Paloma Oliveto
postado em 11/06/2010 09:27
Aos 33 minutos do primeiro tempo, o jogador Frederico da Costa Pinheiro cabeceou a bola e caiu no chão. A cena, ocorrida no mês passado, foi fotografada, gravada e acabou na internet. Contratado dois meses antes pelo Mesquita, time da segunda divisão do campeonato carioca, Fred chegou a ser assistido, mas não resistiu. Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, esse é um assunto que volta a preocupar. Assim como Frederico, boa parte das vítimas da morte súbita é, aparentemente, sadia. O futebol tem um longo histórico de episódios semelhantes ao de Fred (veja ilustração nesta página). No caso de jovens atletas, a principal causa da morte súbita é uma doença genética e hereditária, a miocardiopatia hipertrófica. Caracterizada pelo aumento anormal do volume do coração, a doença incide sobre 8% da população e provoca a morte súbita de 12% de seus portadores.;Apesar de poder se manifestar ainda na infância, ela geralmente aparece na quarta década de vida. Quanto mais jovem for a pessoa, maior a gravidade da miocardiopatia hipertrófica;, afirma o cardiologista do Incor Taguatinga José Sobral Neto, coordenador do I Simpósio de Atualização em Miocardiopatia Hipertrófica do DF, ocorrido no fim de maio. Em 30% dos casos, nenhum sintoma se manifesta. Os demais pacientes sofrem de cansaço desproporcional ao esforço realizado, dor no peito, palpitações e desmaios eventuais. ;O problema é que a pessoa sente essas coisas e não não sabe que tem a miocardiopatia;, lembra Sobral Neto. Sem ter consciência de seu estado de saúde, o portador não se trata e se expõe a fatores que podem ser o gatilho da morte súbita. No caso dos atletas, os treinos intensos e o ritmo acelerado dos jogos. Quem tem a doença pode fazer exercícios físicos, mas somente com a orientação de um especialista em cardiopatias.
Segundo Sobral Neto, um simples ecocardiograma é capaz de detectar alterações no volume do coração. A recomendação da Organização Mundial de Saúde é que, a partir dos 35 anos, as pessoas se submetam ao check-up cardíaco anual, mas, até lá, já pode ser muito tarde para os portadores de miocardiopatia hipertrófica. Por isso, o cardiologista recomenda que, ao menor sinal, indivíduos de qualquer idade procurem o médico. Quando diagnosticada a tempo, os sintomas da doença podem ser controlados. Há desde o uso de medicamentos a cirurgias. Alguns pacientes também podem implantar um desfibrilador automático, que regula os batimentos do coração.
Fora do ritmo
A principal causa de morte súbita é a arritmia, caracterizada pelo ritmo anormal dos batimentos do coração. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia Regional DF, Luiz Leite, na maioria dos casos, as arritmias não oferecem risco de morte e podem ser controladas por medicamentos. Porém, quem já enfartou e sofre do problema está dentro do grupo de risco. ;Portadores de diabetes, hipertensão e obesidade, além dos tabagistas, são os mais propensos a ter o evento;, diz o médico.
Em outubro de 2004, o jogador Paulo Sérgio da Silva, o Serginho, sofreu de morte súbita devido a anomalias do batimento cardíaco. Oito meses antes, o zagueiro do São Caetano, de 29 anos, havia feito um exame de rotina em que a arritmia foi detectada pelo ecocardiograma. Depois de passar por uma cintilografia, exame mais sofisticado, Serginho recebeu o diagnóstico de ;hipomotilidade difusa discreta do ventrículo esquerdo;.
Em termos leigos, significava que os batimentos cardíacos do jogador estavam fora do ritmo normal. Um cateterismo confirmou que, embora as artérias do coração (1)de Serginho não estivessem comprometidas, o órgão estava dilatado. Cardiologistas afirmaram que o caso do zagueiro era uma ;morte anunciada;.
De acordo com Luiz Leite, mesmo em situações como a do jogador Serginho, há possibilidade de a vítima ser salva. ;Para esses casos, existe o desfibrilador, que deveria estar em todos os lugares de grande circulação;, diz. Porém, embora vários estados e municípios, além do DF, terem sancionado leis obrigando a presença do aparelho em locais como shoppings e aeroportos, nem todos os espaços estão equipados. Pequeno e portátil, o desfibrilador não precisa de treinamento prévio para ser usado, já que o aparelho tem um comando de voz, que conduz sua operação. De acordo com pesquisas internacionais, 70% das mortes poderiam ser evitadas se o choque elétrico fosse aplicado no momento correto.
Além disso, a cada minuto que a vítima passa sem a desfibrilação, a chance de se recuperar cai 10%. Mesmo com todo aparato de primeiros socorros à beira do campo do Morumbi, onde ocorreu o jogo entre o São Caetano e o São Paulo, isso não foi suficiente para salvar Serginho. O problema, apontaram médicos, foi que o jogador só recebeu o choque três minutos depois da parada cardíaca. Porém, quatro minutos são suficientes para levar a vítima à morte.
1 - Mais baixos, mais frágeis
Um estudo publicado pelo European Heart Journal nesta semana, que investigou 3 milhões de pessoas, mostrou que os baixinhos têm risco uma vez e meia maior de desenvolver doenças cardíacas e morrer prematuramente, quando comparados aos mais altos. Mulheres que medem menos de 1,53m e os homens com menos de 1,65m têm uma tendência muito mais forte de sofrer problemas cardiovasculares do que as mulheres que superaram 1,66m e homens com mais de 1,73m. Os médicos, porém, não sabem o motivo dessa associação.
Fatores de risco genéticos
Algumas doenças genéticas que acometem o músculo cardíaco são um fator de risco a mais para a morte súbita. Entre elas, está a doença de Fabry, que afeta 1 em cada 117 mil indivíduos. Consequência de um cromossomo X defeituoso, o mal se caracteriza pela falta ou deficiência de uma enzima, a alfa-galactosidase A, que decompõe os lipídeos no corpo. Por isso, o organismo começa a acumular gordura e outras substâncias não degradadas, o que afeta vários órgãos. Entre eles, o coração.
Os sintomas da doença de Fabry incluem cansaço, dores no peito e palpitações. Com o excesso de gordura, o paciente pode sofrer de angina, falta de ar e hipertrofia. No Brasil, existem duas terapias de reposição enzimática aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que podem melhorar os sintomas e evitar o agravamento do quadro
De acordo com a geneticista Verónica Muñoz, do Instituto Genzyme do Brasil, a doença de Fabry é progressiva, o que significa que, com o tempo, vai piorando. ;Quem não é diagnosticado ou não recebe o tratamento apropriado não consegue regredir nem estacionar os sintomas;, diz. ;Como o alvo de comprometimento da doença é o sistema cardiovascular, ocorre a associação com morte súbita;, explica. ;Sem tratamento, ao longo do tempo, a pessoa vai sofrer enfarto e miocardia hipertrófica, o que pode evoluir para a morte em uma idade muito precoce. Se fizer a intervenção adequada, é possível, porém, mudar o curso natural da doença;, diz.
A geneticista esclarece que, assim como Fabry, outros males genéticos e raros, como mucopolissacaridose, doença de Gaucher e Pompe, também caracterizadas pelo acúmulo de gordura no organismo, podem ser tratadas com reposição enzimática. ;No momento, há muitas pesquisas para tratamento de outras doenças genéticas, assim como o aperfeiçoamento das terapias já existentes;, conta. (PO)