Ciência e Saúde

O mercado feminino do cigarro

Consultora da Organização Mundial da Saúde detalha a estratégia da indústria tabagista para atrair a mulher moderna

postado em 31/05/2010 05:06

[SAIBAMAIS]Este ano a campanha da OMS do dia 31 de maio focaliza especialmente as mulheres. Por que essa parcela da população foi escolhida?
O uso do tabaco em todas as suas formas se concentrou historicamente entre homens. Cigarros, Cigarrilhas, cachimbos no ocidente e em paralelo com cigarros, também bidis, cigarros de Bali, fumo mascado e narguile (cachimbo d;água) no oriente. Estes foram os primeiros a sofrerem as consequências deste consumo: um aumento das taxas de câncer, infartos, derrames cerebrais e doenças pulmonares crônicas. Mas a mulher ; e as crianças - desde esta época também já pagavam o preço do tabagismo passivo, e esta é a primeira preocupação da OMS especialmente em países onde a mulher ainda não fuma e onde já sofre - junto com seus filhos - as consequências do tabagismo especialmente em casa, o que é importante até os dias de hoje como problema de saúde pública. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho e as mudanças sociais ocorridas no final do século 20, as mulheres passaram a ser um novo mercado consumidor. As indústrias de tabaco imediatamente focaram suas campanhas de marketing neste segmento do mercado: cigarros mais finos foram desenhados para atrair este público, embalagens com padrões femininos foram desenhadas, novos aditivos foram incorporados criando novos sabores e agressivas campanhas publicitárias foram veiculadas associando o tabagismo com beleza, sexualidade e sucesso. No ocidente, isto resultou de imediato que elas começassem a fumar e alguns anos depois as estatísticas de adoecimento e morte já mostravam que mulheres que fumam como homens morrem como homens. No oriente, elas ainda fumam pouco, mas este consumo está aumentando de forma importante especialmente nas novas gerações. Esta tendência é crescente e preocupa as autoridades de saúde em particular porque a mulher desempenha papéis diferentes na sociedade e tem características biológicas diferentes. Exemplo é a mulher gestante cujo filho também fuma quando ela fuma. Doenças relacionadas com a gravidez podem ser causadas pelo consumo de cigarros. Por outro lado mulheres tem mais dificuldade em parar de fumar do que os homens e existem outros fatores envolvidos na iniciação. Finalmente, mulheres são mães, professoras, enfermeiras e desempenham um papel de modelo de comportamento para as futuras gerações. O Dia Mundial sem Tabaco 2010 aponta para os malefícios que o marketing e a fumaça do tabaco causam à mulheres. Também procura tornar os homens mais informados sobre seu papel e responsabilidade em evitar de fumar perto das mulheres, seja em casa, no local de trabalho ou de lazer.Vera Luiza:

Pode-se dizer que o tabagismo é uma epidemia?
Certamente, o tabagismo é a grande epidemia dos séculos 20 e 21.O vetor (mosquito) desta epidemia é o marketing da indústria do tabaco e o tabagismo passivo, a forma de atingir a quem não fuma. Anualmente mais de 5 milhões de pessoas morrem no mundo por causa do tabaco. Deste contingente, em torno de 1, 5 milhões são mulheres. As estimativas da OMS apontam para o fato de que daqui a 20 anos o tabaco estará matando mais de oito milhões de pessoas das quais 2,5 milhões de mulheres. O que é mais dramático é que ; destas mortes - todas perfeitamente evitáveis - ocorrerão em países em desenvolvimento, caso a epidemia continue seguindo seu curso atual.

Como está o combate ao tabagismo a nível mundial?
Apesar de inúmeros avanços em países selecionados, a questão ainda está sendo abordada de forma muito lenta e gradual com o consumo mundial ainda em crescimento. Uma série de medidas precisam ser tomadas pelos governos para contra atacar a epidemia. Aumento dos preços dos produtos do tabaco para reduzir o acesso pelo consumidor (R), proibição de fumar em ambientes fechados (P),incluindo-se bares hotéis e restaurantes, proibição da publicidade de produtos de tabaco (E),campanhas vigorosas informando a população (W), apoio à cessação (O), estão entre as principais medidas descritas na Convenção Quadro para o controle do Tabaco que o país como Parte deve contemplar para reduzir a epidemia. O gráfico abaixo, compilado em 2008 pela OMS, dá uma real dimensão do muito que os governos ainda tem que fazer. O Brasil por exemplo tem sido um modelo nesta área mas mesmo assim, ainda precisa abordar de forma melhor algumas medidas como a proibição de fumar em locais fechados - sem permitir fumódromos ou sistemas de ventilação pois eles não funcionam, a proibição da publicidade nos pontos de venda ;que tem sido intensa, caminhar para os maços de cigarro genéricos e estabelecer uma política de aumento regular de impostos e preços.

Vocês acreditam que há vontade política para combater esse problema?
Todos os estados membros da OMS que somam 192 países, adotaram um tratado internacional, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabacoda OMS - CQCT, demonstrando assim vontade política para tomar as medidas necessárias para o controle do tabagismo. No presente momento, 168 tornaram-se parte do tratado, ou seja, transformaram o tratado em lei nacional, vinculando-se legalmente à obrigações do mesmo. Questões que transcendem a possibilidade de serem controladas dentro das divisas geográficas dos países podem ser tratadas em ação conjunta pelos países. Este é o caso da publicidade transfronteiriça e do contrabando que geralmente envolvem mais do que um país no seu controle. O tratado também visa a cooperação científica e colaboração entre os países. Mas, como já mostrado anteriormente, muito ainda resta a fazer. E a indústria fumageira tem força econômica e poder de influenciar governos e a sociedade para retardar a implantação destas medidas. Enquanto isto, as pessoas continuam a morrer precocemente, crianças e adolescentes continuam sendo influenciados a começar a fumar e as mulheres aumentam o consumo e a exposição ao tabagismo passivo.

Tratamentos para quem quer deixar o cigarro estão disponíveis para a maior parte da população?
Infelizmente ainda não. Apenas oito por cento dos 192 países membros da OMS oferecem tratamento regular para o fumante que queira deixar de fumar. Muitos países também não dispõe de medicamentos para abordar o fumante que ainda não conseguiu parar de fumar pelos métodos comportamentais incluindo o aconselhamento pelo profissional de saúde. Além disto, uma grande parte dos profissionais de saúde ainda não tem informação suficiente ou comprometimento necessário como tema, entre eles os médicos, que tem papel especial na abordagem do fumante. Uma sociedade que restringe os espaços para fumantes tem que necessariamente oferecer apoio aos que queiram deixar de fumar porque a dependência à nicotina é uma enfermidade como o aumento do colesterol ou a hipertensão e deve ser tratada com o mesmo rigor ; o de quem quer melhorar a qualidade de vida da população. Neste sentido, pode se observar que o Brasil está avançando de forma importante como um país que já está atingindo sua população de fumantes com redução do consumo.

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