Ciência e Saúde

Ponto a ponto Claudio Maretti: natureza ameaçada

Superintendente de Conservação do WWF fala das conquistas e desafios a serem vencidos pelo Brasil e por outras nações na área ambiental

postado em 05/06/2010 07:00
A destruição dos ecossistemas tem afetado espécies vegetais e animais, seres humanos e até mesmo as economias do mundo todo. O alerta vem do superintendente de Conservação do WWF, Claudio Maretti, que conversou com o Correio por conta do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado hoje. Integrante de uma das entidades ambientais mais respeitadas no mundo, Maretti voltou recentemente de Nairóbi, no Quênia, onde participou da reunião do Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA, na sigla em inglês) ; encontro preparatório para a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que será realizada em outubro, no Japão, com o objetivo de estabelecer metas para frear a perda da biodiversidade.

Um dos trechos do manifesto produzido em Nairóbi, assinado por 18 entidades, incluindo o WWF, ressalta que, apesar do progresso obtido em algumas áreas, os países que compõem a CDB falharam em atingir as metas estabelecidas para 2010. ;A perda de diversidade biológica continua ocorrendo em níveis alarmantes, os serviços e funções dos ecossistemas estão diminuindo severamente, e nem os benefícios dos recursos naturais nem os custos de sua perda estão sendo repartidos equitativamente;, relata o documento.

Segundo Maretti, o Brasil obteve importantes vitórias, como a redução da destruição na Amazônia, que repercute positivamente em todo o mundo. Porém, lembra o ambientalista, ainda há muito o que ser feito. O país, por exemplo, não atingirá até o fim do ano a meta de desmatamento zero na Mata Atlântica. E é muito preocupante a situação do cerrado. ;A situação do bioma está gerando danos imensos para a biodiversidade e também para as mudanças climáticas, numa velocidade impressionante.; Por isso, Maretti considera importantes datas que lembram a necessidade de preservar a natureza. ;O Dia Mundial do Meio Ambiente deve ser de reflexão para governantes e sociedade.;


Dia do Meio Ambiente

No Dia Mundial do Meio Ambiente, nós, brasileiros, temos conquistas significativas para comemorar. Áreas de vegetação e espécies de animais vêm sendo protegidas com mais empenho e a vida melhorou em vários sentidos. Porém, apesar de bons, os resultados ainda são insuficientes. Primeiramente, precisamos agradecer por estarmos vivos e bem, com qualidade e expectativa de vida. Justamente por esse motivo, é preciso mudar a estratégia. O futuro, a partir do que estamos fazendo hoje, é sombrio. Todos os anos, as tragédias se repetem e são cada vez mais fortes. São enchentes, secas, terremotos e tsunamis, sendo que o homem pode ter relação direta ou indireta com tais fenômenos. Iniciativas como o Dia Mundial do Meio Ambiente são importantes para que as pessoas se lembrem desse recado. O dia deve ser de reflexão para governantes e sociedade.;

Cerrado em perigo

;Na minha opinião, (o bioma mais ameaçado) é o cerrado. As taxas de desmatamento são crescentes e chegam a ser maiores que na Amazônia. A situação do bioma está gerando danos imensos para a biodiversidade e também para as mudanças climáticas, mas as pessoas acham que não há problemas nisso, até apelidam a vegetação característica de ;árvore torta;. O cerrado precisa ser analisado com mais cuidado. Quais são as propostas de grandes parques para o cerrado, hoje? Até agora conheci poucas medidas realmente efetivas e que visam à mudança desse cenário.;

Plano estratégico

;Estive recentemente em Nairóbi (Quênia), na reunião preparatória que antecede a Convenção das Partes (COP) da Biodiversidade, que acontece em outubro. O encontro tratou de um ciclo estratégico que termina no fim de 2010. Mas metas de conservação da biodiversidade não serão alcançadas. Nesse sentido, a avaliação interna da convenção e o relatório externo das Nações Unidas chegaram à conclusão de que estamos perdendo em valores econômicos, em capacidade de alívio da pobreza e em resistência a grandes desastres naturais. Por exemplo, o caso do tsunami (no Oceano Índico, em dezembro de 2004). A catástrofe não foi provocada pelo homem diretamente, mas, ao desmatar os manguezais, ele fez com que áreas ficassem frágeis e mais suscetíveis a receber aquelas ondas gigantes.;

