou o tratamento das distonias. ;Ela ameniza as contrações, abranda as dores e ajuda a corrigir a postura, devolvendo a qualidade de vida aos pacientes. Quando aplicada adequadamente, apresenta resultados eficazes em mais de 90% dos casos de blefaroespasmo, distonia cervical e espasmo hemifacial;, avalia o neurologista.
Relaxantes musculares e drogas que atuam nos neurotransmissores e no controle motor, além de ansiolíticos e antidepressivos, também auxiliam, de pendendo do caso. Para pacientes mais graves, que não respondem ao tratamento oral e à toxina botulínica, a cirurgia pode ser a melhor alternativa. ;Implantamos um marca-passo cerebral, que auxilia no controle dos movimentos involuntários;, especifica o médico.
Ouça trecho da entrevista com o neurologista Nasser Allan