postado em 25/05/2010 14:14
Tudo aconteceu cerca de 360 milhões de anos atrás, durante o Período Devoniano (o quarto da Era Paleozoica), após o surgimento das primeiras vegetações e numa época em que peixes bizarros habitavam os mares: alguns dos chamados placodermos mediam até 10m de comprimento, apresentavam uma espécie de blindagem e mandíbulas poderosas. Foi então que esses animais desapareceram, em um episódio ainda considerado um mistério para a ciência, denominado Evento Hangenberg. E foi a extinção dos peixes primitivos que abriu espaço para o surgimento de todos os vertebrados modernos, inclusive o homem.A conclusão faz parte de um estudo publicado pela revista científica Proceedings of National Academy of Science (PNAS) e coordenado pela estudante de graduação em biologia e anatomia do organismo Lauren Sallan, da Universidade de Chicago. ;Suspeitamos que houve algum tipo de reviravolta entre os períodos Devoniano (entre 416 milhões e 359 milhões de anos atrás) e Carbonífero (354 milhões e 290 milhões), com base nos registros fósseis e em estudos recentes;, afirmou Lauren ao Correio, em entrevista por e-mail.
De acordo com ela, a transição dos peixes pré-históricos para os animais vertebrados modernos foi repentina. ;O Evento Hangenberg eliminou a maior parte das espécies dominantes do Devoniano, destruindo os ecossistemas existentes e diminuindo as chances de sobrevivência;, explica a estudante. ;Um punhado de outras espécies, incluindo os peixes Acanthodii (ósseos e cartilaginosos), sobreviveu, mas nunca se recuperou totalmente, tornando-se vítima eventual da extinção. Entre as espécies que resistiram estão os tetrápodes marinhos de cinco dedos, ancestrais dos vertebrados modernos, e os tubarões ; ambas raras no Período Devoniano;, acrescenta Lauren. A pesquisadora explica que, depois de um período de recuperação, esses animais se diversificaram em formas distintas e prepararam o terreno para a atual biodiversidade.
Apesar da escassez dos registros fósseis dos primeiros vertebrados, Lauren e seu professor Michael Coates usaram uma base de dados mais ampla dos períodos Devoniano e Carbonífero e realizaram análises ecológicas. ;Pudemos detectar uma reviravolta da fauna, ou uma extinção em massa. Percebemos que os placodermos desapareceram no fim do Período Devoniano;, conta a cientista. Culpa do Evento Hangenberg, representado pela deposição de folhelhos (rochas sedimentares) por todo o planeta. ;As causas do aniquilamento dos peixes pré-históricos são desconhecidas. Recentemente, comprovou-se que as geleiras existiam nos trópicos durante a extinção, bem como no Polo Sul;, explica Lauren, comparando o fenômeno a uma era glacial. ;Como resultado, o nível dos mares caiu drasticamente, lançando áreas marinhas sobre regiões do continente;, acrescenta.
Sorte
Lauren vê a sorte como explicação para o fato de os vertebrados modernos terem conquistado uma posição de domínio. ;Acreditava-se que eles tivessem assumido a fauna por meio de alguma vantagem competitiva. No entanto, temos mostrado que não há nada intrinsecamente melhor;, admite. Ao mesmo tempo, os tetrápodes conquistaram terreno de forma progressiva, depois de quase serem eliminados. ;Talvez, uns poucos sortudos tenham sobrevivido para se tornarem ancestrais dos animais terrestres da atualidade;, diz. Os cientistas teorizavam que o Evento Kellwasser ; uma das cinco maiores extinções da história da Terra ;, no fim do Devoniano, teria sido responsável pela reestruturação dos invertebrados marinhos. A análise de Lauren e Michael destacou uma mudança crítica nessa diversidade, apenas 15 milhões de anos depois.
Após essa extinção, ocorreu um período de 15 milhões de anos durante o qual os tetrápodes quase não existiram. Os dados dos estudos da Universidade de Chicago pressupõem que esse vácuo representou uma espécie de ressaca após o Hangenberg. ;Algo classicamente visto após uma extinção é um vácuo nos registros de sobreviventes;, esclarece Lauren. ;Você tem uma diversidade de fauna muito reduzida, porque a maior parte das coisas foi dizimada;, acrescenta. Segundo Michael, os eventos de extinção removeram uma imensa quantidade de biodiversidade. ;Isso molda o mosaico de biodiversidade que persiste até os dias atuais;, diz.