Prejuízo econômico

;Um dos tópicos discutidos durante o encontro foram as consequências do não cumprimento das metas da biodiversidade. E essa responsabilidade é dos chefes de Estado e governo, pois todos os problemas gerados condenam populações inteiras a não terem sua condição de vida melhorada. Chegamos a essa conclusão a partir de dados econômicos obtidos de todos os ecossistemas. Defendemos que o valor da biodiversidade seja incluído nas contas nacionais, para que todos saibam o quanto se perde quando não se cuida adequadamente da natureza. Se formos para a ponta do lápis, veremos que o desmatamento faz com que o mundo perca bilhões de dólares anualmente. E, normalmente, quando um chefe de estado toma uma decisão que implica na perda de bilhões de dólares, ele é criticado. Infelizmente, com a perda de florestas não acontece isso.;

Participação brasileira

;Nosso país tem metas para 2010 em relação à Mata Atlântica, como o desmatamento zero na região, que não serão atingidas. O Brasil se comprometeu a ter 10% de todos os biomas dentro de áreas de conservação, e 30% da Amazônia. Na Amazônia, conseguimos mais de 20%. A quantidade de áreas protegidas criadas pelo Brasil, nesse período, é muito significativa. É preciso ressaltar que a redução do desmatamento da Amazônia é um ponto a nosso favor e foi bastante elogiado no exterior. Além disso, o programa de áreas protegidas da Amazônia, que me parece ser o maior do mundo em termos de conservação da biodiversidade, também merece destaque. Necessitamos da criação de mais áreas protegidas. Para isso, porém, é preciso haver interação entre os diversos setores e planejamento do impacto ambiental.;

Esforços internacionais

;Na minha opinião, a Costa Rica apresentou um esforço significativo, pois há 30 anos o país era extremamente agrícola e desmatava muito. Porém, percebeu o problema e decidiu investir na conservação. Criou parques e reservas e também benefícios para aqueles que recuperam a vegetação em sua propriedade. Aquele país também estabeleceu uma nova meta para atingir excelência no serviço de áreas protegidas. A Suécia também apresentou um programa interessante de eficiência energética e é bastante ambiciosa. Porém, é bom lembrar que o desafio desses países é menor que o do Brasil. Meu destaque negativo vai para a China. Durante a reunião, o país não aceitou a relação de mudanças climáticas e biodiversidade. As convenções discutem temas que buscam a melhoria da qualidade de vida do ser humano como um todo. É impossível falarmos de um assunto excluindo o outro. Ao desmatar, o gás carbônico é emitido e isso altera o clima. Volto a dizer que um país não consegue resolver sozinho todos esses problemas. A China tem um programa de reflorestamento enorme, mas precisa se aliar a outras nações.;

; Leia abaixo a declaração das ONGs na íntegra
Aos países-parte da Convenção sobre Diversidade Biológica:


O relatório Panorama Global da Biodiversidade 3 demonstra claramente que, apesar do progresso obtido em algumas áreas, os países-parte da Convenção sobre Diversidade Biológica falharam em atingir as metas estabelecidas para 2010.

A perda de diversidade biológica continua ocorrendo em níveis alarmantes, os serviços e funções dos ecossistemas estão diminuindo severamente e nem os benefícios dos recursos naturais e nem os custos de sua perda estão sendo repartidos equitativamente.

Nós falhamos porque não abordamos as causas da perda de biodiversidade. As atuais políticas econômicas e sistemas de governança promovem o consumo exacerbado dos recursos naturais por alguns países e segmentos da sociedade. Isso está levando à destruição dos habitats, o que debilita os direitos e os meios de vida de milhões de pessoas que dependem dos ecossistemas para sobreviver.
A capacidade do planeta de suportar a crescente população humana, com altos níveis de produção e consumo, é limitada. A sustentabilidade da vida na terra está sendo severamente enfraquecida.

Estamos num momento decisivo. Uma mudança fundamental é necessária e urgente. A sociedade precisa de uma nova visão que associe políticas socioeconômicas e ambientais.

A boa notícia é que ainda dá tempo. Podemos aprender com as experiências de sucesso e desenvolver abordagens inteligentes e equitativas para o futuro.

Os países-parte da CDB são agora desafiados a liderar o mundo nesta direção.

