postado em 09/06/2010 08:50
A 1,2 milhão de quilômetros de nós, existe um mundo coberto por rios e lagos de etano e metano, onde os ventos esculpiram grandes dunas. Titã, a maior lua de Saturno, parece inóspita: a temperatura média é de 178;C abaixo de zero e a água está congelada, inviabilizando, aparentemente, qualquer forma de vida. Mas foi nesse ambiente hostil que dois cientistas norte-americanos perceberam um fenômeno provavelmente ligado à ação de micro-organismos.Especialista da missão Cassini e professor da Universidade Johns Hopkins, Darrell Strobel descobriu que as moléculas de hidrogênio desapareciam da superfície de Titã, após despencarem da atmosfera. ;Eu analisei a distribuição da densidade das moléculas da superfície ao topo da atmosfera. O perfil de densidade aumenta na direção do fluxo de hidrogênio, mas diminui na parte mais baixa da atmosfera;, conta Strobel ao Correio, por e-mail. ;O hidrogênio seria usado como gás por alguma forma ;exótica; de vida;, acrescenta.
Chris McKay, astrobiólogo da Nasa (a agência espacial dos Estados Unido), mapeou hidrocarbonos na superfície de Titã e detectou a ausência de acetileno, substância que seria a melhor fonte de energia para uma vida baseada em metano. ;A falta de acetileno em Titã foi determinada pela espectroscopia infravermelha (a análise de substâncias por meio de radiação eletronagnética);, afirma McKay à reportagem, também em entrevista por e-mail. ;O consumo por formas biológicas é uma explicação possível, pois o acetileno libera energia considerável na reação com o hidrogênio;, explica.
Para McKay, o processamento de hidrogênio é um indício muito importante para a ciência. ;Ele nos revela que algum tipo de química ou biologia interessante está ocorrendo sobre a superfície;, comenta. Strobel, por sua vez, adota a típica cautela dos cientistas. Ele reconhece que os resultados dos estudos sugerem a existência de vida exótica, mas ainda não a confirmam. ;Estou na fase agnóstica. Quero ser muito cuidadoso, pois é assim que a ciência avança;, comenta. Ele revela que o próximo passo da pesquisa é fazer medições que consigam provar ou descartar hipóteses de atividades biológicas em Titã. ;O jeito mais fácil seria encontrar um catalisador abiótico sobre a superfície do satélite. Ainda não temos como detectar, de modo apropriado, uma vida exótica baseada em metano;, acrescenta. Nesse sentido, a ciência precisaria primeiro testar a existência de condições que vetariam a probabilidade de seres vivos habitarem a lua de Saturno.
O processo respiratório de micro-organismos na Terra ocorre a partir de uma equação que inclui oxigênio molecular, carbohidratos gerando moléculas de dióxido de carbono, além da presença de moléculas de água e energia. Strobel crê que, para supostos ;habitantes; de Titã, a vida se basearia num processo que incluiria hidrogênio molecular, acetileno produzindo metano e energia. ;Se houver vida por lá, seria de formas que habitam o metano líquido e consomem acetileno e hidrogênio. Nós ainda não temos qualquer evidência direta para tal forma de vida;, admite McKay.
Hipóteses
A análise do astrobiólogo da Nasa infere quatro possibilidades relacionadas à descoberta. A primeira é de que a determinação sobre o fluxo intenso de hidrogênio na superfície de Titã seria equivocada. A segunda apontaria um processo físico que transportaria hidrogênio molecular da parte mais alta para a mais baixa da atmosfera. ;Poderia haver a adesão do hidrogênio a partículas orgânicas sólidas da neblina atmosférica, que eventualmente caem no solo. Mas isso seria um fluxo de hidrogênio, e não uma perda;, explica McKay, praticamente descartando essa hipótese.
A terceira probabilidade é a de que haveria algum tipo de catalisador na superfície ; ainda desconhecido ;, que pode mediar a reação à temperatura de 178;C negativos. ;A quarta possibilidade explicaria o esgotamento de hidrogênio, acetileno e metano. O fenômeno se deveria a um novo tipo de vida baseada em metano líquido, como nós teorizamos;, acrescenta o cientista da Nasa.
Cientista do Laboratório de Jatopropulsão da Nasa e uma das responsáveis pela sonda espacial Cassini ; que sobrevoou Saturno e algumas de suas luas, fornecendo os dados para os estudos ;, a carioca Rosaly Lopes considera o resultado da pesquisa muito interessante, mas diz que ela não prova a vida em Titã. ;Organismos podem consumir acetileno e hidrogênio, mas não são a única possibilidade;, alerta a estudiosa, que pede cautela. ;Espero que esse resultado encoraje novas missões a Titã. Precisamos de outra sonda lá, com mais capacidade para análises químicas;, diz ao Correio.