Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Engordar emagrece a memória

Pesquisadores da Universidade Católica de Brasília comprovam a relação entre gordura no abdômen e incapacidade de evocar com precisão fatos antigos. Estudo relaciona menopausa com ingestão em excesso de calorias


Ela é uma vilã que não faz a menor questão de se esconder.Incômoda, atrapalha na hora de praticar exercícios, dançar, escolher uma roupa. Mas a barriguinha ; apontada como a responsável por uma série de problemas de saúde ; pode ser ainda mais perversa. Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB) mostra que os quilos a mais na região central do corpo são capazes de até mesmo apagar lembranças. O estudo, realizado com 301 mulheres do Distrito Federal, comprovou a relação entre a gordura acumulada no abdômen e os prejuízos para a memória de evocação, relacionada a coisas que ocorreram há muito tempo.

As mulheres que participaram do levantamento tinham mais de 50 anos e já haviam passado pela menopausa. Nesse período, o corpo feminino sofre a perda de estrogênio ; hormônio que, no cérebro, funciona como um sensor para o controle da quantidade de energia necessária ao organismo. ;Com menos hormônios sexuais, o organismo da mulher tem um funcionamento mais lento e, se ela continua a ingerir mais calorias do que necessita, vai armazenar as reservas nutritivas na cintura, no abdômen, nas costas, de acordo com as tendências de cada família;, afirma a mestre em gerontologia Hellen Paim Romera, autora do estudo.

As participantes da pesquisa responderam a um questionário com informações sobre escolaridade(1), eventual reposição hormonal, condições de saúde e hábitos de vida. Também fizeram um miniexame de estado mental, teste clínico que verifica as funções cognitivas da pessoa. O exame apura como anda a linguagem, a orientação geral, a orientação espacial, a orientação temporal, a atenção, o raciocínio lógico, a memória imediata e a memória de evocação. ;São perguntas extremamente simples. No caso da memória de evocação, o profissional fala três palavras aleatórias e pede para a pessoa tentar repeti-las depois de um tempo;, explica o professor Adriano Tavares, orientador da pesquisa.

Hellen Romera também coletou dados antropométricos das 301 mulheres: peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e medida da cintura, razão entre a circunferência da cintura e do quadril. A partir disso, a pesquisadora chegou ao índice de conicidade de cada uma, valor referente à quantidade de gordura acumulada na região visceral. Os resultados mostraram que mulheres com menor conicidade (com a gordura mais distribuída pelo corpo) tiveram melhor desempenho no teste que avaliou o estado da memória de evocação. Hellen e o professor Tavares encontraram apenas um outro trabalho semelhante a esse na literatura científica, feito com mulheres coreanas.

Causas
Os pesquisadores não conseguiram descobrir por que a barriguinha provoca esse efeito nas mulheres que já passaram pela menopausa. ;Esse é um estudo de associação da perda de memória de evocação em mulheres pós-menopáusicas com obesidade central. Em uma próxima etapa, vamos tentar definir a causa disso;, diz Tavares. O professor aponta duas possibilidades para o prejuízo da função cognitiva. Uma delas seria que o excesso de gordura central favoreceria a obstrução de artérias no cérebro, provocando o acidente vascular cerebral (AVC). ;A gente não sabe exatamente onde ocorre o processo de arteroesclerose. O que sabemos é que essa isquemia está afetando a memória;, diz o orientador.

Outra possibilidade é que a obesidade central provocaria a resistência insulínica, que ocorre quando o corpo necessita de mais quantidade do hormônio para garantir que a glicose chegue às células. ;A gordura visceral tem muito mais resistência à ação da insulina se comparada a de outras regiões. Se eu tenho sobrepeso, posso necessitar de mais hormônio para fazer a incorporação da glicose às células;, ressalta Tavares. ;E essa resistência leva a uma alteração do colesterol no sangue. Assim, há mais chances de se formarem placas de gordura nas artérias do corpo, inclusive, no cérebro;, completa.

A aposentada Belmira Duarte, 73 anos, diz que muitas mudanças aconteceram em seu organismo depois dos 50. ;A gente engorda, começa a ter problemas nos ossos. Não cuido muito da minha alimentação nem pratico exercícios físicos. O que segura mesmo são os remédios;, conta ela. Belmira lembra-se de muitas coisas da juventude, mas reconhece que, muita vezes, esquece o nome das pessoas. ;Tento manter a cabeça sempre ocupada, fazendo crochê, mexendo com artesanato;, relata. Lourdes da Silva Severino, 70 anos, presidente da Associação dos Idosos de Taguatinga, concorda que as atividades lúdicas melhoram a qualidade de vida dos idosos. ;Mas todo mundo que passa dos 50 precisa dar uma freada na alimentação, senão engorda mesmo. O essencial é buscar formas de tentar manter, pelo menos um pouco, a antiga forma;, opina.

Influência da educação
A pesquisa da Católica também mostrou que, quanto maior o tempo de escolaridade das participantes, melhor foi o desempenho no miniexame de estado mental. Segundo os pesquisadores, o resultado se deve ao fato de que mulheres mais esclarecidas têm uma probabilidade maior de preservar a autoestima e a saúde física e mental com a ajuda de um estilo de vida mais saudável.

Combate aos radicais livres
A receita para ficar em paz com a balança e garantir uma boa memória não é tão complicada assim. A nutricionista Patrícia Villas-Boas Andrade, da Faculdade Arthur Sá Earp Neto, do Rio de Janeiro, afirma que é preciso tomar mais cuidado depois dos 50 anos porque nessa fase há mais riscos de doenças neurológicas ; como o Parkinson e o Alzheimer. ;A pessoa deve ter uma dieta rica em antioxidantes: vitamina A, vitamina C, , selênio, zinco. São substâncias que reduzem a agressão dos radicais livres(2) ao organismo;, explica a especialista. A vitamina A pode ser encontrada na cenoura, na abóbora, no abacate, no mamão, no tomate e na melancia. A vitamina C está no limão, na laranja, no caju, na acerola e na goiaba. Os minerais selênio e zinco estão nas oleaginosas, como nozes, castanhas, avelãs e amêndoas. Também é importante ingerir alimentos ricos em vitaminas do complexo B: massa e arroz integrais.

Outra substância importante para a memória é a colina, presente no ovo, principalmente se cozido com a gema mole. ;As pessoas deixam de comer ovo por causa do colesterol. Mas isso é muito relativo, depende da situação de cada um. O que não pode é eliminar o ovo, mas continuar comendo salaminho e mortadela;, diz Patrícia Andrade. As frutas vermelhas também são fontes de um santo remédio para a memória: a fisetina. Essa substância é encontrada, ainda, na cebola, no tomate, no pêssego e no kiwi. ;A fisetina faz com que as células do sistema nervoso central fiquem amadurecidas. Quando elas estão muito novinhas, não são capazes de desempenhar a função de transmissão dos sinais nervosos;, esclarece a nutricionista. Patrícia lembra, porém, que é preciso associar os alimentos para ter um bom resultado. ;Não adianta comer um quilo de morango, é necessário buscar um equilíbrio;, reforça.(CV)

Substâncias do mal
Radicais livres são moléculas formadas durante situações de estresse e que agridem o organismo, gerando deficiência de nutrientes. Os radicais livres surgem a partir de uma alimentação desequilibrada e da poluição ambiental, coisas bastante comuns nos dias de hoje.