No entanto, o setor ambiental não pode fazer isso sozinho. Todos os outros setores relevantes, responsáveis por temas como finanças, comércio, mudanças climáticas, energia, redução de desastres naturais, saúde, agricultura, florestas e pesca, precisam agir, tanto no nível nacional quanto no internacional.

Esses setores têm muito a ganhar: a biodiversidade e os ecossistemas funcionais fornecem diversos serviços que apoiam suas metas e sustentam a economia global como um todo.

É do interesse dos países que os governos reconheçam o valor e os benefícios da diversidade biológica para setores relevantes, assim como o custo que terão de enfrentar com sua perda.

Há alguns exemplos em que setores integraram a biodiversidade em seus portfólios, mas é necessária liderança política para garantir essa integração em uma escala muito maior.

Governos devem agir nos níveis mais altos. Chefes de Estado devem se comprometer a mobilizar recursos e ações de todos os setores relevantes.

O atual esboço do Plano Estratégico da CDB para 2020 não contempla adequadamente esse desafio.
Nós reconhecemos o trabalho do Secretariado da CDB, mas a missão geral proposta não é suficientemente ambiciosa. A perda de biodiversidade deve ser interrompida até 2020.

O cumprimento de muitas das metas propostas será uma contribuição positiva para interrompermos a perda de diversidade biológica, mas elas devem ser reformuladas significativamente para serem capazes de atingir a escala dos desafios que enfrentamos.

Portanto, recomendamos:

1. Reformular a missão geral, de acordo com o que segue:
;Até 2020, a perda de biodiversidade deve ser interrompida, os ecossistemas devem estar restaurados e os valores e benefícios da biodiversidade e dos ecossistemas devem ser compartilhados equitativamente e plenamente integrado a todos os aspectos do desenvolvimento. Todos os países-parte devem ter os meios para isso;.

2. Reformular as metas para assegurar que os seguintes temas sejam adequadamente abordados:

; O engajamento dos governos no mais alto nível para integrar a biodiversidade a portfólios relevantes, por meio do estabelecimento de comitês intersetoriais liderados por chefes de Estado.

; A identificação de passos, mecanismos e cronogramas concretos para integrar processos, benefícios e valores da biodiversidade ao desenho de políticas econômicas e à contabilidade dos países, para a saúde e o benefício de toda a sociedade e considerando as dimensões sociais, culturais e de governança da biodiversidade.

; A urgente prevenção da perda de habitats em todos os tipos de ecossistemas, por meio de planejamento territorial efetivo, manejo, uso sustentável e boa governança, com pleno respeito aos direitos de povos indígenas e comunidades locais.

; A integração dos objetivos da CDB a acordos multi-laterais relevantes. Em particular, decisões da Convenção sobre Mudanças Climáticas sobre mitigação e adaptação devem incluir abordagens com base nos ecossistemas que: mantenham ou ampliem a biodiversidade; contribuam com os meios de vida; reconheçam e respeitem os direitos de povos indígenas e comunidades locais; e mobilizem recursos adequados, de forma transparente e equitativa.

Nós incitamos os países-parte da CDB a anunciar compromissos nacionais para avançar nesses quatro temas antes da COP 10/CDB em Nagoya.

Estamos em uma encruzilhada. Como o relatório Panorama Global da Biodiversidade 3 avisa, sem ações rápidas, radicais e criativas, nós nos encaminharemos rapidamente para a destruição da vida na terra. Nossas organizações solicitam que os países-parte aproveitem essa oportunidade para tomar medidas concretas que vão transformar os pontos acima em realidade. Estamos ansiosos para trabalhar juntos durante a próxima década, que certamente será a Década da Biodiversidade para a Organização das Nações Unidas, garantindo que vamos conseguir colocar o planeta de volta em uma rota sustentável.

1. Birdlife International
2. BGCI -- Botanic Gardens Conservation International
3. Conservation International
4. EcoNexus
5. Ecoropa
6. Forest People;s Programme
7. Fundación Vida Silvestre Argentina
8. Global Forest Coalition
9. Global Invasive Species Programme
10. Greenpeace
11. Japan Civil Network for Convention on Biological Diversity (approximately 80 member organisations)
12. Plantlife International
13. The Gaia Foundation
14. The Timberwatch Coalition, South Africa
15. TRAFFIC
16. VAS ; Green Environment Society (federation of 50 organisations in Italy)
17. Wetlands International
18. WWF

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